Posted in Goiânia (GO) - Césio 137 , Notícias
(Texto escrito em 2007)
1 – Introdução
No ano em que o acidente com o césio 137 ocorrido na cidade de Goiânia está completando 20 anos, trabalhadores de Vigilância Sanitária, vítimas, trazem o resultado de análise de informações, apresentando na forma de relato histórico e numérico o que presenciaram, questionando se o ocorrido se enquadraria como acidente ou como desastre, apresentando suas necessidades e situação atual e ainda descortinando os processos de aprendizagem a que ficaram sujeitos.
O acidente com césio 137, classificado como o pior acidente no mundo desencadeado pelo manuseio incorreto de lixo nuclear, ocorreu em Goiânia no dia 13 de setembro de 1987, fazendo sete vítimas fatais, contaminando e irradiando outras tantas, entre as quais 81 funcionários da extinta Organização de Saúde do Estado de Goiás (Osego), lotados na então Coordenação de Vigilância Sanitária, atualmente Superintendência de Vigilância Sanitária e Ambiental (Svisa/GO).
No ano em que o acidente com o césio 137 ocorrido na cidade de Goiânia está completando 20 anos, trabalhadores de Vigilância Sanitária, vítimas, trazem o resultado de análise de informações, apresentando na forma de relato histórico e numérico o que presenciaram, questionando se o ocorrido se enquadraria como acidente ou como desastre, apresentando suas necessidades e situação atual e ainda descortinando os processos de aprendizagem a que ficaram sujeitos.
O acidente com césio 137, classificado como o pior acidente no mundo desencadeado pelo manuseio incorreto de lixo nuclear, ocorreu em Goiânia no dia 13 de setembro de 1987, fazendo sete vítimas fatais, contaminando e irradiando outras tantas, entre as quais 81 funcionários da extinta Organização de Saúde do Estado de Goiás (Osego), lotados na então Coordenação de Vigilância Sanitária, atualmente Superintendência de Vigilância Sanitária e Ambiental (Svisa/GO).
2 – Resumo da história
A peça radioativa (um cilindro com aspecto de alumínio dentro de um saco de plástico trançado) chegou à Vigilância Sanitária de Goiânia (Visa–GO), instalada num sobrado da Rua 16-A, no Setor Aeroporto, por volta das 10 horas de uma segunda-feira, no dia 28 de setembro de 1987, isto é, onze dias após ter sido desmontada. A peça foi trazida por um casal, que se encaminhou à então Divisão de Cadastro para fazer a reclamação de que “aquela peça tinha uma pedra dentro que estava fazendo mal para sua família, e que um médico sugeriu levar para a Visa–GO para ser examinada". O saco foi então levado da sala da Divisão de Cadastro para uma mesa na Divisão de Alimentos, no andar inferior, aí permanecendo até o outro dia, sendo retirada da mesa e colocada em uma cadeira, até que por ordem do então chefe de Divisão de Alimentos, o referido saco foi levado por dois funcionários para o pátio de entrada da Visa–GO, pois estava atrapalhando já que emitia reflexos na parede, dificultando o trabalho dos funcionários.
Os funcionários tiveram nestes dois dias, 28 e 29, expediente normal, trabalhando junto à fonte radioativa, ainda não identificada com tal. Vários funcionários olharam a peça de perto, abriram o saco, cheiraram, ou para verem seu brilho quando a luz era apagada, ou na tentativa de identificar o material. Um deles deduziu que o material seria radioativo.
Um dos funcionários encaminhou o casal que trouxe a peça para a Vigilância Sanitária, para o Centro de Informações Toxicológicas, que na ocasião funcionava no Hospital de Doenças Tropicais (HDT). O médico que os atendeu desconfiou de contaminação e comunicou isso ao funcionário que havia encaminhado o casal. Este funcionário, juntamente com outro colega, dirigiu-se ao depósito de ferro-velho onde a peça havia sido desmontada e, após ouvir os familiares, outros contaminados foram encaminhados ao HDT. Também entraram em contato com um físico, indicado pelo médico. Este físico fez contato com a Nucleobrás, que cedeu os aparelhos de medição de radiação.**(aqui não é dito que os bombeiros também foram chamados e foi cogitada a idéia de jogar a fonte em um córrego da cidade - Leia mais aqui)** A partir dessa medição, estes dois funcionários alertaram autoridades da Secretaria de Saúde, que se decidiram pela interdição da sede onde funcionava a Vigilância Sanitária com a retirada dos funcionários do local.
No dia 30 de setembro, alguns funcionários dirigiram-se ao Estádio Olímpico para medir a radiação com técnicos da Cnen. Nem todos foram atendidos e receberam informações diversas, inclusive a de que o exame de contagem de corpo inteiro era só para a pessoa que houvesse tido contato direto com o césio.
Alguns funcionários receberam notificação para fazer exames médicos, não tendo sido essa notificação estendida a todos. Outros solicitaram à Cnen que seus exames fossem feitos e outros realizaram exames por conta própria em laboratórios particulares. Dos que receberam notificação alguns fizeram, na ocasião, exames de corpo inteiro, urina, fezes, citogenético e micronúcleo, ou apenas um ou outro dentre esses. Os resultados nunca foram oficialmente divulgados aos funcionários.
Os nomes dos funcionários da Visa–GO foram veiculados na imprensa escrita, em reportagens com títulos como “Veja a lista dos contaminados”. Os funcionários e suas famílias sofreram discriminação em diversos ambientes.
A falta de informação coerente com o ocorrido, a confusão e aglomeração de pessoas no Estádio Olímpico, o medo gerado pelas notícias veiculadas, a discriminação por parte de muitos, quando um funcionário da Visa–GO era identificado, o desconhecimento sobre os termos usados pelos técnicos da Cnen, o que dificultavam saber da contaminação, da irradiação ou de ambos, foram situações vividas na ocasião pelos funcionários da Visa–GO.
Em nenhum momento durante o período após a interdição da sede da Vigilância Sanitária – quando muitos ficaram nos corredores da então Coordenação de Vigilância Epidemiológica, hoje Superintendência de Políticas e Ação Integral à Saúde (Spais) – os funcionários da Vigilância Sanitária tiveram tratamento como vítimas contaminadas ou irradiadas e nem receberam esclarecimentos oficiais sobre a conduta correta a ser adotada.
Os funcionários da Visa–GO foram diferenciados nas ações e decisões pós-acidente, tais como encaminhamento ou não-encaminhamento a exames completos; acompanhamento médico ou não; pensão vitalícia ou não; liberação do pagamento ao Ipasgo ou não; inclusão em algum grupo ou não.
Até a presente data, funcionários da Svisa–GO continuam discriminados e excluídos de direitos concedidos a outros acidentados. Todos os 81 funcionários possuem documentos oficiais que comprovam sua presença na então Coordenação de Vigilância Sanitária nos dois dias em que a peça radioativa esteve no local, o que os autoriza inclusive a refazer parte da história do acidente, a parte que entenderam e sentiram.
Os funcionários tiveram nestes dois dias, 28 e 29, expediente normal, trabalhando junto à fonte radioativa, ainda não identificada com tal. Vários funcionários olharam a peça de perto, abriram o saco, cheiraram, ou para verem seu brilho quando a luz era apagada, ou na tentativa de identificar o material. Um deles deduziu que o material seria radioativo.
Um dos funcionários encaminhou o casal que trouxe a peça para a Vigilância Sanitária, para o Centro de Informações Toxicológicas, que na ocasião funcionava no Hospital de Doenças Tropicais (HDT). O médico que os atendeu desconfiou de contaminação e comunicou isso ao funcionário que havia encaminhado o casal. Este funcionário, juntamente com outro colega, dirigiu-se ao depósito de ferro-velho onde a peça havia sido desmontada e, após ouvir os familiares, outros contaminados foram encaminhados ao HDT. Também entraram em contato com um físico, indicado pelo médico. Este físico fez contato com a Nucleobrás, que cedeu os aparelhos de medição de radiação.**(aqui não é dito que os bombeiros também foram chamados e foi cogitada a idéia de jogar a fonte em um córrego da cidade - Leia mais aqui)** A partir dessa medição, estes dois funcionários alertaram autoridades da Secretaria de Saúde, que se decidiram pela interdição da sede onde funcionava a Vigilância Sanitária com a retirada dos funcionários do local.
No dia 30 de setembro, alguns funcionários dirigiram-se ao Estádio Olímpico para medir a radiação com técnicos da Cnen. Nem todos foram atendidos e receberam informações diversas, inclusive a de que o exame de contagem de corpo inteiro era só para a pessoa que houvesse tido contato direto com o césio.
Alguns funcionários receberam notificação para fazer exames médicos, não tendo sido essa notificação estendida a todos. Outros solicitaram à Cnen que seus exames fossem feitos e outros realizaram exames por conta própria em laboratórios particulares. Dos que receberam notificação alguns fizeram, na ocasião, exames de corpo inteiro, urina, fezes, citogenético e micronúcleo, ou apenas um ou outro dentre esses. Os resultados nunca foram oficialmente divulgados aos funcionários.
Os nomes dos funcionários da Visa–GO foram veiculados na imprensa escrita, em reportagens com títulos como “Veja a lista dos contaminados”. Os funcionários e suas famílias sofreram discriminação em diversos ambientes.
A falta de informação coerente com o ocorrido, a confusão e aglomeração de pessoas no Estádio Olímpico, o medo gerado pelas notícias veiculadas, a discriminação por parte de muitos, quando um funcionário da Visa–GO era identificado, o desconhecimento sobre os termos usados pelos técnicos da Cnen, o que dificultavam saber da contaminação, da irradiação ou de ambos, foram situações vividas na ocasião pelos funcionários da Visa–GO.
Em nenhum momento durante o período após a interdição da sede da Vigilância Sanitária – quando muitos ficaram nos corredores da então Coordenação de Vigilância Epidemiológica, hoje Superintendência de Políticas e Ação Integral à Saúde (Spais) – os funcionários da Vigilância Sanitária tiveram tratamento como vítimas contaminadas ou irradiadas e nem receberam esclarecimentos oficiais sobre a conduta correta a ser adotada.
Os funcionários da Visa–GO foram diferenciados nas ações e decisões pós-acidente, tais como encaminhamento ou não-encaminhamento a exames completos; acompanhamento médico ou não; pensão vitalícia ou não; liberação do pagamento ao Ipasgo ou não; inclusão em algum grupo ou não.
Até a presente data, funcionários da Svisa–GO continuam discriminados e excluídos de direitos concedidos a outros acidentados. Todos os 81 funcionários possuem documentos oficiais que comprovam sua presença na então Coordenação de Vigilância Sanitária nos dois dias em que a peça radioativa esteve no local, o que os autoriza inclusive a refazer parte da história do acidente, a parte que entenderam e sentiram.
3 – A história em números
- 87 funcionários constam na lista de freqüência nos dias 28 e 29 de setembro de 1987. Cinco estavam em gozo de férias e dois, de licença. Um dos funcionários que estavam oficialmente de licença, por solicitação da instituição, interrompeu sua licença-maternidade para acompanhar a elaboração de relatório de inspeção de indústria farmacêutica, junto com técnicos do Ministério de Saúde. São então, de fato, 81 vítimas diretas, contaminadas e/ou irradiadas;
- Dos 81 presentes nos dois dias junto à fonte de césio, doze foram enquadrados no Grupo II e os outros 69 foram enquadrados no Grupo III;
- 87 funcionários constam na lista de freqüência nos dias 28 e 29 de setembro de 1987. Cinco estavam em gozo de férias e dois, de licença. Um dos funcionários que estavam oficialmente de licença, por solicitação da instituição, interrompeu sua licença-maternidade para acompanhar a elaboração de relatório de inspeção de indústria farmacêutica, junto com técnicos do Ministério de Saúde. São então, de fato, 81 vítimas diretas, contaminadas e/ou irradiadas;
- Dos 81 presentes nos dois dias junto à fonte de césio, doze foram enquadrados no Grupo II e os outros 69 foram enquadrados no Grupo III;
- Destes 81, dez já faleceram ao longo destes quase 20 anos, sendo seis com diagnóstico de câncer (garganta, rins, pulmão, cérebro, esôfago, mama), um por acidente de trânsito, dois por “problema de fígado” e um por trombose;
- Nenhum integrante do Grupo II veio a falecer até a presente data;
- 10 integrantes do Grupo III vieram a óbito;
- Dos 81 funcionários, 22 estão lotados na Svisa-GO.
- Dos 22 atualmente lotados na Svisa–GO dois deles travam luta contra o câncer, sendo um do Grupo III e um do Grupo II. Os outros 20 apresentam problemas de saúde diversos e nunca houve um estudo ou acompanhamento para tentar estabelecer nexo causal entre os adoecimentos e o acidente;
- Até o ano de 1992, vez e outra, a Superintendência Leide das Neves convocou também os integrantes do Grupo III para exames. Uma vez tiveram o sangue coletado para pesquisa, supostamente enviado ao Canadá, porém, oficialmente, o resultado nunca chegou aos integrantes do grupo;
- Não existem informações oficiais e disponíveis sobre o estado de saúde dos 71 funcionários vivos. Dos 49 que já estão fora da Svisa–GO, as notícias são vagas e imprecisas, sabendo-se com certeza que pelo menos um deles, do Grupo II, trava luta contra o câncer;
- Dos 81 funcionários, doze foram beneficiados pela Lei Estadual 10.977 de 3 de outubro de 1989, enquadrados como vítimas do Grupo II e passando a receber pensão estadual mensal de cerca de 1,5 salário mínimo, assistência médica, odontológica e psicológica. Outros 69 enquadrados no Grupo III ficaram sem esses benefícios;
- Dos 69 funcionários não enquadrados pela Lei 10.977, três obtiveram direito à mesma pensão mensal de 1,5 salário mínimo, por meio da Lei Estadual nº 14.226, de 8 de julho de 2002, isto é, 15 anos após o ocorrido. Desse grupo, dois já faleceram;
- A Lei Federal 9.425/96 concedeu pensão mensal federal às 12 vítimas do Grupo II, nove anos após o acidente;
- 69 ficaram enquadrados no Grupo III, sem os benefícios das Leis Estadual 10.977/89 e Federal 9.425/96;
- Mesmo estando excluídos das leis mencionadas, muitos entraram com processo na Agência Goiana de Administração e Negócios Públicos, reinvidicando o direito a pensão como auxílio para tratamento de saúde. A maioria dos processos foi arquivada, com concessão de pensão apenas aos três funcionários citados. O restante ainda aguarda decisão sobre a solicitação.
- Dos 81 funcionários, doze do Grupo II deveriam ter acompanhamento médico, odontológico e psicológico, regular ou quando necessitarem, desde a época do acidente. Os outros 69 ficaram fora deste possível acompanhamento regular;
- Dos 22 lotados atualmente na Svisa–GO, dois pertencem ao Grupo II e vinte estão enquadrados no Grupo III;
- Dos 81 funcionários, atualmente 22 ainda estão lotados na Svisa–GO, dez faleceram, 26 solicitaram transferência, cinco abandonaram o serviço público, três estão de licença por interesse particular, catorze aposentaram-se e um pediu exoneração do cargo, conforme se vê na tabela a seguir:
Situação atual dos 81 funcionários da Svisa-GO vítimas do acidente com o césio 137
Situação atual | Quantidade | % |
Lotados na Svisa-GO | 22 | 27,2% |
Solicitaram transferência | 26 | 32,1% |
Solicitaram exoneração | 1 | 1,2% |
Falecidos | 10 | 12,3% |
Abandonaram o serviço público | 5 | 6,2% |
Aposentados | 14 | 17,3% |
Em licença por interesse particular | 3 | 3,7% |
4 – Questionamento sobre a classificação do evento
Mesmo dentro do limitado universo de conhecimentos sobre epidemiologia do grupo em questão, de tanto ser ouvida a palavra “acidente”, em um dado momento passou a ser feito o questionamento de que um acidente seria algo ínfimo frente à proporção tomada pelo evento com o césio 137.
De acordo com o Glossário de Defesa Civil – Estudos de riscos e medicina de desastres (2ª ed. Brasília,1998), publicado pelo Departamento de Defesa Civil, órgão da Secretaria Especial de Políticas Regionais do Ministério do Planejamento e Orçamento, desastre se define como o resultado de eventos adversos, naturais ou provocados, sobre um ecossistema (vulnerável), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e conseqüentes prejuízos econômicos e sociais. Já um acidente é definido como um evento ou seqüência de eventos fortuitos e não planejados, que dão origem a uma conseqüência específica e indesejada, em termos de danos humanos, materiais ou ambientais.
A definição dos dois termos confunde-se em determinado momento, pelo menos aos olhos do grupo em questão. Seria o episódio do dia 13 de setembro de 1987 um acidente que se tornou um desastre? Uma peça contaminada, onze dias após ter sido desmontada, que percorreu diversos caminhos, irradiando e causando danos a pessoas, materiais e ambientais – seria isso um acidente ou um desastre? Não apresentamos avanços neste questionamento por entendermos que a Epidemiologia é um campo do conhecimento bastante especializado e o grupo não teria autoridade para definir a questão. Deixamos a sugestão para epidemiologistas, se entenderem que se trata de algo importante para a saúde pública em Goiás.
Mesmo dentro do limitado universo de conhecimentos sobre epidemiologia do grupo em questão, de tanto ser ouvida a palavra “acidente”, em um dado momento passou a ser feito o questionamento de que um acidente seria algo ínfimo frente à proporção tomada pelo evento com o césio 137.
De acordo com o Glossário de Defesa Civil – Estudos de riscos e medicina de desastres (2ª ed. Brasília,1998), publicado pelo Departamento de Defesa Civil, órgão da Secretaria Especial de Políticas Regionais do Ministério do Planejamento e Orçamento, desastre se define como o resultado de eventos adversos, naturais ou provocados, sobre um ecossistema (vulnerável), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e conseqüentes prejuízos econômicos e sociais. Já um acidente é definido como um evento ou seqüência de eventos fortuitos e não planejados, que dão origem a uma conseqüência específica e indesejada, em termos de danos humanos, materiais ou ambientais.
A definição dos dois termos confunde-se em determinado momento, pelo menos aos olhos do grupo em questão. Seria o episódio do dia 13 de setembro de 1987 um acidente que se tornou um desastre? Uma peça contaminada, onze dias após ter sido desmontada, que percorreu diversos caminhos, irradiando e causando danos a pessoas, materiais e ambientais – seria isso um acidente ou um desastre? Não apresentamos avanços neste questionamento por entendermos que a Epidemiologia é um campo do conhecimento bastante especializado e o grupo não teria autoridade para definir a questão. Deixamos a sugestão para epidemiologistas, se entenderem que se trata de algo importante para a saúde pública em Goiás.
5 – O processo de aprendizagem
As vítimas sobreviventes do desastre com o césio 137, funcionários da Vigilância Sanitária, devem aprender a conviver com alguns fatos:
As vítimas sobreviventes do desastre com o césio 137, funcionários da Vigilância Sanitária, devem aprender a conviver com alguns fatos:
- Compreender de que a vida de cada um estava agora demarcada: o antes e o pós- desastre;
- Aprender a duras penas que dor, medo, humilhação, rejeição, e até vergonha por ser vítima, serão emoções que se alternarão em suas vidas;
- Entender o que ocorreu politicamente durante e após o desastre: a razão do enquadramento apressado das vítimas em grupos, as leis, as instituições criadas para oferecer amparo aos grupos;
- Entender por que um mesmo grupo de colegas, que esteve no mesmo local junto à fonte, que supostamente foi exposto à mesma radiação, teve enquadramento em grupos diferentes;
- Aceitar o fato de que mesmo tendo Declaração de Freqüência fornecida pelo Departamento de Pessoal da Secretaria de Saúde, Folha de Ponto com freqüência dos dois dias em questão, os processos a que deram entrada serão arquivados com a alegação de que não existe prova de que foram contaminados ou irradiados;
- Vencer o medo inicial e aprender a conviver com a angústia da incerteza sobre as conseqüências da radiação para a saúde de cada um;
- Aprender a conviver com o estigma de que, por querer justiça, são mentirosos, malandros e aproveitadores, estigma imputado por autoridades e até por colegas de trabalho, surgindo em muitas circunstâncias a necessidade profunda de defenderem sua honra – como se não a tivessem – pelo fato de estarem sendo julgados de forma tão arbitrária e cruel;
- Aceitar o fato de que o desastre do qual saíram como vítimas acabou por propiciar a produção do conhecimento científico por parte de especialistas, cientistas e estudiosos da área. Na época do acidente ficaram a mercê de ausência destes conhecimentos;
- Aceitar o fato de que este conhecimento produzido – as teses escritas, os artigos, a ascensão de estudiosos e autoridades – não significa necessariamente que o grupo será atendido em suas necessidades vitais;
- Lutar pelo não-esquecimento do desastre, já que o poder institucional situa o desastre no passado, restringindo o número de atingidos aos primeiros casos que foram enquadrados nos Grupos I e II;
- Entender que mesmo não havendo estudos em seres humanos que especificamente associem a exposição ao césio radioativo com o aumento do risco de câncer, o Grupo III não foi destacado como um grupo de controle para acompanhamento e observação;
- Compreender que por diversos motivos, alguns especialistas insistem em afirmar que não houve conseqüência para o Grupo III, mesmos sabendo que, ao atuarem sobre tecidos orgânicos, as radiações ionizantes tendem a destruir, com maior intensidade, as células que se encontram em processo rápido de divisão, como as células da derme, dos tecidos hematopoiéticos e dos tumores cancerosos;
- Entender por que autoridades no assunto não levantaram a hipótese de que indivíduos expostos de forma aguda a altos níveis de radiação de uma fonte de césio radioativo poderão desenvolver algum tipo de câncer, mesmo sem estudo em seres humanos que associem a exposição ao césio radioativo com o aumento do risco de câncer, se o césio radioativo emite radiação ionizante;
- Conviver com o sofrimento originado pelo embate entre a experiência dos sobreviventes do desastre, o conhecimento científico produzido pelos especialistas nucleares convocados na ocasião e o uso desse conhecimento pelo poder institucional a fim de definir a categoria de “vítima”;
- Conviver com o sofrimento originado pela indefinição a respeito do embate sobre a quem caberia o atendimento à saúde das vítimas;
- Conviver com o temor de algo tenebroso e desconhecido a cada desequilíbrio no corpo físico ou no corpo psicológico, seja isto gerado por falta de informações sobre as conseqüências do desastre para suas vidas, ou por se sentirem totalmente sós na experiência de vítimas;
- Aceitar o fato já comprovado de que frente a uma doença mais grave ficarão dependentes de familiares e da boa vontade de colegas de trabalho, até para ajuda financeira para os medicamentos;
- Aceitar o fato de que nos Grupos II e III, funcionários da Vigilância Sanitária Estadual – apesar de lotados dentro de uma instituição governamental, apesar dos inúmeros contatos que já tentaram estabelecer – não conseguiram ter tratamento uniforme e nem impor sua experiência de dor perante o conhecimento dos especialistas e autoridades públicas. Tampouco conseguiram assegurar o respaldo legal e jurídico para o acompanhamento de sua saúde, passados já vinte anos do acidente.
Participação de Ivanilde Vieira Batista (Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde)
Marivalda Marinho de Sousa (Sindisaúde)
Marivalda Marinho de Sousa (Sindisaúde)
Farmacêutica Bioquímica pela UFG, especialista em Saúde Pública pela Fiocruz, Microbiologia pela UFG e Vigilância Sanitária pela UnB, lotada na Svisa–GO desde maio de 1984, vítima do acidente com o césio 137.
23 anos de impunidade,o acidente em goiana nos mostrou que ainda tratan radioatividade como uma coisa comum, o que nao é.ainda hoje ha varios pedidos de indenizaçao no governo com o ocorrido.