Na
mesma madrugada em que os técnicos chegaram à cidade, foi determinado que as
vítimas fossem retiradas de suas casas e levadas ao Estádio Olímpico de Goiânia,
local onde se fez a primeira triagem, como mostra a Figura 23. (REDE GLOBO, 2007)
De
acordo com uma das vítimas, a senhora Lourdes das Neves Ferreira, “lá eles foi
passando o aparelho, aí eles foi separando, uma parte que tinha q ir pro
hospital; outra que eles achava que não precisava né, que ia ficar lá no
estádio”. As vítimas mais graves já haviam sido internadas em hospitais da
cidade, mas a equipe decidiu reuni-las no Hospital Geral de Goiânia (HGG). Com
a triagem feita baseada na sintomologia, no dia 1º de outubro, seis vítimas
foram encaminhadas ao Hospital Naval Marcílio Dias (HNMD), no Rio de Janeiro,
que segundo Nelson Valverde, da Divisão de Medicina do Trabalho e Assistencial
do Departamento de Saúde de Furnas Centrais Elétricas, era “considerado o
hospital de base, de referência da CNEN para emergências desse tipo”. As
vítimas eram: Roberto Santos Alves, Wagner Motta, Leide das Neves Ferreira, Ivo
Alves Ferreira, Devair Alves Ferreira e Ernesto Fabiano. Passados alguns dias,
mais outras vítimas foram transferidas para o HNMD, entre elas, Maria Gabriela
Ferreira. (BRANDÃO, 1988; OLIVEIRA, 1988; VALVERDE, 1988; DIRETORIA DE SAÚDE DA
MARINHA DO BRASIL,1988; REDE GLOBO, 2007)
A
descontaminação das vítimas consistiu em três processos: descontaminação
externa, tratamento das radiolesões e descontaminação interna.
Descontaminação
externa
O
primeiro passo para a descontaminação das vítimas era retirar o pó da pele, das
unhas e do cabelo. As unhas foram aparadas, os cabelos cortados e a pele foi
sendo descontaminada por processos químicos. A rotina consistia em vários
banhos diários, com água morna e sabão neutro. Em alguns pacientes utilizou-se
vinagre para aumentar a solubilidade do césio. (BRANDÃO, 1988; OLIVEIRA, 1988;
VALVERDE, 1988; REDE GLOBO, 2007)
Também
foram usadas pomadas à base de lanolina e dióxido de titânio, que, ao serem
removidas, descamavam a pele. Em seguida, os pacientes foram submetidos a banhos
com soluções de permanganato de potássio e hipoclorito de sódio, por suas ações
antisépticas. A preparação de resinas catiônicas carregadas com azul-da-prússia
também foram de importância fundamental para retirar o césio impregnado nessas
pessoas. (BRANDÃO, 1988; OLIVEIRA, 1988; VALVERDE, 1988; MEDEIROS, 1988)
Tratamento das
radiolesões
A
exposição à radiação resultou em diversas conseqüências, entre elas, lesões
externas chamadas radiodermites. Geraldo Guilherme da Silva, que carregou a
peça no ombro até a sede da Vigilância Sanitária, e Luisa Odete dos Santos, em
quem Ivo passou o pó no pescoço, sofreram logo os efeitos causados pela
radiação na pele. (ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137)
Geraldo
teve, no ombro, uma lesão resultante da radiação à qual se expôs carregando a
fonte de césio-137. Luisa Odete teve uma radiodermite no pescoço em
conseqüência do contato direto com o pó radioativo. As radiolesões surgem
inicialmente como uma vermelhidão, o eritema, rapidamente acompanhada de
coceira intensa e sensação de dormência. Em seguida, aparecem bolhas dolorosas,
e finalmente, as bolhas se rompem resultando em feridas. O tratamento das radiolesões
das vítimas do césio consiste na utilização de água boricada como anti-séptico;
soluções e pastas à base de tanino, de óleo de babosa e de substâncias
antiinflamatórias e o uso externo de creme de Neomicina, que é uma substância
antibiótica. (DIRETORIA DE SAÚDE DA MARINHA DO BRASIL, 1988; OLIVEIRA, 1988)
Em
alguns pacientes, houve a necessidade de se fazer um debridamento cirúrgico, um
processo utilizado para remover o tecido necrótico. Em outros, a necrose era
tão grande que foi necessária a realização de uma amputação cirúrgica, como foi
o caso de Roberto Santos Alves, que teve seu antebraço amputado. (DIRETORIA DE
SAÚDE DA MARINHA DO BRASIL, 1988)
Descontaminação
interna
A
descontaminação interna consistiu na decorporação através da sudorese e tratamento
com azul-da-prússia. Para acelerar o processo de sudorese utilizou-se sauna e exercícios
ergométricos. (OLIVEIRA, 1988)
Em
relação ao tratamento com azul-da-prússia, sabia-se que a descontaminação tinha
resultado se fosse efetuada nas primeiras 48 horas após a contaminação. Mesmo
assim, decidiram usar o elemento, muito embora o tratamento tenha se iniciado
duas semanas após a contaminação. A Dra. Rosana Farina, do HGG, que trabalhou
no processo de descontaminação, afirma que “[...] foi correto o tratamento com
o Azul da Prússia, [...].
Além de não apresentar efeitos colaterais, verificou-se que, quanto maior a
dose ministrada, maior a excreção de césio pelas fezes.” (FARINA, 1988;
OLIVEIRA, 1988)
O
césio, segundo informações dos Arquivos Brasileiros de Medicina Naval do
Hospital Naval Marcílio Dias: [...] é absorvido de forma integral ao nível dos
intestinos e excretado por via urinária e gastrintestinal [...]. Ocorre, no
entanto, a excreção do elemento, no lúmen do trato gastrintestinal, entre o
estômago e o intestino delgado. Portanto, neste trecho, age o “Ferrocianeto
Férrico” (azul-da-prússia), quelando o rádio césio, com ele formando macromolécula,
não absorvível e que é eliminada pelas fezes. Graças à ação quelante do
azul-da-prússia, ocorre a inversão da relação excretora urina/fezes, com maior
excreção fecal. [...]. (DIRETORIA DE SAÚDE DA MARINHA DO BRASIL, 1988, p. 49)
Para
os médicos, a utilização maciça do azul-da-prússia foi essencial para que a
eliminação do césio-137 fosse mais rápida.
muito triste