Depois da tragédia da usina nuclear, o Japão incentiva a adoção de energia solar.
Com uma certa frustração, Margarete, que atua como intérprete de português, conta que todos os argumentos foram em vão. O marido não acredita que a família consiga gerar um excedente de energia com os painéis solares que permita zerar os gastos com a conta de luz. Takahashi acha que gastar, pelo menos, US$ 10 mil em equipamentos é muito dinheiro e proibiu a compra. "Parece que ele tem preguiça de economizar", reclama. "Eu não quero contribuir para a geração de energia nuclear, pois sabemos como ela pode ser perigosa." Margarete não é a única a pensar dessa forma. O terremoto, seguido de tsunami, e o acidente na usina de Fukushima, ocorridos em março do ano passado, mudaram a visão dos japoneses sobre a energia nuclear.
Segundo pesquisas de opinião, mais de 40% da população apoia alguma restrição à geração nuclear. Em poucos minutos de conversa, eles não demoram a lembrar de um assunto tabu: a experiência com as bombas nucleares jogadas pelos aliados em Hiroshima e Nagasaki, no final da Segunda Guerra Mundial. "Sabemos por causa das bombas nucleares que a contaminação do solo demora muito para ser resolvida", diz Margarete. A explosão no reator de Fukushima foi o pior acidente nuclear dos últimos 25 anos. Provocou a morte ou desaparecimento de 19 mil pessoas e a evacuação de 140 mil que viviam num raio de 20 quilômetros.
Numa entrevista recente, o ex-primeiro-ministro Naoto Kan disse que, depois de Fukushima, chegou a ficar preocupado com a possibilidade de uma nova tragédia nuclear afetar a região de Tóquio e ameaçar "a própria existência da nação". Isso o convenceu a procurar alternativas à energia nuclearpara o país. Desde o acidente, as 50 usinas nucleares foram sendo desligadas aos poucos, para checagens de segurança ou operações de manutenção. Em maio, o terceiro maior parque nuclear do mundo, atrás apenas do americano e do francês, estava totalmente inativo. O físico Mikinori Niino diz que muitos de seus amigos não acreditam no discurso oficial de que as usinas nucleares são seguras.
E que a população hoje está muito mais atenta à questão. "Muitos acham melhor enfrentar blecautes do que confiar na geração nuclear˜, afirma. Com parte tão relevante da geração paralisada, a única solução para evitar os apagões é reduzir drasticamente o consumo energético. O objetivo oficial é a redução de 15% na demanda. Por isso, os formais japoneses aguentam com estoicismo as temperaturas escaldantes nos escritórios das grandes companhias em Tóquio. Na maior parte das torres de escritório na capital japonesa, o arcondicionado está regulado para 28 graus, e em muitas das salas de reunião não é possível abrir as janelas. A economia de energia nesses edifícios tem sido suficiente, até agora, para evitar cortes nas unidades industriais.
Mas o temor de que sejam necessários blecautes programados, no verão que acaba de começar no Hemisfério Norte, levou o governo a anunciar, no sábado 16, a reativação de dois reatores nucleares na cidade de Ohi. Milhares de pessoas protestaram contra a decisão em frente à casa do primeiro-ministro japonês Yoshihiko Noda. Apesar de tomar medidas emergenciais para garantir o suprimento durante o verão, o governo já declarou que pretende reduzir a dependência do país da energia nuclear e está fazendo planos para mudar a matriz energética até 2030. A equação não é simples de ser resolvida. O Japão importa mais de 80% de suas necessidades energéticas e, até a década de 1970, concentrava a geração em usinas térmicas movidas a derivados de petróleo.
Em Tóquio, ativistas protestam contra religamento de usinas nucleares.
Pelo exíguo tamanho do território, biomassa e produtos derivados da agricultura como o etanol estão naturalmente descartados. As alternativas preferidas são a solar e a eólica. Enquanto não se desenha uma solução, o país está voltando à era dos geradores. Claro que, agora, com muitas inovações tecnológicas. A NEC, por exemplo, está vendendo um sistema que alia baterias de lítio e uma célula de geração de energia solar. O sistema carrega as baterias usando eletricidade da rede ou da célula solar e as utiliza nos horários de pico. Também funciona como um gerador em caso de cortes no fornecimento.
Com fortes incentivos do governo, o Japão deve tornar-se o segundo maior mercado de energia solar do mundo até o ano que vem, segundo previsão da Bloomberg New Energy Finance. Para estimular os investimentos, o Ministério da Economia aprovou, na segunda-feira 18, prêmios elevados para a tarifa da energia solar gerada— os produtores receberão o dobro por megawatt do que é pago na Alemanha. Os fortes subsídios provocam dúvidas sobre a criação de um sistema ineficiente e sobre os problemas de competitividade para continuar a produzir no Japão, preocupando as autoridades. "O Japão não pode voltar a depender de velas", disse Yoshito Sengoku, líder do partido do primeiro-ministro na Dieta Nacional, o Parlamento japonês.
Fonte:
Autor(es): Tatiana Bautzer, enviada especial a Tóquio e a Yokohama |
Isto é Dinheiro - 25/06/2012 |
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