No roteiro de Lula, a negociação é o antídoto contra as sanções. No roteiro proposto pelos americanos, talvez as sanções sejam a alternativa ao caminho das armas. Pelo menos é possível que russos e chineses enxerguem assim
É discutível a atitude brasileira de deixar a reunião do Conselho de Segurança da ONU em que se discutiam as possíveis sanções contra o Irã. Se o Brasil tem uma posição, deve defendê-la em qualquer instância. Por que não?
O Brasil parece ter ficado surpreso com a velocidade de reação das potências no CS, e com a unanimidade a favor do rascunho das sanções.
Na teoria, a declaração obtida por Luiz Inácio Lula da Silva em Teerã deveria ter dividido o bloco dos países com poder de veto. Deveria ter facilitado o descolamento entre de um lado Estados Unidos e de outro Rússia e China.
Mas não aconteceu. Um motivo é que as medidas vêm sendo costuradas faz tempo entre os protagonistas do CS. E costuras envolvem compromissos.
Um exemplo: os americanos toparam ceder aos russos no escudo antimísseis do leste da Europa. Os russos não podem agora simplesmente desconhecer as preocupações dos Estados Unidos com o Irã.
Os chineses também carregam um portfólio de pontos estratégicos delicados na relação com Washington. Não podem se dar ao luxo de flutuar ao sabor dos acontecimentos.
Outra razão é que nem russos, nem chineses, nem franceses nem súditos de Sua Majestade estão dispostos a conviver com um Irãnuclearizado. A França não se alinha automaticamente aos Estados Unidos, ao contrário: na crise do Iraque peitou o aliado do começo ao fim. Rússia e China tampouco.
Circula a teoria de que as sanções são um primeiro passo para os Estados Unidos intervirem militarmente no Irã. O histórico das guerras recentes encoraja a hipótese. Mas há nela um buraco lógico. Por que motivo russos e chineses iriam estimular a presença de tropas americanas no Irã? Qual o interesse dessas duas potências em incentivar a expansão bélica da superpotência?
Interesse nenhum. O que faz obrigatório levantar uma possibilidade: talvez os parceiros dos Estados Unidos no CS vejam as sanções como um caminho não para impulsionar a eventual agressão militar, mas para diminuir a probabilidade de ela acontecer.
No roteiro de Lula, a negociação é o antídoto contra as sanções. No roteiro proposto pelos americanos, talvez as sanções sejam a alternativa ao caminho das armas. Pelo menos é possível que russos e chineses enxerguem assim.
Também por isso escrevi na coluna de terça-feira que a tática brasileira levaria a aumentar as pressões sobre Teerã, em vez de diminuir. O Irã tem um histórico de enrolar o CS, e se as potências enxergassem a aceitação tardia da algumas condições pelos iranianos como manobra para novamente “comprar tempo” provavelmente dariam mais uma volta no parafuso. Uma mais algumas.
O Irã trabalha com a hipótese de os Estados Unidos não conseguirem abrir uma terceira frente, além do Iraque e do Afeganistão. É razoável. Como também é razoável imaginar que Washington esteja a rascunhar caminhos para enfrentar o problema, de um jeito ou de outro.
O documento assinado em Teerã rendeu dividendos políticos a Lula, mas é preciso agora ir além do brilhareco. Se o Brasil está sinceramente interessado numa saída pacífica — e não apenas em fazer propaganda de si próprio — talvez devesse considerar que os termos acertados no domingo com Mahmoud Ahmadinejad são, infelizmente, insuficientes. E que é preciso avançar.
A questão-chave do affair iraniano é o monitoramento internacional do programa atômico. O próprio Itamaraty admite isso, quando caracteriza o trato do último fim de semana como “primeiro passo”. Qual é a dificuldade, então? O ritmo. Brasil e Irã caminham a passo de tartaruga, mas os fatos já adquiriram velocidade de coelho.
Em resumo, a permanência do Irã como nação soberana depende da renúncia definitiva ao uso da energia nuclear para fins militares. E de isso poder ser efetivamente verificado e fiscalizado pelas potências. Em suma, para manter sua soberania o Irã deverá renunciar a uma parte dela.
Justa ou injusta, essa é a situação. E os dirigentes iranianos estão diante da encruzilhada. Na qual, aliás, eles mesmos fizeram tudo para se meter. As escolhas colocadas aos países nos momentos-chave da História nunca são fáceis.
Será ótimo se o Brasil e Lula puderem ajudar o Irã a fazer a escolha correta. É o que farão, se estiverem movidos pelos propósitos certos, e não apenas pela busca dos holofotes.
Fonte:
Nas Entrelinhas - Alon Feuerwerker |
Correio Braziliense - 20/05/2010 |
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