Related Posts with Thumbnails

Roda Viva

0

Posted in ,


Odair Dias Gonçalves

07/07/2007

Discutindo os entraves e os benefícios da terceira usina nuclear brasileira, o físico debateu sobre investimentos, resíduos atômicos e licenciamento ambiental



Paulo Markun: A crise energética no mundo é iminente e o Brasil precisa acelerar a produção de energia elétrica para não sofrer com a escassez. Para aumentar a oferta interna e atender o crescimento da demanda, o país precisa investir na produção de energia, seja ela hidráulica, termelétrica ou nuclear. Angra3, a usina nuclear brasileira, terceira usina nuclear brasileira, deverá entrar em operação apenas no início de 2013 e, para isso, vai exigir um custo de pouco mais de sete bilhões de reais.

[Comentarista]: A energia produzida numa usina é obtida pelo princípio da fissão nuclear. Toda matéria é constituída por átomos. Em seus núcleos, existem prótons e nêutrons. Quando bombardeado no reator com raios de nêutrons, o átomo de urânio que tem núcleo pesado é quebrado: é a fissão nuclear. Essa quebra produz calor que aquece a água armazenada numa caldeira ao lado do reator produzindo vapor a alta pressão que move turbinas geradoras de energia elétrica. Depois dessa fase, aparece o rejeito do urânio enriquecido, um produto altamente radioativo. O meio ambiente é um ponto polêmico da questão. O Brasil não possui tecnologia adequada para tratar os rejeitos tóxicos. A construção das usinas de Angra dos Reis foi resultado de um acordo firmado entre o regime militar brasileiro [instaurado com o golpe militar em 1964 e que vigorou até 1985] e o governo da Alemanha. Enquanto o Brasil retoma os investimentos na área, o antigo parceiro caminha no sentido oposto. Há cinco anos, o país proibiu novas construções e, desde 1998, a Alemanha está desativando suas usinas nucleares. Na Europa, Espanha e Suécia também decidiram recuar, enquanto França e Finlândia investem em usinas nucleares. Mas é na Ásia onde o entusiasmo é maior: das 26 usinas em construção no mundo, 15 estão no continente asiático. A Índia tem seis usinas em construção, a Rússia cinco, e a China outras quatro. No total, 17% da energia gerada no mundo é produzida em usinas nucleares. Um levantamento encomendado pelo Ministério de Minas e Energia aponta que o Brasil precisará investir 64 bilhões de reais por ano para expandir a oferta interna e atender o crescimento da demanda por energia até o ano de 2030. As hidrelétricas respondem por 77% da matriz energética do país. As termelétricas, carvão, óleo, combustível e gás natural, por 21%; e as nucleares, 2%. A retomada da construção da usina de Angra3, tem início previsto ainda para este ano e irá gerar nove mil empregos diretos e indiretos. A obra precisa de licença ambiental do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] para ter início.

Paulo Markun: Para entrevistar o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear [CNEN, autarquia federal vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia], Odair Dias Gonçalves, nós convidamos Marcelo Onaga, editor da revista Exame; Roberto Godoy, repórter especial do jornal O Estado de S. Paulo; Marta Salomon, repórter especial do jornal Folha de S. Paulo; Alexandre Mansur, editor de ciências e tecnologia da revista Época; Ulisses Capozolli, editor-chefe da revista Scientific American; e Luís Nassif, comentarista de economia da TV Cultura. Também temos a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando os principais momentos do programa em seus desenhos. [Programa transmitido ao vivo] Boa Noite. Eu queria começar pelo seguinte, nós temos aqui uma série de matérias publicadas pela imprensa nos últimos anos - e eu peguei só dos últimos anos mesmo - 2004, O Globo: “Governo deve concluir a polêmica Angra3”; Valor Econômico, 2005: “Governo volta a discutir a construção de Angra3”; 2006, O Estado de S. Paulo: “Brasil quer mais sete usinas atômicas”. Bem, eu poderia ter relacionado diversas outras notícias de jornal desde 1995 com essa mesma manchete. Por que, desta vez, vai?

Odair Dias Gonçalves: Essa pergunta “por que desta vez vai?” é um pouco complicada. O que nós sabemos é que agora o governo pegou e não só falamos de Angra3, mas falamos em um programa nuclear. A discussão... quando nós fomos convidados para assumir a Comissão Nacional de Energia Nuclear, que é um dos órgãos dos principais assessores do governo na formulação da política nuclear, era claro que uma decisão precisava ser tomada, e essa decisão, naquele momento, era Angra3. Não era possível continuar com a situação, pagando vinte milhões de dólares por ano simplesmente para manter os equipamentos. Era necessário tomar uma opção: ou vai se fazer ou não vai se fazer. Desde o início, nós nos reunimos, a área nuclear como um todo, sob a coordenação da Comissão Nacional de Energia Nuclear, e propusemos um programa que fosse de médio e longo prazo. Não se pode falar em energia nuclear, como não se pode falar em energia, com prazo de três, quatro ou cinco anos. É necessário você falar em período de trinta anos, cinqüenta anos, quando você faz um planejamento energético. Dentro desta perspectiva, nós fizemos uma proposta. Esta proposta foi discutida, o tempo que ela demorou para ser discutida foi um tempo de amadurecimento. A discussão foi feita de uma maneira absolutamente transparente, isso era um dos nossos principais princípios, tanto que, constantemente, abrimos a discussão, encontramos alguns resistentes que depois mudaram de idéia e a discussão amadureceu. Então, eu acho que hoje nós estamos em condição realmente de levar para frente esse programa com Angra3, e a consideração de outras futuras usinas, dentro de uma perspectiva de médio e longo prazo e absolutamente afinada com o planejamento estratégico e energético de médio e longo prazo. Eu acho que tem uma diferença.

Luís Nassif: Deixa eu só fazer uma perguntinha sobre a questão de custo. Nós temos duas situações: uma Angra3, uma parte que já foi construída, então para calcular o custo da produção de energia, esquece o passado e vamos focar daqui para diante; e tem as demais usinas que estão sendo aventadas, que você tem que partir do custo zero. Nos dois casos, qual é o custo de produção da energia? Do kilowattt/hora?

Odair Dias Gonçalves: A questão é que você pode calcular o custo da energia mais ou menos da mesma maneira, porque depende de uma série de polêmicas. A questão que você está levantando, por exemplo, é se esse custo que já foi realizado é um custo que deve ser aprofundado, ele deve ser considerado ou não? E uma série de questões paralelas. A questão hoje que se calcula para a energia nuclear de Angra3 está na faixa de 138 reais por megawatt/hora, energia fornecida. No futuro, eles devem ficar mais ou menos no mesmo processo, se você não contar o custo que foi realizado até hoje e que realmente este custo não é justo você contar. Um custo que foi realizado e que está parado é uma coisa um pouco polêmica.

Luís Nassif: Mesmo sem considerar o custo, esquece o custo, vai sair o mesmo que se começasse do zero?

Odair Dias Gonçalves: O que acontece é que você tem que fazer algumas coisas, tem alguns detalhes nesse cálculo que são muito complicados Luís. Um deles, por exemplo, é que existiam contratos no passado que devem ser revistos, essa expectativa que você está vendo no jornal de 7,2 bilhões de reais ainda a realizar, se você contar com o que a gente já realizou, cerca de um e meio isso vai para oito e pouco. Isso ficaria num custo, mais ou menos, de sete bilhões para a usina hoje. Uma usina nova sai na faixa de três bilhões. Não é muito longe desse valor e como você tem que fazer uma série de investimentos que já estão incluídos no investimento de Angra3, por exemplo, licenciamento que é caro, a questão do local, existe uma série de novos investimentos, uma vez que Angra3 é.... no próprio site que já estão as outras usinas, o custo, você tem que pesquisar terreno, você tem que saber se ele é resistente a terremotos, como é que é o lençol freático da região, ou seja, uma série de custos que já estão feitos para Angra3 teriam que ser feitos nas usinas novas, então a gente calcula que seja a mesma faixa de preço mais ou menos.

Marcelo Onaga: Mas como é que você chega nesse valor de 138 e um pouquinho porque esse valor é muito contestado por vários...

Paulo Markun: Só para explicar, o 138 e pouquinho o kilowatt?

Marcelo Onaga: O megawatt/hora?

Odair Dias Gonçalves: O megawatt/hora, que é a energia fornecida.

Marcelo Onaga: Como é que se chega nesse valor, porque tem muitos especialistas renomados que dizem que isso é ficção e que esse cálculo não é aberto, quer dizer é uma caixa preta. Como se chega nisso?

Odair Dias Gonçalves: Deixa eu dar um esclarecimento antes de a gente entrar muito fundo nessa história. A minha organização não é a organização encarregada de fazer a economicidade. Inclusive o meu Ministério, que é o Ministério de Ciência e Tecnologia, onde está sujeita a Comissão Nacional de Energia Nuclear, não é o ministério responsável, que é o Ministério de Minas e Energia. Os estudos em que a gente está se baseando são os estudos da EPE [Empresa de Pesquisa Energética], e existe uma coisa interessante: a EPE é dirigida pelo Maurício Tolmasquim, que não é uma pessoa apaixonada pela energia nuclear. Então, foram estudos absolutamente claros. Eu tenho visto na imprensa muita contestação desse valor, mas essa contestação fica em cima de coisas como “eu ouvi falar”, “me disseram no exterior que era isso, que era aquilo”. Não é assim que se faz. Existe um cálculo, existe uma planilha, e esta planilha, inclusive, vai ser aberta para discussão pública quando a EPE vai publicar agora o estudo dela e as pessoas que quiserem contestar podem ir na planilha e contestar. Mas é difícil discutir quando uma pessoa afirma: “Não, tenho certeza que não é”, ou “não pode ser”, ou “não...”. Aí fica difícil. Você realmente tem que discutir em cima dos dados. Os dados têm um cálculo, esse cálculo foi feito de maneira estruturada a ponto, inclusive, de haver uma brincadeira na área nuclear, que as quatro usinas, que aEPE - que é a Empresa de Projetos Energéticos [Empresa de Pesquisa Energética] - recomenda no cenário de menos desenvolvimento brasileiro, existe uma brincadeira na área que a gente chama de “as lágrimas do Tolmasquim” [riso], porque ele realmente não era um apaixonado pela energia nuclear, e consta lá, não houve... Os números são aqueles e as pessoas mudaram de idéia vendo os números, não é uma questão dessa... E, agora, calcular... nesse cálculo entra uma série de coisas importantes. Uma das coisas que entra é o descomissionamento da usina e o gerenciamento dos rejeitos.

Paulo Markun: Só para explicar, o descomissionamento é você desativá-la?

Odair Dias Gonçalves: É quando você desativar, você deixar o terreno como se não tivesse havido uma usina lá, ou seja, completamente recuperada para qualquer outra atividade.

Roberto Godoy: Agora, o programa encontra duas poderosas vozes femininas dentro do governo, fazendo um enfrentamento. A ministra Dilma [Dilma Roussef, ministra de Minas e Energia entre 2003 e 2005 e ministra-chefe da Casa Civil no segundo mandato do presidente Lula] disse em mais de uma ocasião - e aqui tem uma citação textual dela agora -, onde ela diz que, perguntada sobre energia - ela já nem estava na área, mas enfim, meteu a colher no assunto -, dizendo que Angra é economicamente inviável; e da ministra Marina Silva, do [Ministério do] Meio Ambiente, que diz que o lixo, enfim, o resíduo no Brasil e no mundo ainda não tem uma solução, portanto sinalizando que a licença ambientalvai ser um osso duro de roer. O que o senhor acha disso?

Alexandre Mansur: Aliás, como o senhor está vendo, isso não está nem orçado. Tem-se alguma expectativa de quanto custa lidar com esse rejeito nuclear?

Odair Dias Gonçalves: Vamos por partes. Quanto às mulheres...

[...]: Poderosas mulheres!

Odair Dias Gonçalves: ... Poderosas mulheres, é complicado. Você deve perguntar para elas exatamente [riso]. A ministra Dilma claramente já declarou no jornal que ela reviu a posição dela, em função inclusive dos números que nós estávamos falando. Então, esses números estão ali, eles são claros e uma pessoa fazendo uma revisão... Um esclarecimento: quando a gente começou, em 2003, a gente tinha uma expectativa de petróleo muito mais barato. Quer dizer, naquela época ainda as coisas não estavam... inclusive o preço do urânio não havia subido, o preço do urânio na época era vinte dólares por libra, hoje está na faixa de 140 mais ou menos. Ou seja, multiplicou por um fator sete, isso porque justamente houve uma expectativa de crescimento muito grande na área nuclear. A nossa proposta, quando nós fizemos a primeira versão que seria a retomada do programa nuclear, ela foi baseada principalmente numa questão estratégica. Nós achávamos que era importante manter a participação da energia nuclear no Brasil na faixa de 5% na nossa matriz energética, isso principalmente por tudo que a gente tinha como potencial, foi o que aconteceu com o petróleo no Brasil, nós achávamos que mesmo que a energia nuclear na época custasse mais caro, que ela era uma opção estratégica importante de se considerar, porque nós vimos uma perspectiva a médio e longo prazo de aparecimento, de crescimento da energia nuclear, o petróleo tem umas certas datas marcadas, inclusive no Brasil, o aumento de custos em prospecção profundas, etc, e com tudo isso que a gente tinha que fazer, nós não estávamos muito preocupados com a questão econômica na época. A posição da ministra Dilma, naquela época, era uma posição do ponto de vista estritamente econômico e ela mudou de idéia do ponto de vista estritamente econômico. Quer dizer, dentro da economicidade, o Ministério de Minas e Energia não tem uma visão, o papel dele é a economicidade da geração de energia. Então, todas essas opções, agora com a adesão do Ministério de Minas e Energia, têm razões econômicas e não razões estratégicas como aquelas que a gente sugeria. A questão do meio ambiente é uma questão extremamente polêmica, no mundo inteiro, e a questão do rejeito é uma questão-chave. Eu não concordo, como foi apresentado no começo, que não tenha solução ou que não sabemos como lidar. Nós sabemos como lidar, na questão do rejeito, principalmente, a gente sabe exatamente como lidar.

Marta Salomon: Esta, inclusive, é uma atribuição da Comissão, não é?

Odair Dias Gonçalves: Depende, de qual?

Marta Salomon: Do rejeito, lixo atômico.

Odair Dias Gonçalves: É, do rejeito final. Intermediário e final é responsabilidade nossa. O primeiro depósito é responsabilidade do operador. Existem... [sendo interrompido]

Alexandre Mansur: A Comissão não tem atribuição de fiscalizar tudo?

Odair Dias Gonçalves: Claro, sem dúvida nenhuma!

Alexandre Mansur: Aliás, esta é uma outra questão, a Comissão tem, me parece, um conflito [sendo interrompido]

[Falam simultaneamente]

Odair Dias Gonçalves: Vamos tentar, deixa eu tentar acabar [de explicar sobre] o rejeito, depois a gente entra nessas questões, que são as questões polêmicas. Eu acho importante a gente abordar todas elas, mas na questão do rejeito eu queria aproveitar a oportunidade - e me permitam ser um pouquinho didático. Rejeito é tudo aquilo que, de alguma maneira, passa pela utilização na área nuclear. Existe uma classificação, uma palavra na Comissão que eu acho foi adotada nos papéis, nos documentos, mas que eu acho horrorosa, que é "instalação radiativa". É isso que está nos documentos. Eu não gosto, esse nome é errado, mas é o nome que está lá. A diferença é: o que é nuclear é urânio e tório, ou seja, as coisas que são usadas diretamente na área nuclear. Então, quando se fala em rejeito nuclear, se fala em rejeitos ligados a urânio e tório na produção de energia ou mineração. Se você passar por algum processo de acúmulo de rejeitos, existem rejeitos de baixa, média e alta atividade. Os rejeitos de baixa e média são os rejeitos que não são da área nuclear, todos da área médica e da área industrial; e os rejeitos da área nuclear que são, eventualmente, por exemplo, roupas, peças que têm contato com radioatividade, mas não têm muita atividade e são guardados também por nós. O que eu quero chegar é que a área nuclear guarda cada grama do rejeito que ela produz, cada grama. Inclusive o ar que circula dentro das coisas é filtrado e este filtro, os resíduos que eventualmente hajam dentro destes filtros, são guardados, compactados e colocados em depósitos...

[Falam simultaneamente]

Paulo Markun: Quer dizer, só para entender, o senhor acha, desculpe só um pouquinho...

[...]: Esses depósitos são provisórios?

Odair Dias Gonçalves: Não são provisórios, são iniciais, o que é muito diferente.

Paulo Markun: Eu só queria entender o seguinte: quer dizer que todos os cientistas que acham que há um risco, todos os técnicos que alertam para essa questão, porque não há uma unanimidade, ao contrário de outras áreas da ciência, essa é uma área em que não há uma unanimidade, nem todo mundo acha isso?

Odair Dias Gonçalves: Sem dúvida nenhuma, seria terrível se tivéssemos...

Paulo Markun: Quer dizer, eles estão errados, eles estão errados, nós temos absoluta segurança que não vai acontecer, nunca, nenhum acidente e não importa quantas usinas nós tivermos, nós sempre vamos achar um lugar onde guardar o que o senhor classifica como rejeito?

Odair Dias Gonçalves: Não, não é isso que eu disse. Eu não disse que não existe risco nenhum, eu disse que entre as empresas, entre as indústrias e toda a tecnologia moderna, nós somos os que melhor equacionamos o nosso problema de rejeito.

Marta Solomon: Mas ainda não há um destino certo e definitivo para esse rejeito. Inclusive, este é o principal argumento dos ambientalistas que se opõem à obra.

Odair Dias Gonçalves: É, eu ia chegar lá, estou tentando chegar lá. É isso [em] que eu estou tentando chegar, eu estou dizendo. Então, existem três tipos de depósitos: depósitos iniciais, depósitos intermediários e depósitos finais. Iniciais não são provisórios, iniciais não têm tempo de validade, eles vão ser mudados, mas a palavra provisório sugere uma coisa feita de alguma maneira: você não sabe como fazer, então, provisoriamente, você deixa ali. Não é isso! Ele é colocado lá segundo todas as normas internacionais e, depois do depósito inicial, ele vai ou para o intermediário ou para o final. Quando se fala em depósito nuclear final, principalmente para depósito de alta de combustível nuclear, nós estamos falando em centenas de anos. O Yucca Mountain, que é uma discussão nos Estados Unidos, fala-se em um milhão de anos. Nenhuma outra atividade humana se preocupa com o meio ambiente ou com segurança nessa escala de tempo.

Luís Nassif: Os acidentes na Rússia e nos Estados Unidos ensinaram o quê? Em relação aqui mesmo, aquela tragédia de Goiânia, ensinou o quê? O que mudou?

Odair Dias Gonçalves: Muita coisa. Perfeito, muita coisa. Primeiro que o acidente de Chernobyl ensinou que aquele tipo de reator não é um bom tipo de reator [modelo adotado na União Soviética que utiliza grafite como moderador dos nêutrons e que pode se tornar instável com muita rapidez], por isso que o Ocidente usa um outro tipo de reator. O PWR, que é a nossa forma de reator, quer dizer, água pressurizada, jamais seria passível de um acidente quanto aquele. Assim como no Three Mile Island, o que aconteceu lá não houve nenhum acidente fatal, houve o problema, o núcleo praticamente fundiu e a radiação ficou toda contida dentro do que ela deveria ser contida, ele funcionou como era esperado. Outra coisa que é nova na área nuclear, que é diferente, é que na área nuclear, quando acontece qualquer acidente desse tipo, é feita a correção, é feito um estudo sobre o que gerou e é feita a correção. Essa correção é divulgada para a Agência Internacional de Energia Atômica [AIEA - vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU). Foi criada em 1957 com o propósito de garantir o uso pacífico da energia atômica, sendo atualmente responsável, também, pela vigilância de instalações nucleares em todo o mundo e pela realização de pesquisas na área de medicina e agricultura] e sugerida para os órgãos regulatórios de cada país. Nós baixamos uma norma e o operador é obrigado a incorporar as novas normas de segurança. Então o que acontece é o seguinte: a questão nuclear não tem risco? Tem, ela tem risco. Calcular este risco é muito difícil, porque risco, usa-se muito a palavra risco sem qualquer critério. Isso é uma coisa que deve ser, que pode ser calculada ou em probabilidade de ocorrência ou então fazer uma simulação. Na área de rejeitos nucleares, não na área médica, eu vou voltar para o caso de Goiânia já, já, nunca houve um acidente em nenhum lugar do mundo com relação aos rejeitos da área nuclear, justamente por essa segurança toda. Nós tivemos Goiânia [tragédia de Goiânia]. [Com o caso de] Goiânia, o que a gente aprendeu? A gente aprendeu, por exemplo, que a nossa legislação necessitava de um ajuste, e ela ainda necessita. Isso é uma das coisas que está no nosso programa para começar este ano dentro deste período. Por quê? Quando houve Goiânia, não se sabia, por exemplo, de quem era a responsabilidade. E a minha opinião... porque a responsabilidade da segurança é do operador, não é do governo. O operador é responsável.

Luís Nassif: Era um laboratório médico, lá.

Odair Dias Gonçalves: Lá era um laboratório e a responsabilidade é do operador. A nossa responsabilidade é fiscalizar para ver se eles apresentam todas as condições para garantir a segurança. E o que aconteceu lá é que a coisa foi abandonada e verificou-se que havia uma falha na lei, porque inclusive a Comissão Nacional da Energia Nuclear, eu não estava na época, mas existe uma discussão se a responsabilidade era da defesa civil ou se era da Comissão.

Luís Nassif: Mas o senhor disse que desde aquela época não foi mudada a lei ainda?

Odair Dias Gonçalves: Foi, foi, as normas foram mudadas, mas há uma lei que ainda precisa de ajuste, de ser ajustada constantemente. A partir daquilo, hoje nós temos um dos melhores sistemas de controle de fonte do mundo, infelizmente graças aos acidentes. Então, veja, nós aprendemos muita coisa com o acidente, da pior maneira possível.

[Falam simultaneamente]

Marta Salomon: Acho que ele não conseguiu responder para onde é que vai o lixo. O senhor disse que já tem o destino certo. Vão ser os municípios que vão cobrar royalties para abrigar? Eu acho que não ficou respondido. Para onde é que vai?

Odair Dias Gonçalves: É, pois é. Você tem razão. É verdade, obrigado por voltar [risos], porque eu preciso acostumar com o display, como eu falei, com a forma. O que acontece é que existem esses depósitos iniciais, intermediários e finais. Vamos falar da usina, que é o caso complicado realmente. Esses depósitos iniciais são piscinas dentro da usina, eles são capazes de armazenar esse combustível por toda vida útil da usina, isso significa sessenta anos. Obviamente, antes de você fechar a usina e limpar o terreno e descomissionar, você precisa levar para um depósito definitivo. Esse depósito definitivo é um depósito caro, custa centenas de milhões. E o que acontece é que, para você poder planejar, uma coisa fundamental é o local e é a dimensão desse depósito, ok? No Brasil, nos últimos vinte anos, nós ficamos em suspenso em relação ao programa nuclear. Não havia uma definição, nem havia se chegado à conclusão que não ia se fazer o resto e nem que ia se fazer o resto. Com duas usinas apenas, e sem saber qual vai ser o futuro, é difícil você planejar um depósito definitivo. Se nós tivermos um programa claro, fica muito mais fácil fazer esse planejamento. Com esse planejamento feito, em dez, quinze anos, você constrói um depósito definitivo. E a tecnologia existe.

[Falam simultaneamente]

Alexandre Mansur: Como é que em dez, quinze anos se constrói um depósito definitivo se outros países estão com uma tecnologia nuclear há mais tempo que a gente e ainda não tem uma solução para isso? Como um país, como o Brasil conseguiria isso mais rápido?

Odair Dias Gonçalves: Eu volto a dizer, o que você chama de solução? A solução, a questão implica em definir as palavras. Solução, o que é?

Alexandre Mansur: É um depósito definitivo.

Odair Dias Gonçalves: Muitos têm depósitos que eles chamam intermediários; definitivos, muito poucos. Tem três, quatro países que têm definitivos. Mas por quê? Esses definitivos são recentes, inclusive não estão ainda em operação total. Primeiro, porque o rejeito nuclear é passível de reprocessamento, então precisa uma decisão se esse rejeito vai ser reprocessado ou não. Se ele não for reprocessado, você coloca num tipo de depósito, onde você não possa recuperá-lo. Se você vai reprocessar, é um outro tipo de solução que você vai ter. O que acontece é que, mesmo os países que têm muito mais usinas que a gente, eles trabalham, em geral, com depósitos intermediários, entre aspas, intermediários porque estão em desenvolvimento novas tecnologias, inclusive com a possibilidade de novos reatores que utilizem o rejeito de forma muito mais eficiente e sem que o reprocessamento produza plutônio que é essencialmente material para bomba, por isso que o Brasil até hoje não fez a opção sobre o reprocessamento, porque não nos interessa entrar na área do plutônio.

Alexandre Mansur: Só um detalhe: qualquer indústria, quando calcula quanto custa seu kilowatt/hora, leva em conta o destino final de todos rejeitos dela.

Odair Dias Gonçalves: Nós também.

Alexandre Mansur: Como é que a indústria nuclear pode calcular isso, se não sabe nem qual é o destino final?

Odair Dias Gonçalves: Você pega como base o que é feito no exterior, pega como base o custo dos registros, você sabe o tipo de segurança que precisa, você sabe o tipo de tecnologia que você precisa, inclusive nós aprendemos muito com Goiânia, isso foi outra lição que a gente aprendeu.

Roberto Godoy: Como é que é um depósito definitivo?

Odair Dias Gonçalves: Um depósito definitivo, por exemplo, tem que ser num local que seja a prova de qualquer abalo sísmico. Ele tem que ter uma estrutura conveniente, se possível subterrânea, da maneira que você conte com alguma camada de granito, se for uma caverna melhor, e ele tem que ser feito, o combustível tem que ir dentro de vasos. A gente tem, inclusive, esse projeto já pronto, dentro de vasos. Esses vasos vão dentro de células, e essas células são como se fosse uma colméia que fica inclusive coberta cada vez que você vai enchendo uma série de células nesse sentido.

Roberto Godoy: E a previsão é que ele dure quanto tempo?

Odair Dias Gonçalves: Isso aí, no mundo inteiro... e a gente tem... O nosso projeto, por exemplo, a gente acredita que dure pelo menos trezentos anos. Nós vamos, nesses próximos cinco anos, construir uma célula-piloto, e essa célula vai nos permitir estudar, mas acreditamos que seja possível garantir até quinhentos anos.

Entrevistador: Onde vai ser?

Odair Dias Gonçalves: No sítio de Angra dos Reis. Vai ser um piloto, uma célula só para um projeto, para você poder estudar o comportamento. Isso não é um depósito definitivo, isso é um laboratório, em ultima instância.

Paulo Markun: Ulisses.

Ulisses Capozolli: Odair, do ponto de vista estrutural, nós temos condições, depois de identificado o aquecimento global de origem antrópica [provocado pela ação humana], nós temos condições, podemos nos dar ao luxo de abrir mão da energia nuclear? Quer dizer, essas questões todas, evidentemente que elas não são irrelevantes, de segurança, de preço, mas isso não impede, na verdade, não cairmos em detalhes, não discutirmos estruturalmente essa questão. Me parece que nós não temos muita alternativa. Eu gostaria muito de ouvir o seu comentário a esse respeito.

Odair Dias Gonçalves: Eu certamente acho que nós não temos alternativa. Em termos ambientais, não tem competição, porque se você pensar em termos de área ocupada, transporte, a capacidade do combustível... Um dos problemas da energia é o armazenamento. Se você pegar as duas fontes que são carros chefes dos ecologistas, que é a eólica [considerada pelos ambientalistas como a energia mais limpa do planeta, além de ser renovável, é produzida através da ação do vento nas hastes de moinhos de vento, inventados na Pérsia, no século V, e que foram originalmente utilizados para bombear água nas irrigações agrícolas], a célula fotoelétrica, a célula solar [também denominada diodo fotossensível é um dispositivo que, ao receber a irradiação de luz ou outra radiação eletromagnética, libera elétrons - partículas eletricamente carregadas], você tem um problema básico: como é que você acumula essas coisas? O único jeito de acumular essas coisas é depois de produzir energia, com baterias. É altamente poluente, ocupa um volume brutal. É impensável você fazer isso numa escala muito grande, apesar de que a gente deve continuar estudando, para fundamentar que não existe forma de energia... [sendo interrompido]

Ulisses Capozolli: ...Um pouquinho mais... Isso que o senhor está falando. A que se deve o fato de a gente não discutir essas questões mais tão intensamente como se discute os problemas ligados à energia nuclear, aos rejeitos, à segurança, por que é que essas questões não aparecem com a mesma freqüência?

Odair Dias Gonçalves: Ah, porque nós [da área nuclear] somos o patinho feio [riso]. Nós geramos Hiroshima e Nagasaki [cidades japonesas que sofreram o ataque nuclear em agosto de 1945, no final da Segunda Guerra Mundial, com um grande número de mortos e feridos]. A área nuclear gerou Hiroshima e Nagasaki. É um estigma...

[Falam simultaneamente]

[...]: Isso não é um patinho... É um patão! [Risos]

[...]: É um patão!

Odair Dias Gonçalves: É um estigma.

Marcelo Onaga: Que é um risco de um acidente, que pode ser minimizado, principalmente com fiscalização, que é a sua área. E aí eu pergunto, a gente aprendeu com Goiânia, mas eu leio aqui em 2002...

Odair Dias Gonçalves: Risco de acidente onde, [sobre o qual] você está falando?

Marcelo Ogana: Risco de acidente em qualquer coisa, a vida ... [sendo interrompido]

Odair Dias Gonçalves: [interrompendo] Só um detalhe, eu estava dizendo para você que risco é uma coisa que tem que se calcular. Como não aconteceu nenhum acidente até agora com rejeitos, se você for calcular o risco, o risco é zero.

Marcelo Ogana: Deixa eu dizer, eu acho que a gente teve sorte de não ter, porque eu leio aqui, em 2002, duas fontes de césio 137 foram roubadas da Companhia Siderúrgica de Tubarão, aqui do Espírito Santo. Por sorte elas foram achadas num terreno baldio pela fiscalização e não por um sujeito que estava passando, como aconteceu em Goiânia, ou seja, a fiscalização de algum lugar falhou, porque ela [a fonte de césio] foi roubada. A gente lê aqui também que numa fábrica de lingerie no Rio também foram encontradas cápsulas roubadas, quer dizer, a minha pergunta é, olhando o histórico recente dos órgãos de fiscalização do Brasil, desde a Anac, a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica], a ANP [Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis], o que a gente sempre vê é que sempre falta fiscalização, faltam fiscais, falta estrutura, falta verba. E uma coisa é você ter gasolina adulterada, outra coisa é você ter um problema nuclear. Como é que está estruturada a agência, ou o órgão fiscalizador para isso?

Odair Dias Gonçalves: Eu volto a dizer, eu volto a dizer. Primeiro você fez um monte de afirmações e a primeira coisa é a seguinte: só uma pequena correção, como eu digo é o que nós chamamos de radioativo porque não é nuclear, são fontes utilizadas de origem médica e industrial. Aquelas duas da empresa que pegou fogo lá no Rio, aquilo lá é uma fonte, as fontes se dividem em categorias, aquilo é categoria cinco. Categoria cinco em diversos países do mundo não é controlada. Não é controlada porque as areias de Guarapari [cidade praiana do Espírito Santo rica em areia monazítica considerada terapêutica por apresentar pequenas quantidades de tório e urânio em sua composição. As radiações causadas pela desintegração do rádio, tório e do actínio contidas na areia preta, atuam no local da dor, interferindo no metabolismo celular] têm mais atividades do que aquilo. Na sua casa, a nossa, o nosso cimento tem um monte de urânio e tório, tem um monte de urânio. Isso tudo é atividade e essas fontes de intensidade cinco ficam perto disso aqui. O problema é que a Comissão Nacional de Energia Nuclear, principalmente em função de Goiânia, tem que além de fazer tudo direitinho, nós temos que ser extremamente cuidadosos por uma questão de opinião pública e os nossos regulamentos são extremamente rígidos. Então essas fontes que você está falando, são fontes médicas e industriais, não são fontes de césio como aquela que aconteceu em Goiânia, que era uma fonte de césio.

Marcelo Ogana: Em 2002, está escrito aqui que essa Siderúrgica Tubarão foi césio 137.

Odair Dias Gonçalves: Sim, mas não é uma fonte de césio de radioterapia, o que aconteceu é que a atividade daquela fonte de césio era muito mais alta, uma fonte dessas industriais é muito menos e foram achadas, é verdade. O que acontece é que, primeiro que 2002 não era eu, então a comissão... Agora, eu volto a dizer, a responsabilidade primária é do operador. O que acontece é que se você for dono de um hospital e você jogar uma fonte no mato, a gente tem uma capacidade de resposta enorme, em qualquer lugar do Brasil, a gente está lá em 24 horas e curiosamente o Brasil desenvolveu uma capacidade para isso. Aconteceu em 2004, uma coisa semelhante, um operador de radioterapia, abandonou, botou um cadeado, saiu. No dia seguinte chamaram a gente, no dia seguinte a gente estava com a polícia federal lá na porta. É isso que a gente é capaz de fazer. A gente não é capaz de colocar um policial lá dentro, para cada operador, como nenhuma outra tecnologia é. Quando uma empresa derruba o petróleo, quando uma empresa joga chumbo, quando uma empresa joga material biológico no lixo, eu não posso colocar junto a cada operador um policial e essa não é responsabilidade nossa, é responsabilidade do operador. Agora, os cuidados que a gente tem são proporcionais aos danos que é possível causar com isso.

Paulo Markun: Doutor Odair, eu queria exibir a pergunta do professor José Goldemberg do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP que tem uma questão para o senhor, vamos lá.

Odair Dias Gonçalves: Foi meu professor.

[VT de José Goldemberg]: Odair, uma das justificativas que foi dada para concluir Angra3 é de que ela em operação emite muito pouco gás de efeito estufa, principalmente CO2 e, portanto, substituindo uma usina térmica, ela deixaria de emitir o carbono que seria emitido se essa térmica funcionasse com carvão ou gás. O que se sabe é que uma usina da potência de Angra3 emite cerca de dois milhões de toneladas de carbono por ano e Angra3 economizaria isso, entretanto o Brasil está emitindo todo o ano 200 milhões de toneladas de carbono com o desmatamento da Amazônia. De modo que, usar o argumento de que Angra3 ajuda resolver problemas de efeito estufa no Brasil é fazer pouco da inteligência dos brasileiros, você não acha?

Odair Dias Gonçalves: Acho que alguma parte eu não entendi, Angra não emite carbono.

Marcelo Ogana: Não, é que ela substitui uma [usina] a carvão ou a gás [que] emitiria aquele tanto que ele falou.

[Falam simultaneamente]

Odair Dias Gonçalves: O quanto você ganha dentro do mercado? O que acontece é que depois que a gente se decidiu, tem-se levantado muito questões pontuais, ou seja, as pessoas tentam reduzir a discussão sobre energia nuclear ou para um motivo ou para outro. Não é a questão do carbono que recomenda Angra3. Isso é uma vantagem a mais. A questão da poluição é uma vantagem, como assim também não foi o problema de licenciamento com as usinas hidrelétricas de maneira geral, que geraram a decisão de entrar com Angra3. Angra3 é um projeto em si, ele faz parte de um estudo dentro de uma proposta da matriz, então não se pode reduzir a uma coisa ou outra. Eu não acho que tenha sido a questão do carbono que tornou a energia nuclear uma grande opção. Ela influenciou, ela contribuiu, sem dúvida nenhuma ela contribuiu, mas sem dúvida nenhuma a economicidade do processo também leva em conta. Ninguém faz as coisas pensando apenas nessa maneira, todo mundo pensa em vantagem, todo país faz suas decisões estratégicas em cima de questões também econômicas, principalmente econômicas.

Paulo Markun: Antes de chamar o intervalo eu queria registrar que o senhor, de alguma maneira, respondeu a pergunta de André Luiz, da cidade da Lapa, no Paraná; Denílson Nunes, de Volta Redonda, no Rio de Janeiro; e Francisco Bigoti, de Jundiaí, São Paulo. Nós vamos fazer um rápido intervalo e voltamos num instante com o Roda Viva, que tem hoje na platéia Irene Guimarães, estudante de direito da PUC [Pontifícia Universidade Católica]; José Gláucio Garone, assessor da diretoria de projetos especiais do Ipen [Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares]. A gente volta daqui a instantes.

[intervalo]

Paulo Markun: O convidado desta noite do Roda Viva é o Odair Dias Gonçalves, presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear – a CNEN - que tem o monopólio da mineração de elementos radioativos, da produção de comércio de materiais nucleares, mas acumula a função de fiscalizar a atividade nuclear do país. Isso não é um contra senso, quer dizer, quem fabrica, fiscaliza?

Odair Dias Gonçalves: Primeiro, essa questão é uma questão bastante complexa. Historicamente no mundo inteiro a área nuclear começa juntando todas as funções. Depois surge a Agência Internacional de Energia Atômica e aí começa a ficar mais claro na história nuclear o papel da inspeção e da fiscalização. A agência, por exemplo, ela surge num momento histórico da Guerra Fria e era muito importante naquela época você conter a evolução e que outros países tivessem acesso [à tecnologia nuclear].

Paulo Markun: Diríamos que hoje em dia continua sendo importante, se a gente olhar o Irã, acho que é importante.

Odair Dias Gonçalves: Mas foi quando apareceu, foi naquela época, continua sendo extremamente importante, você tem toda razão.

Paulo Markun: Espera, só deixa ele terminar, acho que não ficou claro.

Odair Dias Gonçalves: Isso começou dessa maneira, e o que acontece é que a seqüência, inclusive de controle internacional, sugeriu uma série de regras e aí a agência começa a publicar as orientações dela. Essas orientações são recomendações, não tem força de lei, eu já vi escrito em diversos lugares que os acordos internacionais obrigam. Os acordos internacionais não obrigam, o que existe são protocolos onde são recomendadas algumas coisas. O principal, a principal contraposição seria operar a parte de energia elétrica e ao mesmo tempo ser o órgão regulatório que no Brasil isso não acontece. Nós somos completamente separados. À parte de mineração a CNEN entregou para a NB [Solutions Ltda.]. Nós somos os maiores acionista da NB, foi uma maneira de resolver isso no monopólio, mas até, certamente dentro dos próximos tempos, nós temos um projeto pronto de separação da NB e da Nuclep [Nuclebrás Equipamentos Pesados S/A] que são duas empresas, assim como a separação da produção de radiofármacos - a CNEN é a grande produtora de radiofármacos - e também a questão da operação dos rejeitos que também temos um projeto para constituição de uma empresa, que é a Empresa Brasileira de Rejeitos que vai ser encarregada, inclusive, da formulação e da construção e operação dos depósitos, ou seja, nos próximos dois anos vocês podem me cobrar que isso já deve estar estruturalmente fora da CNEN. Resta ainda uma questão que constantemente somos questionados que é de mantermos o Instituto de Pesquisa e Órgãos Regulatórios. Essa separação, essa separação acontece, não é problema para a gente e não faz parte das recomendações, tanto que recentemente eu voltei de um encontro onde se estabelecia internacionalmente os termos, os instrumentos legais para que se possa contar com a cooperação dos institutos de uma maneira clara e transparente sem que isso signifique qualquer problema. Na Comissão Nacional de Energia Nuclear a parte de fiscalização é uma diretoria completamente separada da diretoria que faz produção, e mesmo da que faz pesquisa.

Luís Nassif: A história da indústria nuclear envolve questão de segurança mundial, envolve uma área econômica muito forte, talvez 100 bilhões de dólares e tudo, e nós temos uma história, até conversamos um pouco no intervalo, do almirante Álvaro Alberto, Almirante Oto, em que para conseguir enriquecer urânio foi necessário todo tipo de superação de obstáculos. O que é que tem de real nessa história, o que tem de conspiratório? O conspiratório é real?

Odair Dias Gonçalves: Depende da história que você saiba. Eu não sei qual é a história que você conhece, mas certamente tem muito de conspiração nisso. É um poder muito grande, inclusive econômico.

Luís Nassif: Quem controla mundialmente? São empresas e governos que atuam?

Odair Dias Gonçalves: Empresas e governos atuando em conjunto, sem dúvida nenhuma.

Roberto Godoy: Agora, o senhor não acha, por exemplo, já que estamos nessa área, a Agência Internacional de Energia Atômica, tão logo circulou no Brasil a informação de que estava sendo preparado, estava sendo preparado o lançamento, o advento, a incorporação de duas gerações novas de ultracentrífugas, imediatamente, o site circulou num fim de semana e imediatamente a agência reagiu e comentou, exigindo: "não a gente quer saber mais" e essa coisa toda, na mesma semana saiu a informação da retomada de Angra, poucos dias de diferença e a agência entrou em paroxismo. Por que ela reage assim, ela representa interesses, ou isso faz parte das regras com que ela trabalha? Por que é que ela está tão de olho no Brasil?

Odair Dias Gonçalves: A Agência é um condomínio e, como qualquer condomínio, tem pessoas que tem o apartamento maior e outras o apartamento menor e tem um esquema de decisão que faz parte disso. O Brasil, na Agência, é extremamente respeitado. E a Agência sem dúvida nenhuma é uma organização extremamente idônea, não coloca problemas. Agora, é uma agência, ela é composta de pessoas. As pessoas trabalham, existe uma multidão de opiniões, existe um setor que é um setor que acompanha no mundo inteiro as notícias e que quando acha por bem pedir informações, ele pede. Por curiosidade, esse setor foi dirigido inclusive por um brasileiro durante algum tempo, um colega nosso que foi formado na CNEN. Nós temos mais de 20 pessoas da CNEN trabalhando na Agência Internacional. O que aconteceu foi um pedido formal de esclarecimento para saber a questão das gerações, mas isso é um segredo, faz parte de um segredo industrial e que é respeitado.

Luís Nassif: Mas Odair, se for pegar uma reavaliação da história da indústria nuclear brasileira, qual a reavaliação sobre aquele capítulo da venda de tório para o Iraque nos anos 80? 82?

Roberto Godoy: Comentário: no dia do ataque estava lá o nosso Rex Nazaré [renomado cientista brasileiro, um dos maiores especialistas em energia nuclear e membro da Agência Internacional de Energia Nuclear] com um bando de técnicos e foi avisado: "puxa o carro" [gíria usada quando se quer dizer que se deve ir embora o mais rápido possível] que o "couro vai comer "[gíria usada quando se quer dizer que vai haver pancadaria] e ele saiu rapidinho de lá.

Odair Dias Gonçalves: São episódios isolados, são episódios isolados que aconteceram. É difícil responder porque não existe uma documentação detalhada sobre essas coisas. Aconteceram coisas que fazem parte da história, estão registradas, mas é difícil você entrar em detalhes. No Iraque, até o momento, não havia nenhuma coisa, não estava sob suspeita, ele entrou sob suspeita depois.

Roberto Godoy: Digamos que estava, só que todo mundo gostava dele.

Odair Dias Gonçalves: Aí já entra numa área que é mais difícil.

Marta Salomon: O senhor acompanhou melhor uma história mais recente, há alguns anos o debate da reformulação do programa nuclear. Eu queria entender qual é hoje o formato que o senhor defende, porque tem o formato mais conservador, o de Angra, a retomada de Angra mais quatro usinas, um cenário menos conservador, qual é o modelo que o senhor defende e por quê?

Odair Dias Gonçalves: Veja bem, esse cenário, como eu disse, nós fizemos uma primeira proposta. Esta primeira proposta contemplava inclusive alguns reatores pequenos que era o desenvolvimento do reator da marinha que está quase pronto. Então, como eu havia dito, a nossa perspectiva naquela época era muito mais uma perspectiva estratégica. Esta perspectiva estratégica continua existindo, mas hoje ela foi ultrapassada por uma perspectiva econômica e de política energética que é muito mais abrangente do que uma política nuclear. O que você está me perguntando é a perspectiva de Angra3 mais quatro ou Angra3 mais oito. O que acontece é que a EPE que é a empresa do Ministério de Minas e Energia encarregada de fazer os estudos, que vão ser apreciados pelo ministério e eventualmente adotados como uma política, ela fez três cenários de crescimento diferentes. Estes três cenários de crescimento diferentes abordam desde o menor crescimento onde serão necessárias as quatro, para completar a nossa matriz energética, até oito, e isso ainda com pontos que ainda estão em discussão. Inclusive eles colocam uma boa quantidade de energia eólica nessa matriz, isso aí vai estar disponível para discussão pública dentro de algumas semanas.

Luís Nassif: Odair, só para entender um pouquinho. Aqui foi dado o exemplo da Alemanha que está saindo da energia nuclear e da França que está aumentando a participação na energia nuclear. Não há uma disponibilidade hídrica similar à brasileira, nem em uma, nem em outra. Qual que é o modelo? E por que é que a Alemanha sai do nuclear e vai para onde? E por que a França aumenta a participação na nuclear?

Odair Dias Gonçalves: Nassif, eu vou te responder, mas eu não gosto muito de entrar em áreas que não são da minha especialidade, mas eu vou te responder. Acontece o seguinte: a Alemanha, eu conheço razoavelmente bem porque eu morei lá, eu trabalhei lá e morei lá durante algum tempo. A Alemanha num certo momento ela tomou a decisão de abandonar a perspectiva nuclear. Eu já conversei com muita gente na Agência Internacional que é da Alemanha e que diz que foi uma péssima idéia. Uma péssima idéia porque eles não têm ainda como repor aquilo. Eles acreditavam que eles poderiam repor de outra maneira e não podem. Eles importam energia da França e com reatores que estão na fronteira. Qualquer coisa que aconteça vai acontecer na Alemanha também porque os reatores estão ali. A França exporta uma boa quantidade de energia. Essa opção da Alemanha está custando muito caro, tanto que hoje a discussão é muito mais acirrada. E aí alguém vai perguntar sobre o acordo Brasil x Alemanha e eu estarei à disposição para responder.

Ulisses Capozolli: No momento que se decide pela...

Odair Dias Gonçalves: Deixa eu só complementar. Outros países estão revendo completamente essa posição. Os Estados Unidos entrou, a coisa de um mês, menos de um mês atrás, entrou com um pedido de 29 novas usinas para licenciamento, são 29 nos Estados Unidos. Inglaterra entrou com novo pedido, eu ouvi pessoalmente num congresso, representantes da área de energia da Itália falando em rever a posição deles, porque não houve solução. Quando se tomou as decisões de abandono, tinha-se uma perspectiva, achava-se que a energia eólica ia ser a solução de tudo, mas não é possível, não tem.

Luís Nassif: Agora o senhor falou em revisão do acordo e falou no primeiro bloco em revisão de contratos? Tem contratos em vigor?

Odair Dias Gonçalves: São duas coisas diferentes.

Luís Nassif: Mas essa revisão de contratos, esses contratos estão em vigor?

Paulo Markun: Tem contrato com a França, não tem? Ainda tem contrato com a França em vigor?

Odair Dias Gonçalves: São coisas diferentes, o que acontece é que em relação à Angra3, existe uma interpretação jurídica que os contratos ainda são válidos, já existem outras empresas entrando com recurso contra isso. Na questão do acordo com a Alemanha, o que houve foi um pedido da Alemanha, ainda antes da Angela Merkel [chanceler eleita em 2005], ser eleita, um pedido da Alemanha de cancelamento, só que existe uma cláusula nesse acordo que, se cancelar unilateralmente, eles tem que pagar tudo que foi gasto até agora, que não é muito vantagem, cá entre nós. Então, o que o Brasil está propondo é uma revisão do contrato é a formulação de um acordo que seja muito mais abrangente, porque a nossa preocupação agora é só questão de peças de reposição que são produzidas por empresas alemãs e nós não gostaríamos que houvesse qualquer embargo desse tipo. Tecnologia nós temos.

Ulisses Capozolli: Quando se decide por uma perspectiva estratégica, a retomada de Angra3, não seria estrategicamente importante a gente considerar a necessidade de um programa de sensibilização da sociedade brasileira para que ela entenda essa perspectiva, para que as pessoas tenham uma compreensão mais clara, para que ou se diminua, por exemplo, uma certa taxa de angústia e se desfaça essa imagem negativa da energia nuclear? Não é importante que as pessoas saibam que esse material radioativo tem utilização na medicina e tudo mais? Por que vocês não deflagraram, até agora, um projeto nesse sentido, uma ação nesse sentido, de sensibilização da sociedade?

Odair Dias Gonçalves: Nós temos um projeto. Nós temos um projeto e deixa eu te dizer que dentro de qualquer ...

Ulisses Capozolli: Desculpe eu te interromper, ele não é muito acanhado, assim, eu não conheço, eu digo numa perspectiva mesmo de sensibilização maior, para compreensão?

Odair Dias Gonçalves: Você tem toda razão, tem toda razão, nós temos um projeto, o que nós temos feito é uma discussão absolutamente transparente, nós não nos recusamos a qualquer coisa de discussão. A estrutura passada complicava um pouco e introduzia novas variáveis. Hoje, no Ministério de Ciências e Tecnologia já consta claramente, dentro dos nossos projetos estratégicos, a questão de campanha pública e isso ...

Alexandre Mansur: Não é papel do governo fazer uma campanha a favor de uma indústria?

Odair Dias Gonçalves: De uma?

Alexandre Mansur: Indústria?

Odair Dias Gonçalves: Não, isso é uma campanha de esclarecimento. É uma campanha de educação. Não simplesmente dos prós e contras da fase nuclear. O que acontece é que você está instalando coisas que são complicadas, que são polêmicas. É importante você esclarecer a população, dar a ela os argumentos contra e a favor, para que ela possa optar. Isso aqui é uma campanha de esclarecimento, isso faz parte do papel do governo. Isso inclusive faz parte dos princípios básicos e dos pilares básicos do Ministério de Ciência e Tecnologia. O ministro Sérgio Rezende sempre tem dito que um dos pontos fundamentais é a Secretaria de Inclusão Social e Divulgação da Ciência, e não só em relação à [questão] nuclear, em relação à toda tecnologia. A questão da informação é básica hoje para exercer a cidadania.

Alexandre Mansur: É que talvez haja uma confusão entre... quem promove a campanha seja o promotor da tecnologia.

Odair Dias Gonçalves: Mas não sou eu que vou promover a campanha. Nem é nosso negócio, nem nós temos tecnologia para tanto.

Paulo Markun: Bom, muito bem, nós vamos fazer mais um rápido intervalo e voltamos daqui instantes com o Roda Viva, acompanhado esta noite na platéia por Leonan Guimarães, assessor da presidência da Eletronuclear; Carmen Weingrill editora da revista Scientific American no Brasil e Tamara Soares, física e mestranda em energia nuclear.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva esta noite entrevistando o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, Odair Dias Gonçalves. Doutor Odair a TVE do Rio de Janeiro ouviu o presidente da Associação de Profissionais e Instituições do Setor Nuclear [representados pela Aben - Associação Brasileira de Energia Nuclear], Francisco Rondinelli, ele fez uma pergunta para o senhor sobre os trabalhadores do setor, vamos ver.

[VT de Francisco Rondinelli]: Odair, com a construção de Angra3 e a previsão de implantação de outras usinas nucleares no país, fica evidenciada a necessidade de um novo programa nuclear brasileiro e que nós sabemos que está sendo discutido no âmbito de governo federal. O que a Aben gostaria de saber, como é que está sendo tratada a questão da reposição de recurso humano para o setor e aí incluindo a formação, o treinamento especializado e depois a absorção desses profissionais dentro do setor nuclear?

Odair Dias Gonçalves: Obviamente isso está previsto no programa. Angra3 em si, não é um grande problema na questão de reposição porque dos nove mil empregos gerados, cerca de trezentos mais ou menos, até menos, vão ser de engenheiros nucleares, ou seja, pessoas que são mais complicadas de formar. A área nuclear tem um outro problema, a nossa idade média é 54 anos, ou seja, é bastante experiente. Em cerca de dez anos nós estaríamos perdendo 70% da nossa capacidade, mas existe toda uma planificação, começando com incentivos às universidades para entrar na área. O bom da história, a boa notícia é que toda a capacidade ainda está ativa. Nós temos essa capacitação e essa capacitação pode ser usada na formação de um novo contingente. Um dos motivos que a gente tinha, que a gente chamava de estratégico para fazer a primeira proposta, que não era com base puramente econômica, era que nós estávamos em vias de perder a nossa capacitação. Uma capacitação que custou muito caro e que nos coloca hoje entre os três únicos países no mundo que tem urânio e tem a tecnologia completa do ciclo. São só Estados Unidos, Rússia e Brasil. Nenhum outro país tem o ciclo.

Luís Nassif: Como é o ciclo tecnológico do urânio? É uma tecnologia que já está estabilizada ou continua avançando, em evolução? E como que entra a pesquisa brasileira nessa área? É só assimilação do conhecimento já instalado ou tem coisas para se aprimorar?

Odair Dias Gonçalves: Não, tem um aprimoramento constante. Para você ter uma idéia, as centrífugas, nós já estamos com a quarta geração entrando em produção, as que estão lá em Angra são de duas gerações passadas. Então, isso é um aprimoramento constante e o Brasil está em primeira linha nessa parte de pesquisa desenvolvidas.

Luís Nassif: Este aprimoramento é mais nessa parte de construção de reatores, ou estão sendo investigadas aí novas tecnologias?

Odair Dias Gonçalves: Estão sendo investigados novos reatores, novas tecnologias, novos tratamentos de rejeito, inclusive com a possibilidade de transmutação que faria com que o rejeito perderia completamente a radioatividade. O investimento é brutal, quem é físico sabe que Science é uma das principais revistas da área. No ano passado a Sciencepublicou, em matéria de capa, as tecnologias futuras de tratamento de rejeitos, ou seja, o investimento é muito grande. Fora isso tem uma outra área nuclear que não é a fissão, que é a fusão, que é uma perspectiva segura para cinqüenta ou sessenta anos, vai ocorrer... O Ministério de Ciências e Tecnologia... [sendo interrompido]

Paulo Markun: [interrompendo] Quer dizer, pequenas bombas atômicas controladas, para usar um...

Odair Dias Gonçalves: Não a fusão, a fusão não tem esse problema.

Paulo Markun: Põe a fusão a frio? [riso]

Odair Gonçalves Dias: Não, não é frio. [Riso] Fusão a fria, foi uma fria.

[Risos]

Paulo Markun: Espera um pouquinho vamos esclarecer porque senão... O que distingue uma coisa da outra?

Odair Dias Gonçalves: O que acontece é que na fissão você tem átomos, núcleos muito pesados que são de urânio, são núcleos...

Paulo Markun: Que geram energia ao serem divididos.

Odair Dias Gonçalves: Ao serem divididos ficam radioativos.

Paulo Markun: Sim.

Odair Dias Gonçalves: Na questão da fusão você tem átomos de hidrogênio que se fundem, então você não tem átomos pesados, você não tem praticamente rejeitos.

Paulo Markun: Então não são nucleares?

Odair Dias Gonçalves: Você tem rejeitos gerados principalmente nas paredes. Não, são nucleares porque é do núcleo, mas não é da fissão.

Paulo Markun: Mas não são radioativos, como diria, atômicos?

Odair Dias Gonçalves: Exatamente, não são radioativos.

Paulo Markun: Eu queria só lhe perguntar o seguinte, nós recebemos aqui centenas de perguntas, mas até agora nenhuma sobre outros empregos da tecnologia nuclear.

Roberto Godoy: É sobre isso que eu quero fazer uma pergunta.

Paulo Markun: Então, por favor.

Roberto Godoy: Dá licença. Eu queria só fazer um exercício, uma hipótese. No Brasil a Constituição proíbe a utilização do conhecimento para produção de armas, o Brasil assina todos os... mas, eu vou recorrer a uma citação do Robert McNamara [foi secretário de Defesa dos governos dos presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson. Comandou, na década de 1960, a mais poderosa força bélica do mundo, exercendo sua influência na Guerra do Vietnã, na Guerra Fria, na crise cubana de mísseis e em outros conflitos armados do século XX] que diz que em defesa do Estado a gente tem fazer o que é preciso ser feito. Na suposição de que haja uma pressão, estratégica insuportável, em quanto tempo o Brasil poderia desenvolver um artefato nuclear militar?

Odair Dias Gonçalves: É difícil calcular, não é simples não. O fato de você possuir...

Roberto Godoy: Mas poderia?

Odair Dias Gonçalves: Poderia, poderia, quem tem a tecnologia. Da mesma maneira quem constrói engenharia genética pode construir um... [sendo interrompido]

Roberto Godoy: Sim, mas nós não temos, nós não temos gap no conhecimento para fazer isso?

Odair Dias Gonçalves: Temos tecnológico. O que acontece é que não é linear, não basta você ficar somando centrífugas ou pegar e realimentar a centrífuga, não é tão simples. Quando você aquece acima de determinado grau, o processo de extração tem que ser diferente, você tem a eficiência tão baixa que você tem que extrair não o enriquecido, você tem que deixar o enriquecido e extrair o empobrecido, então tem algumas diferenças na coisa. O princípio físico o mundo inteiro tem, está nos livros.

Paulo Markun: Até na internet?

Odair Dias Gonçalves: Até na internet, a questão é tecnológica e tem alguns "pulos de gato"!

Roberto Godoy: A Agência Internacional diz isso, que a preocupação dela, hoje, é muito maior com a proliferação da tecnologia de enriquecimento do que com a construção.

Odair Dias Gonçalves: Para isso ela tem os princípios dela, para isso ela tem o TNP [Tratado de Não-Proliferação Nuclear, acordo internacional firmado em 1968 que estabelece a competência dos países para desenvolver armas nucleares, permitindo que os demais desenvolvam a tecnologia nuclear apenas para a geração de energia e para fins pacíficos. A fiscalização é exercida pela Agência Internacional de Energia Atômica], para isso ela tem os instrumentos. O Brasil é o único país do mundo que tem instalações militares sob salva-guardas. Salva-guardas é um controle de cada grama de urânio enriquecido produzido no país. Nós temos o controle de cada grama, é contabilizado com livros, com câmeras, com um monte de maneiras para garantir que não haja diversificação do material para qualquer outro fim que não sejam aqueles declarados.

Paulo Markun: Em que momento o senhor acha que o Brasil enterrou definitivamente essa idéia de que, de algum jeito, era necessário controlar a tecnologia nuclear por razões militares? Se é que ele enterrou definitivamente?

Odair Dias Gonçalves: [Riso] Eu diria que enterrou, eu diria que enterrou porque hoje a capacidade, se é que ela existiu algum dia, se é que ela existiu algum dia...

Marta Salomon: A Serra do Cachimbo [localizada no sul do Pará, limite com Mato Grosso onde foram construídas instalações subterrâneas - covas e cisternas - para fins militares. Pelas características acredita-se que são destinadas a testes nucleares e ao armazenamento de lixo atômico de usinas] está ai, para mostrar quem é.

Odair Dias Gonçalves: Oi?

Marta Salomon: A Serra do Cachimbo, quer dizer até taparem o buraco, estava lá não é?

Odair Dias Gonçalves: O fato de você ter um buraco não significa que você tem uma bomba. Tem um monte de gente que coloca aquele aviso do cachorro: "cuidado cachorro bravo", e nunca comprou cachorro na vida, então...

Roberto Godoy: Mas essa é uma placa de um milhão de dólares, bem cara.

[Risos]

Odair Dias Gonçalves: Mas podia ser a placa do cachorro...

Paulo Markun: Mas em que momento o senhor acha que foi isso? Tem a ver com a retomada democrática? Tem a ver?

Odair Dias Gonçalves: Certamente isso tem a ver com a retomada democrática. Eu, uma das razões talvez de eu estar hoje na Comissão Nacional de Energia Nuclear, eu junto com o Pinguelli [Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás na gestão de Luís Inácio Lula da Silva] e com o Fernando Souza Barros [físico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro], nós fazíamos parte de um grupo que era de acompanhamento da questão nuclear. Nós tínhamos uma crítica muito grande, que era a falta de transparência. A nossa questão foi sempre a transparência. Sobre a questão militar, eu inclusive cheguei a procurar nos arquivos qualquer coisa. Não existe nada nos arquivos, se houve isso algum dia foi muito bem trabalhado depois, o fato é que não existe no arquivo nada que contemple isso. Nunca no Brasil, nós tivemos sinal de urânio, a não ser para os reatores de pesquisas, enriquecidos a mais de 20%. Então, não existe e você precisa de pelo menos 20 quilos, enriquecido 99%, isso não tem, nunca teve. Então, se existia, provavelmente era um projeto a nível teórico. Pelo menos é o que eu posso dizer para vocês, claramente.

Ulisses Capozolli: O senhor falou agora há pouco de fusão nuclear, uma pequena estrela, não? Se se construiu uma pequena estrela, qual é o horizonte?

Odair Dias Gonçalves: [Riso] É complicado.

Ulisses Capozolli: Qual é o horizonte de eventos para a fusão nuclear? É uma questão, digamos, para o final deste século, para a segunda metade deste século, a gente pode visualizar alguma coisa nessa direção?

Odair Dias Gonçalves: Pode, pode. A perspectiva... existe um projeto internacional para construção de um reator a fusão, este projeto chama-se Iter [na sigla em inglês: International Thermonuclear Experimental Reactor, é um programa internacional que reúne seis países (China, Coréia do Sul, Estados Unidos, Índia, Japão e Rússia) e a União Européia, que prevê a construção de um multibilionário reator experimental de fusão] dependendo como você quiser. Ele é um projeto do qual o Brasil não faz parte, porque ele tem cotas, ele é um projeto empresarial, e essas cotas custam milhões de dólares, é fora do nosso horizonte [sendo interrompido]

[...]: Mas é uma mina de ouro, literalmente.

Odair Dias Gonçalves: [continuando] Mas o Brasil tem uns cientistas muito capazes nessa área, inclusive muito respeitados, a ponto de que a União Européia nos convidou para participar, nós estamos fazendo um acordo de participação, em que a gente participe como observador. O ministro Sérgio Rezende [da Ciência e Tecnologia] tomou pessoalmente a iniciativa de fazer, constituir uma rede nacional de fusão, com os pesquisadores da área. Essa rede está sob coordenação da Comissão Nacional de Energia Nuclear e o objetivo é dentro, ainda desse período de três anos e meio que nós temos, constituir um laboratório nacional de fusão. Aí a gente poderia, inclusive, vir a fazer parte do Iter.

Marcelo Onaga: Essa Angra3 está prevista para 2013, as outras tecnologias, meio do século, fim do século e se fala muito em apagão elétrico, um apagão de verdade, 2010, 2012. A energia nuclear não vai ajudar, então, a gente a fugir de um apagão que está batendo na porta?

Odair Dias Gonçalves: O Ministério de Minas e Energia tem uma clareza muito grande que isso não é totalmente verdade. Eles garantem que não tem apagão dentro dessa perspectiva.

Marcelo Onaga: Garantiram também em 97, não é doutor? Disseram que não...

Odair Dias Gonçalves: Eram outras pessoas, não eram as mesmas pessoas.

Marcelo Onaga: Pois é, o país era o mesmo, a base era a mesma, e a gente teve apagão.

Odair Dias Gonçalves: O país era o mesmo, mas a coordenação era diferente, era outra coordenação.

Luís Nassif: Agora, uma questão, eu quando fui...

Odair Dias Gonçalves: Deixa eu só completar, a fusão seria, o horizonte da fusão é entre trinta e quarenta anos.

Marta Salomon: O horizonte de o Brasil completar em escala industrial o enriquecimento do urânio para abastecer as usinas, quando é que o senhor calcula que isso vai acontecer?

Odair Dias Gonçalves: Isso eu posso dizer claramente para você. A perspectiva, o planejamento que existia, não me pergunte por que, é um planejamento anterior, era de quatro módulos e a gente chegaria ao final desses módulos, numa primeira etapa, a gente chegaria ao final desses módulos por volta de 2012, com 60% de Angra1 e 2. O que acontece é que isso é só construir, é só uma questão de capital, porque nós temos a tecnologia, sabemos construir e a empresa brasileira pode ser convocada e serem feitos contatos para terceirizar partes dessas centrífugas, então hoje o plano já é completar esse 60% até 2010 e completar até 100% de Angra até 2013, antes da complementação, ou seja, provavelmente em 2013.

Paulo Markun: Eu só, eu creio que o senhor não respondeu a pergunta que eu havia formulado que é a seguinte: quando eu falei de outros empregos da energia, da tecnologia nuclear, não era emprego militar, mais sim as questões na área de medicina, [risos] - ele aproveitou-se da questão para perguntar um ponto realmente importante - mas em termos de medicina, agricultura, etc, que também é parte da atribuição da Comissão Nacional de Energia Nuclear, eu queria saber o seguinte: em que pé que nós estamos aqui no Brasil?

Odair Dias Gonçalves: O pé em que nós estamos é o seguinte: realmente como eu disse, grande parte do conhecimento, do arcabouço de conhecimento, da capacitação na área de pesquisa e desenvolvimento nuclear está dentro da Comissão Nacional de Energia Nuclear, nossos institutos, nós temos o Ipen [Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares]; tem o CDTN [Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear] em Minas Gerias; Ipen aqui em São Paulo; o IEN [Instituto de Engenharia Nuclear] no Rio de Janeiro; IRD [Instituto de Radioproteção e Dosimetria] no Rio de Janeiro, e agora CRCN [Centro Regional de Ciências Nucleares do Nordeste] em Recife. Nós estamos muito avançados, nós somos capazes, hoje, em termos da tecnologia, praticamente produzir qualquer radiofármaco [usado no tratamento por radioimunoterapia em pacientes acometidos, em geral, por câncer] que você possa pensar. Nós temos radiofármacos praticamente para todos tipos de exame que nós precisamos. A gente não tem, a maior parte usada é tecnécio [metal de transição, radioativo, cinza prateado que se oxida lentamente em presença da umidade do ar], isso a gente ainda não produz no Brasil, porque precisa de um reator, tecnécio, só que você precisa de um reator específico que produza nêutrons e precisa de urânio enriquecido para produzir o tecnécio que nós não temos, mas a tecnologia nós temos, nós estamos hoje na primeira linha, nós estamos produzindo inclusive flúor que são radiofármacos que tem a vida muito curta.

Luís Nassif: Pois é, é sobre isso que eu queria conversar. O Ipen, ele produz isso, tem que ter uma distribuição muito rápida, agora aparentemente áreas que poderiam se beneficiar disso, como a saúde pública, o Ministério da Saúde não tem uma estrutura nacional capaz de aproveitar esse material produzido. Há alguma, não tinha até algum tempo atrás, a não ser que ele tenha conseguido nesses dois anos.

Odair Dias Gonçalves: Eu não entendi Luís, porque a gente entrega muito.

Luís Nassif: São produtos de vida muito rápida

Odair Dias Gonçalves: Ah, você está falando no radiofármaco de vida curta, especificamente.

Luís Nassif: Isso, isso.

Odair Dias Gonçalves: Porque esse radiofármaco que tem a vida curta é a ultima palavra em tecnologia, ele é utilizado numa tomografia chamada tomografia de emissão de pósitrons que é [chamada de] PET [produz imagens do organismo pela detecção da radiação emitida por substâncias radioativas. Essas substâncias são injetadas no corpo, sendo normalmente marcadas com um átomo radioativo, como carbono-11, flúor-18, oxigênio-15, ou nitrogênio-13, que têm um tempo de decaimento curto]. Esse PET ele começou a entrar no Brasil há coisa de cinco ou seis anos e a gente começou...

Paulo Markun: Tem um ou dois equipamentos só, funcionando?

Odair Dias Gonçalves: Não, tem diversos já. Hoje já tem mais de sete e hoje a gente já flexibilizou um monopólio e isso já está sendo possível de ser produzido por qualquer particular que se submeta às nossas regras e, por concessão, a gente autoriza a participação. O que nós temos feito são duas políticas diferentes. Então, em estados muito desenvolvidos onde a medicina é muito forte, a gente incentiva que os próprios hospitais se cotizem e comprem o ciclo e também passem a produzir. A gente dá toda aq assessoria possível. Em algum outro estado que precisa de incentivo, a gente assumiu o papel que a gente vai incentivar, é o caso, por exemplo, de Recife e Belo Horizonte onde a gente está instalando dois novos síncrotrons para produção de radiofármacos de meia vida especificamente curtas. Curtas significam aí questão de...

Luís Nassif: Doze horas?

Odair Dias Gonçalves: Não, menos até, doze horas é para entrega, que você produz lá em cima, mas a meia vida é até menos que isso, tem alguns que são duas, três horas, e o que acontece é que para isso não tem rejeito, isso aí acaba rapidamente, deixa de ser rejeito como uma boa parte dos rejeitos de baixa e média atividade.

Paulo Markun: Bem, nós vamos fazer mais um rápido intervalo e voltamos em instantes com a entrevista de hoje que é acompanhada em nossa platéia por Benê Alves estudante de jornalismo da Uninove [Universidade Nove de Julho] e Marcos Eduardo de Oliveira, economista e professor universitário, a gente volta já, já.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o último bloco do Roda Viva desta noite, entrevistando Odair Dias Gonçalves, presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear. O senhor falou no bloco anterior que a idade média dos, do povo da...

Odair Dias Gonçalves: Nosso pessoal?

Paulo Markun: Do pessoal é de 54 anos, eu como tenho 55 me considero nessa média do que o senhor classificou de experientes.

Odair Dias Gonçalves: Sem dúvida.

Paulo Markun: E eu queria, eu acho uma boa maneira de classificar, eu queria só mencionar o seguinte, quando eu era garoto, a energia nuclear era o top, era a onda! Eu cheguei a pensar em ser ser físico nuclear. Isso acho que toda essa geração, o Nassif aqui está concordando, os cabelos brancos atestam, e de lá para cá houve muitas mudanças, isso tinha sido já depois da Segunda Guerra Mundial, é bom que se diga para os mais jovens, mas de lá para cá houve, digamos, um desprestígio, uma crítica muito dura a essa alternativa. Hoje parece que a coisa não é bem assim, quer dizer, já há inclusive alguns ambientalistas que, dizem alguns que até por interesse, defendem a volta da energia nuclear, a retomada das usinas, toda essa discussão do aquecimento global, enfim, e o esgotamento das fontes de petróleo e outras apontam nessa direção. O senhor imagina que ainda vai haver uma retomada daquele entusiasmo de quando a gente era garoto?

Odair Dias Gonçalves: Não. Eu acredito que aquele entusiasmo propriamente dito não. Aquilo foi uma época que aconteceu, inclusive se você pensar em termos de educação ele surgiu junto também com a era espacial. Então havia, houve um livro, um livro americano, surgiu no ensino de física que gerou um grande mito, inclusive a respeito da ciência propriamente dita. Hoje, a gente vive uma época um pouco diferente, a área nuclear em particular, a ciência está, se você pensar, em ciência física nuclear, hoje já não é tão... ela cuida mais de detalhes, ela não cuida mais dessa coisa geral de produção de energia ou de grande salvação do mundo. Hoje se pensa na fronteira da pesquisa, principalmente na área de fusão. Pesquisa em física. Agora na área de desenvolvimento de engenharia, essa área que hoje a nuclear está trabalhando muito fortemente, então é uma diferença entre ciência, produzir ciência e ciência básica ou produzir desenvolvimento e ciência aplicada. Na área nuclear hoje nós estamos trabalhando no desenvolvimento e na ciência aplicada principalmente, são novos processos, novos reatores, reatores rápidos, você tem a área de hidrogênio para produção de energia, quando você fala em célula de hidrogênio inevitavelmente você tem que falar em como produzir este hidrogênio. A melhor maneira que se tem até hoje para produzir, são com reatores de altas temperaturas, são reatores ainda de quinta, de quarta geração que estão em desenvolvimento, então essa é uma outra área que você tem aí nessa parte. Eu não acredito mais naquele sonho que a gente tinha, de fantasia, de achar uma fonte de energia que seria tão barata que uma lâmpada custaria mais caro do que a energia, era isso que se esperava com a energia nuclear.

Paulo Markun: Ou que tivessem a capacidade de mandar o foguete para o outro lado do universo.

Odair Dias Gonçalves: Claro. Hoje estão muito mais claros os limites da ciência e de todas as áreas, num plano que a gente vive hoje, um cenário completamente diferente. Na questão dos ambientalistas, só para frisar, nós temos dois importantes, temos o [James] A Vingança de Gaia adverte sobre os perigos que ameaçam o clima no planeta e afirma que as usinas nucleares representam riscos menores se comparados aos estragos causados pela queima de combustíveis fósseis.', ABOVE, RIGHT, WIDTH, '280');" onmouseout="return nd();" style="text-decoration: none; cursor: default; color: rgb(255, 0, 0); z-index: 2; text-align: left; ">Lovelock que foi um dos pais da teoria de Gaia, uma pessoa importantíssima e você tem o [Patrik] Moore, que é outro grande nome. Bom isso a gente fica... [sendo interrompido]

Luís Nassif: [Interrompendo] Só uma perguntinha aqui em relação, um tema que recorrentemente volta para a mídia que é a questão da segurança geológica de Angra.

Odair Dias Gonçalves: A tal história da pedra?

Luís Nassif: Da pedra.

Odair Dias Gonçalves: É uma grande bobagem aquilo. Você pode, quem se interessar pode ver os projetos e ver os cálculos das fundações, como foram construídas e pode ver que aquilo lá absolutamente não procede. Angra3 inclusive está numa cama de pedra sólida.

Alexandre Mansur: Desculpa, mas já que voltamos para Angra3, o senhor disse que está resolvida a questão de segurança ali daquele sítio, agora...

Odair Dias Gonçalves: Falei que está equacionado.

Alexandre Mansur: Equacionado. É, agora me surpreendeu, nós fizemos uma reportagem esta semana na [revista]Época e nós entrevistamos o chefe de segurança da defesa civil municipal de Angra, responsável pela emergência nuclear e ele disse que não lembra quando foi feito o último treinamento com a população, a última conscientização para a população do perigo ou do plano de emergência, ou do que fazer no caso de acidentes. Quantas pessoas lá sabem o que fazer no caso de acidentes?

Odair Dias Gonçalves: Houve uma campanha intensa sobre o que fazer, o problema é que todo ano existe um treinamento. Este treinamento mobiliza a população inteira, só que de maneira voluntária. Você não tem como obrigar as pessoas a participarem, mas todo ano é realizado um exercício, neste exercício é simulado o acidente. A usina toca o alarme, as pessoas são chamadas e é feito um grande trabalho de divulgação sobre essa questão. Esse programa de acidente está disponível, ele não é controlado pela CNEN, ele é controlado pelo Sipron, que é o Sistema de Proteção Nuclear, ele envolve defesa civil, bombeiros, polícia e tem a parte técnica e também a cooperação da CNEN, e todo ano é feito um treinamento desse tipo. Na região são feitas diversas campanhas, são feitas todo ano campanhas de divulgação, a gente está sempre no jornal, existe um escritório em Angra dos Reis dedicado só a isso, e existe treinamento específico para defesa civil. Então, precisa ver exatamente qual é a sugestão dessa pessoa, nós estamos abertos, se ele achar que tem que ser feito alguma coisa a mais, nós estamos completamente abertos. Nós temos feito treinamentos, temos feito divulgação, toca a sirene, faz tudo que tem direito, inclusive simulação de acidente, pessoas contaminadas, a gente bota no barco, leva para lá, tira das ilhas, a gente traz pessoas das ilhas para o continente, monta as barracas, simula tratamento, não sei mais... fora a divulgação em panfletos, calendários, essas coisas assim, tudo!

Paulo Markun: Tudo bem, última pergunta, o nosso tempo está acabando.

Odair Dias Gonçalves: Estamos abertos a sugestões.

Paulo Markun: É, acho que ficou faltando falar de uma questão que é importante, que é o seguinte: licenciamento ambiental, o senhor acha que será uma tarefa simples, as perspectivas são asseguradas que isso aconteça?

Odair Dias Gonçalves: Olha eu quero crer que sim, primeiro nós temos uma história que é que a gente trabalha junto com o licenciamento ambiental - em geral são necessários alguns conhecimentos técnicos que nós é que possuímos - inclusive faz diversos pareceres para o próprio Ibama, para o licenciamento ambiental e hoje mesmo eu vi, eu acho que saiu domingo no [jornal] Estado [de S. Paulo], mas a declaração da ministra Marina [do Meio Ambiente] que não poderia ser outra, em que ela diz que ela continua sempre sendo contra a energia nuclear, mas que isso não implica absolutamente numa modificação da ação do Ibama. O Ibama é um órgão profissional e ele vai licenciar dentro dos critérios técnicos que ele tem. Eu não acredito realmente que vai haver problemas por uma pessoa ser contra ou não, porque isso a ministra Marina [Silva] é exemplar, ela jamais, eu jamais acreditaria que seria possível ela sair do escopo do trabalho dela e do rigor técnico que tem esses trabalhos para deixar uma questão pessoal, ideológica pessoal, interferir na qualidade do trabalho produzido.

Paulo Markun: Odair, muito obrigado pela sua entrevista, obrigado aos entrevistadores e a você que está em casa e nós estaremos aqui na próxima segunda-feira com mais um Roda Viva, com um roteirista já na série especial sobre a Festa Literária de Parati [Flip]. Uma ótima semana e até segunda!

Fonte: http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/305/entrevistados/odair_dias_goncalves_2007.htm
Read More

Um brilho no escuro

2

Posted in ,

Vinte anos depois do acidente radiológico com o césio-137, em Goiânia, vítimas ainda procuram ter seus direitos reconhecidos e vivem de luto, sem saber ‘quem será o próximo’

Por: Ruben Roschel

Publicado em 25/08/2007

Um brilho no escuro

Roberto Alves lembra da luz azulada do césio em sua mão.

O episódio custou-lhe o braço direito (Foto

Num momento em que o Brasil rediscute programa nuclear, o país ainda se ressente de uma perturbadora ferida aberta há 20 anos, quando a cidade de Goiânia viveu um pesadelo sem precedentes após o rompimento de uma cápsula de césio-137. A vida de milhares de pessoas foi afetada pelo vazamento de 19,6 gramas do pó radioativo. O atendimento às vítimas desse acidente não serviu de referência para casos futuros. Erros, desinformação e inabilidade no trato com a substância puseram em risco a vida de milhares de pessoas. O tratamento e o acompanhamento dos acidentados e a forma de armazenamento das 13,5 toneladas de lixo radioativo recolhidas após o acidente ainda são questionados.

Não há precedentes na história nem parâmetro que permitam avaliar a atuação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) e das autoridades da área de saúde. Diferentemente de casos como o das usinas de Three Miles Island (EUA) e de Chernobyl (Ucrânia), de características nucleares e que atraíram a atenção de pesquisadores do mundo todo, o caso de Goiânia – o maior acidente radiológico do mundo – é pouco lembrado no Brasil. “É como se quisessem varrer o lixo para debaixo do tapete”, compara Odesson Alves Ferreira, presidente da Associação das Vítimas do Césio-137 e do Conselho Estadual de Saúde de Goiás. Para ele as autoridades têm interesse nesse silêncio para que o assunto perca força e não haja reparação. “Fiquei impedido de trabalhar e ainda sofro todo tipo de discriminação. Não pude mais pensar em futuro.”

A história do acidente começa em 1985, quando foi demolido o prédio do Instituto Goiano de Radiologia, que passara ao Instituto de Previdência e Assistência Social de Goiás. Nenhum dos institutos e tampouco a Cnen se lembraram de retirar dali um aparelho de radiografia carregado com uma bomba de césio-137. Em setembro de 1987, Roberto Alves e Wagner Mota entraram nas ruínas e retiraram de lá a peça cilíndrica de chumbo para vender como sucata. “O local estava abandonado. Retiramos a peça e a levamos em um carrinho de mão”, conta Roberto. Do local, onde hoje funciona o Centro de Convenções de Goiânia, eles caminharam cerca de 500 metros até sua casa e iniciaram a desmontagem.

Meirieli com foto
Meirieli segura o retrato de sua amiga de infância Leide, de 6 anos, primeira a morrer contaminada pelo césio (Foto: Augusto Coelho)

‘Olha lá os irradiados’

Passaram mal, com dor de cabeça, febre, diarréia e vômitos. Decidiram vender a peça ao ferro-velho de Devair Alves Ferreira para comprar remédios. Lá a cápsula de chumbo seria aberta. Ao seu núcleo se prendia um recipiente semelhante a uma marmita metálica. Dentro, uma pequena quantidade de pó branco, parecido com sal de cozinha empedrado, chamava a atenção por emitir um brilho azulado, sobretudo no escuro. “Era o brilho da morte”, disse na ocasião Devair, que morreu anos depois com câncer no fígado.



Ivo, irmão de Devair, levou uma “pedrinha” para casa. Sua filha Leide das Neves, de 6 anos, passou um bom tempo brincando encantada com o brilho. “Ela comeu um ovo cozido enquanto brincava. As mãozinhas estavam sujas e ela acabou ingerindo aquele pó”, conta Lurdes das Neves Ferreira, mãe de Leide. “Em pouco tempo a boquinha dela ficou roxa”, lembra. O mal-estar que acometeu várias pessoas foi creditado a intoxicação alimentar e, posteriormente, a doença contagiosa. Hospitais e farmácias da região próxima ao centro de Goiânia passaram a ter grande procura. No dia 28 de setembro, Maria Gabriela, mulher de Devair, levou parte do cilindro ao Serviço de Vigilância Sanitária de Alimentos. No dia seguinte, 16 dias depois do vazamento, chegou-se à conclusão: todos foram expostos à radiação.

A Comissão Nacional de Energia Nuclear montou uma operação de guerra. Milhares de pessoas foram levadas para o Estádio Olímpico. As com índices mais elevados de irradiação foram colocadas em quarentena no prédio onde funcionava a Febem. A Cnen examinou 112 mil pessoas. Das 129 que apresentaram contaminação interna e externa e desenvolveram sintomas, 49 foram internadas e 21 submetidas a tratamento intensivo. Quatro morreram. Leide foi a primeira, pouco mais de um mês depois.
Alguns se escondiam da truculência e do preconceito. O filho de Joanita Santana Silva, Divino Nunes, morreu nessa situação. “Meu menino trabalhava ao lado do ferro-velho, era pintor de carro e não quis contar pra ninguém que tinha sido contaminado. Ficou com medo que faltasse serviço pra ele. Todo mundo passava criticando, dizendo: ‘Olha lá, os irradiados’”, conta.

Oficialmente, até hoje foram reconhecidas 14 mortes em decorrência da exposição ao césio-137. Esses números são contestados pela Associação das Vítimas do acidente e pelo Ministério Público de Goiás, que contabilizam 66 mortes.

Os organismos entendem também que o número de pessoas contaminadas e irradiadas é muito maior do que os estabelecidos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear . Uma pesquisa realizada pela associação, em 2004, localizou mais 23 diagnósticos de câncer em pessoas que viviam em um raio de 200 metros do ferro-velho de Devair.

O que é
O césio-137 é um elemento resultante da fissão nuclear do urânio. O núcleo é constituído por 55 prótons e 82 nêutrons. A soma desses números é a massa atômica, 137, composição que dá instabilidade ao césio, isto é, exige que libere excesso de energia. O césio-137 só começa a perder sua radioatividade em aproximadamente 30 anos. Essa radioatividade pode ter efeito devastador no organismo humano. Começa a destruí-lo de dentro para fora, primeiro a camada muscular e os vasos sangüíneos, depois atinge a camada de gordura, até chegar à pele.

Busca de reconhecimento

“Comecei a fazer essa pesquisa porque via vizinhos morrendo de câncer, mesmo não fazendo parte dos grupos de controle”, conta Sueli Lina de Moraes Silva, da associação. “Mais recentemente fizeram outro trabalho, mas utilizaram o material que conseguimos coletar para servir de base sem aprofundar a pesquisa”, critica. Sueli refere-se ao trabalho feito em 2006 pela Secretaria da Saúde de Goiás (Sesgo), por intermédio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e conduzido pelo epidemiologista Sérgio Koifman.
O monitoramento aponta que “não existem características que diferenciem os grupos expostos ao césio”. Anteriormente o Ministério da Saúde havia reconhecido que a incidência de câncer entre os habitantes da área próxima ao acidente era até 5,4 vezes maior se comparada à média da população de Goiás.

D. Joanita e família
Dona Joanita e a família: vítimas do césio e também da falta de solidariedade (Foto: Augusto Coelho)

O médico José Ferreira Silva, da Superintendência Leide das Neves (Suleide), criada para atender as vítimas, não acredita na potencialização de doenças decorrentes do acidente. “Não temos observado nesse grupo nada de diferente do que ocorre na população normal. Muita gente busca a Suleide com doenças que dizem ser decorrência do césio. Mas é preciso que haja nexo causal, que essas pessoas tenham sido expostas à radiação”, explica.

“Pesquisadores de renome internacional vieram, fizeram exames, mas na hora de voltar não dizem o que acontece com a gente. De que adianta?”, questiona Meiriele Fabiano, que tinha 6 anos à época do acidente. “Não há seqüência de tratamento. Cada dia é um médico diferente. Não desmereço o trabalho da Suleide, mas é laboratório de pesquisa para o acidente, não para as vítimas”, desabafa.

Discriminação, a pior doença

O psicólogo Júlio Nascimento, do Fórum Permanente de Prevenção e Controle de Acidentes Radiológicos e Nucleares, avalia que o acidente levou aquelas pessoas a assumir, de uma hora para outra, uma nova identidade. “Elas não têm informações, foram expostas à curiosidade pública e tratadas como cobaias. Tornaram-se uma espécie de sub-raça, religião maldita, sofrem discriminações desumanas”, dispara.
De acordo com o psicólogo, as vítimas têm um sofrimento atípico, uma vez que efeitos mais evidentes do césio só poderão ser relatados daqui a dez anos. “Elas estão de luto permanente. ‘Quem será o próximo?’, interrogam-se quando morre um conhecido. A situação é difícil de se levantar até economicamente. Perderam casa, emprego e seus sonhos. A ciência não reconhece a relação quando uma vítima adoece nem dá uma resposta sobre o que pode acontecer amanhã”, relata.

O promotor Marcus Antônio Ferreira Alves, do Ministério Público de Goiás, recolhe denúncias dos que trabalharam na área atingida pela radioatividade. “O governo de Goiás colocou servidores para fazer a descontaminação. Foram utilizados 400 homens do Consórcio Rodoviário Intermunicipal (Crisa), contratados outros 120 da Construtora Andrade Gutierrez e mais trabalhadores braçais avulsos, para demolir, retirar asfalto, movimentar máquinas. Esse pessoal não foi computado como vítima”, sentencia o promotor.

Essa falha ainda pode ser reparada se virar lei um projeto já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado que amplia o número de indenizados como vítimas do césio-137. O Ministério da Saúde atesta que 221 servidores do Crisa desenvolveram algum tipo de agravo e oito morreram. Na Polícia Militar foram 189 atingidos, três mortes. Na Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia dois servidores desenvolveram doenças. Outros 17 casos foram constatados nos Bombeiros, com uma morte.

Odesson Ferreira, da Associação das Vítimas, é categórico: “Só consegui voltar a ter forças fazendo reciclagem política, buscando direitos. Não os meus, mas de todos os radioacidentados. Abracei a causa e queremos resgatar a cidadania dessas pessoas, o direito de viver”. O trabalho é árduo. “Já fomos a todas as instâncias, ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, ao Ministério Público, às ONGs, à imprensa, estou desanimado principalmente com a Justiça. Não sei se é lenta ou tendenciosa. Pela ciência, quando vemos o que é feito com vítimas de Hiroshima e Chernobyl, nos sentimos mais desamparados”, constata. Após 20 anos, as vítimas aguardam que o dia de amanhã traga alguma resposta para tantas perguntas que ainda povoam seu triste cotidiano.


FONTE: http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/15/um-brilho-no-escuro/view

Read More

Sarney arma seu ciclo - Historia Nuclear

0

Posted in , ,



09/09/1987
O presidente ganha o aplauso dos generais elogiando-os e mostrando seu carinho pelo programa nuclear paralelo
Em menos de uma semana, o país ouviu o estrondo de uma explosão política e de outra nuclear - e continua de olho no horizonte, na tentativa de interpretar os dois cogumelos que se armaram. Nos dois casos, foi a parte fardada do ministério que acendeu o estopim, e, também nas duas oportunidades, foi o presidente José Sarney quem tomou a si a tarefa de saudar as explosões. Na quarta, durante uma inauguração na fábrica de explosivos Imbel, na cidade paulista de Piquete, Sarney fez caudaloso elogio ao Exército e a seu ministro, o general Leônidas Pires Gonçalves, que, dias antes, acusara a Constituinte de radicalizar e de trair a face majoritária e moderada do país. O Exército do general Leônidas, respondeu Sarney em Piquete "é hoje um dos firmes suportes da nossa transição para a democracia". Essa foi a primeira bomba despejada sobre os políticos que relutavam em engolir as críticas do general.
A segunda, de maior impacto, veio na sexta-feira, também de surpresa. Numa cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente anunciou que o Brasil já domina a tecnologia do enriquecimento do urânio. "Este é um fato da maior transcendência na história científica do país", afirmou Sarney. "É também este o momento de reiterar, com ênfase e solenidade, as finalidades exclusivamente pacíficas do programa nuclear brasileiro." O acréscimo fazia-se necessário, já que o domínio do processo de enriquecimento do urânio, combustível radioativo, tanto pode levar à fabricação de pilhas atômicas para centrais elétricas como à produção de bombas.
Conseguiu-se domar o processo, segundo anunciou o presidente, nos laboratórios do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares de São Paulo (Ipen), um órgão onde trabalham 1.200 pessoas e que, por encomenda da Marinha, passou os últimos oito anos metido num trabalho secreto para o enriquecimento do urânio, que custou 37 milhões de dólares ao país. No ano que vem, estará pronta uma usina da Marinha, perto de Sorocaba, no interior paulista, onde se produzirá combustível para submarinos nucleares. Esse projeto custará perto de 400 milhões de dólares. Finalmente, a partir daí, com mais 4 bilhões de dólares, o Brasil poderá ter sua bomba atômica, porque a receita já terá sido aprendida. "O domínio do enriquecimento do urânio pode levar à bomba dentro de cinco anos, mas isso depende de uma decisão política do governo", diz o físico José Goldemberg, reitor da Universidade de São Paulo, que tomou conhecimento do avanço tecnológico, na cerimônia de Brasília, embora já tivesse notícias dele extra-oficialmente. "O presidente, porém, garantiu que o programa nuclear é pacífico", lembra Goldemberg.
TEMORES MÚTUOS - "Sem comentários", reagiu imediatamente um porta-voz da embaixada americana em Brasília, antecipando a reação fria que deverá partir de Washington por estes dias. "Congratulamo-nos com o presidente José Sarney por ter reiterado que o Brasil usará essa tecnologia exclusivamente para fins pacíficos", rebateu a Embaixada da República Federal da Alemanha, país que nos anos 70 firmou com o Brasil um milionário acordo nuclear, hoje desativado e praticamente arquivado desde o anúncio de sexta-feira passada. Em Resende, no Estado do Rio, há uma usina de enriquecimento de urânio por um processo desenvolvido na Alemanha, o "jato centrífugo", que é hoje a única do gênero em todo o mundo. Até mesmo na Alemanha, que começou a desenvolver o método e o vendeu ao Brasil, as pesquisas com o jato centrífugo foram abandonadas por seus resultados pífios. No entanto, era para a Argentina que o governo brasileiro olhava com mais atenção na semana passada, em virtude da concorrência disfarçadamente mantida pelos dois países no campo nuclear - e do risco representado pelo nascimento de uma bomba nuclear em qualquer dos lados da fronteira.
Para apagar os temores mútuos, os presidentes Sarney e Raúl Alfonsín têm assinado acordos de cooperação nuclear cuja vida será tão longa quanto a fidelidade das partes às suas assinaturas. Na quarta-feira, dois dias antes do anúncio aos brasileiros, Sarney resolveu comunicar a novidade ao seu colega argentino através de um telefonema. Nessa conversa, disse a Alfonsín que estava enviando a ele uma mensagem detalhada na mala de seu assessor especial, embaixador Rubens Ricupero, que, no dia seguinte, desceu de um avião da Força Aérea em Buenos Aires e rumou imediatamente para a residência de Olivos. "Ah, isso é muito bom", cumprimentou Alfonsín, que, entre outras coisas, leu a respeito da intenção brasileira de usar sua conquista somente de forma pacífica. A Argentina domina o processo do enriquecimento do urânio desde 1983 - e, na quinta-feira, seu presidente recebeu um troco na mesma moeda por ele usada naquela época, ao comunicar seu avanço ao governo brasileiro antes do anúncio público. Desta vez, a Argentina foi o único país que recebeu um aviso prévio de Sarney sobre a vitória dos cientistas do Ipen.
Algumas poucas autoridades de Brasília estavam tão bem informadas quanto Alfonsín. Outras receberam apenas um sinal da explosão iminente, e, na sexta-feira pela manhã, circulava pela capital do país a informação de que o presidente faria um pronunciamento através de rede nacional de televisão. Por volta das l0 horas da manhã, adultos empertigados começaram a rondar misteriosamente os filhos que viam o programa Xou da Xuxa, na TV Globo. Nada descobriram de perturbador na televisão, além da apresentadora do programa, já que Sarney resolvera anunciar a novidade em cerimônia fechada. Na fila de cumprimentos que o presidente enfrentou em seguida, destacava-se o senador Fernando Henrique Cardoso, líder do PMDB no Senado, que sempre se declarara contra o programa nuclear clandestino do governo brasileiro e, sobretudo, contra a perspectiva de se ter no país uma fábrica de bombas atômicas.
TODOS NEGAM - É disso que se trata. "Todo país que domina o processo de enriquecimento do urânio abre a perspectiva de criar a bomba", diz o físico Fernando de Souza Barros, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos membros da Sociedade Brasileira de Física encarregados de acompanhar o minueto das autoridades brasileiras no campo nuclear. "Uma vez dominado o ciclo de enriquecimento, as etapas mais difíceis estão superadas e, daí por diante, o problema de construir ou não a bomba atômica é mais político e econômico do que técnico", explica Barros. Duas coisas se podem afirmar a respeito do trabalho do Ipen, desvendado na semana passada por Sarney. Em primeiro lugar, trata-se de um respeitável salto tecnológico que deverá capacitar o Brasil a produzir combustível para usinas elétricas, além de semear o país com vários subprodutos positivos para a medicina, a agricultura e outros campos. Além disso, é possível que esse avanço não tenha como alvo verdadeiro a fabricação de armas nucleares. Apenas possível porque desde 1967 os governos brasileiros se recusam a assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, pelo qual mais de 100 países se comprometeram a não fabricar bombas. Assim, a Alemanha, que domina o ciclo nuclear, mostrou que não quer fazer uma bomba ao assinar o tratado.
As indicações que se podem colher no caso brasileiro apontam para a direção explosiva. Todos os países que pesquisam o ciclo do urânio negam sempre intenções bélicas até o momento em que elas se tomam evidentes, como se observou nos casos recentes da nuclearização de nações como Índia, China e Israel. No Ipen, os físicos postos a trabalhar pela Marinha conseguiram enriquecer o urânio numa escala superior a 1% e, segundo autoridades do governo, chegarão facilmente aos 3% necessários para tocar usinas atômicas que produzem eletricidade. No entanto, o mercado internacional dispõe de urânio enriquecido a 3% de sobra para oferecer a 300 dólares o quilo, enquanto o Brasil só tem uma usina que precisa deste combustível, Angra I, um fiasco que praticamente nunca funcionou e dificilmente terá condições de operar regularmente. Fabricar urânio a 3% para centrais elétricas inexistentes seria uma aposta no futuro, mesmo que se gaste muito mais para fazê-lo aqui do que para comprá-lo pronto no exterior. A equação se embaralha, ao examinar-se o caso, mais complexo, da usina que no próximo ano deverá ser inaugurada na região de Sorocaba, com a missão de fabricar urânio enriquecido a 20% para movimentar submarinos nucleares. Em primeiro lugar, o Brasil também não tem submarinos nucleares. "Isso é projeto apenas para o ano 2000", admite o almirante Henrique Saboia, ministro da Marinha. "Por enquanto, estamos ainda aprendendo a fabricar submarinos convencionais." Pergunta-se: a quem interessa uma usina com 50 ultracentrifugadoras, capazes de criar o urânio enriquecido num patamar elevado, se não há veículos submarinos para queimá-lo? Os responsáveis pelo programa nuclear não explicam e todos os demais suspeitam. Qualquer reator que queime urânio, a 3% ou a 20%, produz plutônio como subproduto - e o plutônio é um excelente explosivo para a bomba atômica. Pode-se fazer uma bomba também com urânio enriquecido a 90% - e, nesse caso, dominar o processo do enriquecimento a 20% é um bom caminho para chegar lá. "Dominada a tecnologia do enriquecimento, se o Brasil quiser a bomba, é só fazer", diz o físico Roberto Hukai, ex-diretor do Ipen. "É só um questão de dinheiro e de persistência."
'MEGALOMANIA' - Ao se somar intenções de fabricar combustível com outros ingredientes espalhados pelo mapa nacional, tem-se como resultado um provável pavio. Exército e Marinha desenvolvem mísseis secretamente. Também secretamente, um laboratório do Centro Tecnológico do Exército, na Restinga da Marambaia, faz pesquisas nucleares - no campo bélico, segundo suspeita encravada em pelo menos um cacique do PMDB. No sul do Pará, descobriu-se há 1 ano uma base da Aeronáutica, o campo de Cachimbo, onde há poços de 320 metros de profundidade, igualmente secretos e talvez adequados a testes nucleares. "A profundidade das perfurações é compatível com as que usam no programa americano para explosões subterrâneas", acha o físico Luis Pinguelli Rosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Enfim, se os militares brasileiros querem distância da bomba, eles seguramente trataram de ficar próximos das ferramentas necessárias para iniciar a confecção de um artefato explosivo.
"Se for para valer, é uma megalomania extrema", critica Enio Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Segundo Candotti, não se joga uma bomba com estilingue. "Bomba atômica, para ter alguma função, pressupõe a existência de submarinos, foguetes, uma rede de detecção de ataque e resposta - algo que exigiria gastos da ordem de 40 bilhões de dólares", espanta-se ele. Mesmo que não houvesse uma bomba em perspectiva - e isso é o que garante o governo -, o programa nuclear dos militares brasileiros ainda assim rondaria o absurdo. Na mesma semana em que o ministro Bresser Pereira, da Fazenda, afirmava em Viena que o país não pode pagar sua dívida externa, falava-se em Brasília de um país quebrado que pretende investir ninguém sabe quanto num projeto nebuloso, sem que alguém tenha pronunciado em qualquer momento a palavra prioridade.
APLAUSOS - Quando o governo firmou o acordo nuclear com a Alemanha, o PMDB, tomado de fúria santa, designou esse projeto como faraônico. Ao se descobrir mais tarde que esse acordo não transferiria tecnologia ao Brasil conforme a expectativa inicial, o governo tratou de montar um programa paralelo, secreto, destinado ao desenvolvimento de tecnologia própria no país. Na semana passada, o presidente José Sarney anunciou um resultado prático dessa decisão, ao comunicar que o Ipen já domina o processo de enriquecimento do urânio. Ninguém falou em custos, mas sabe-se que esse programa sigiloso, do qual o Ipen é apenas uma peça, envolve mais de 3.000 pessoas e dezenas de indústrias - e torra quantias entre 1 bilhão e 3 bilhões de dólares por ano, talvez mais, sem que esse dinheiro mereça referência na contabilidade pública. Nem assim, o PMDB pediu explicações sobre custos. O partido, outrora inquieto, preferiu apenas oferecer aplausos.
Ao comunicar à nação as boas novas do Ipen, Sarney puxou da manga um trunfo político costurado sobre o controle do enriquecimento do urânio e deu uma demonstração de grande controle sobre o uso do próprio combustível. Há um mês, o Ipen já concluíra que o trunfo estava na mão. "Chegamos à conclusão de que a técnica brasileira era comparável à internacional, comunicamos o fato às autoridades e fizemos um churrasco", conta o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, que cuidou do projeto em São Paulo ao longo de todo o seu desenvolvimento. Silva não sabe por que Sarney decidiu esperar um mês para fazer o anúncio. Um exame ao calendário político dos últimos dias ajuda a entender.
No dia 21, o general Leônidas Pires Gonçalves apareceu falando que o Exército tem de se reequipar. Na quinta-feira da semana retrasada, o mesmo general Leônidas despachou sua enxurrada de críticas à Constituinte numa reunião do ministério. Na última terça-feira, o presidente Sarney elogiou Leônidas na cidade de Piquete, citando-o como um sustentáculo da transição para a democracia. Na sexta-feira passada, finalmente, Sarney anunciou o controle do processo de enriquecimento do urânio - e, nesta segunda-feira, deverá estar no palanque da parada de 7 de setembro, com os militares. (O ACIDENTE COM O CÉSIO 137 INICIA EM 13 DE SETEMBRO E É DESCOBERTO DIA 29 DE SETEMBRO DO MESMO ANO) Desde 1969, quando o país chafurdava na anarquia militar, jamais uma Semana da Pátria teve uma programação tão cheia. Ao escolher a sexta-feira passada para a notícia do Ipen, depois de uma fase de desentendimentos com a Constituinte, que o ameaça com o regime parlamentarista, o presidente tirou do acontecimento o máximo de dividendos políticos. Em seu benefício, é preciso ressaltar que ele falou em público de um segmento do Programa Nuclear Paralelo, sempre escondido por um biombo espesso nos últimos anos e assentado sobre contas bancárias ilegais, segundo as normas da contabilidade pública.
SEGREDO ESFARRAPADO - O mundo subterrâneo do programa nuclear brasileiro dividiu-se nos últimos anos entre um segredo de Polichinelo - o fato de que equipes militares coordenavam um projeto que leva à bomba atômica - e um profundo mistério administrativo e contábil: a eficácia e o preço desse trabalho. Desde 1967, quando o presidente Costa e Silva anunciou que não assinaria O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, a comunidade internacional sabia que o governo brasileiro pretendia construir seu próprio explosivo, pelo menos em tese. Em 1975, quando o presidente Ernesto Geisel assinou o acordo nuclear com a Alemanha, o governo deu um passo adiante, criando um instrumento de intercâmbio tecnológico capaz de levar, na prática, à construção da bomba. Nessa época o Alto Comando das Forças Armadas foi especificamente informado, com todas as letras, de que se caminhava para a construção de um artefato. Em 1976, o secretário de Estado americano Cyrus Vance recebeu do chanceler Azeredo da Silveira mais um sinal expresso de que o Programa Nuclear acabava na bomba. O chanceler recusou uma proposta do governo americano para que o Brasil e a Argentina partilhassem uma usina de reprocessamento de urânio sob fiscalização internacional. Segundo Vance, a Argentina tinha concordado. Ou seja, os Estados Unidos captaram um sinal pelo qual o governo brasileiro informava que seu projeto iria em frente, mesmo se os argentinos resolvessem desacelerar seu projeto de bomba.
Se o desejo dos governos brasileiros de caminhar em direção à bomba sempre foi um segredo esfarrapado, uma densa nuvem de mistério envolve, desde os anos 70, toda a armação administrativa, financeira e diplomática que permeia a questão nuclear. Pode-se estimar que essa malha funciona, há anos, tão centralizada, secreta e onipotente quanto os DOI, centrais de repressão política que atuaram livremente de 1970 a 1976.
CLANDESTINIDADE - Não se sabe exatamente quanto custou o Programa Paralelo, embora se possa ficar com a estimativa que o coloca num patamar superior a 1 bilhão de dólares por ano. Ainda hoje, quando o país vive uma situação democrática, ninguém tem acesso a dados precisos. Acredita-se que o ministro Dilson Funaro chegou a ter apenas uma idéia desse dinheiro. Estima-se que o ministro Luiz Carlos Bresser Pereira não tenha conseguido nem isso. "O sigilo é fundamental no programa nuclear brasileiro", defende o ministro da Marinha, Henrique Sabóia. Seu antecessor no cargo, Alfredo Karan, reza pela mesma cartilha. "É um assunto da mais alta segurança, que não deve ser comentado publicamente", diz Karan. Confunde-se aí sigilo com clandestinidade. Um diagnóstico médico é protegido pelo sigilo e abertamente legal. O jogo do bicho, embora público, ostensivo, é clandestino, porque todas as suas operações são ilegais e suas contas, secretas. O programa nuclear, que escala fornecedores sem concorrência e que faz pagamentos através de vias irregulares, até mesmo em suas iniciativas diplomáticas, assemelha-se muito mais, portanto, à armação do jogo do bicho do que ao que se denominaria normalmente, com toda propriedade, de uma coisa secreta. Ninguém reclama do segredo. Reclama-se apenas do descontrole.
O secretário do Tesouro, Andrea Calabi, sabe apenas que seus computadores hospedam as contas do Programa Paralelo sem que ele, contudo, tenha acesso aos códigos que levam os dados ao vídeo. Ele sabe os grandes números, mas não conhece os grandes bolsos. O senhor dessas chaves é o general Rubens Bayma Denys, chefe do Gabinete Militar e secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional. Há três anos, o projeto do presidente Tancredo Neves era bem diverso. Informado pouco depois de sua eleição da existência do Programa Paralelo, Tancredo Neves decidiu que ele ficaria debaixo da jurisdição do Ministério da Ciência e Tecnologia. Nessa transferência de um cogumelo clandestino e militarizado para um ministério civil, percebe-se, hoje, uma clara diferença entre o que vem sendo o governo José Sarney e o que teria sido a presidência Tancredo.
O movimento de dinheiro atômico dentro do Brasil já foi detectado pelo jornal Folha de S. Paulo, que provou em dezembro do ano passado que a Comissão Nacional de Energia Nuclear operava no Brasil através de pelo menos duas contas bancárias, clandestinas, denominadas Delta. Centenas de milhões de dólares trafegam em transações internacionais que suportam as despesas nucleares. Uma parte desse dinheiro é rigorosamente misteriosa. A diretoria do Banco Central, por exemplo, não a controla nem a vê. Há pouco tempo, contudo, quando surgiu dentro do governo a idéia de uma centralização da caixa externa, burocratas de Brasília foram surpreendidos por um estranho fenômeno de migração de milhões de dólares depositados em contas do Banco do Brasil e repentinamente sacados. Procuraram descobrir o que tinha sucedido e deram-se conta de que se tratava de depósitos do próprio governo que ficavam no banco e, com o medo do aparecimento de um sistema de controle, fugiram para santuários mais seguros.
PANFLETAGEM - Nesse mundo de mistérios, o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), o físico Rex Nazareth Alves, é o único a conhecer todas as peças do quebra-cabeça. Abaixo dele funciona uma rede formada por oficiais das Forças Armadas. Uma boa parte deles é composta por uma elite de técnicos formados no exterior, sobretudo na Alemanha, debaixo do manto protetor da Nuclebrás. Outro pedaço é composto por oficiais que nos últimos 20 anos militaram sobretudo na comunidade de informações. É essa fusão entre "linha dura", "comunidade de informações" e SNI que dá ao Programa Paralelo uma aparência semelhante à dos porões policiais do passado. Desse grupo, o arquétipo é o coronel Francisco Araripe, um dos mais destacados exemplares da "linha dura" dos anos 60, que migrou para o SNI sob a proteção do general Octávio Medeiros, diretor do órgão entre 1979 e 1984, acumulando as funções de czar do Programa Paralelo. O coronel Araripe recebeu do presidente eleito Tancredo Neves a chefia da Polícia Federal e, em 1985, deixou-a para regressar ao SNI, onde estão hoje alguns dos radicais que em 1976 se opunham através de panfletagens clandestinas à política de abertura do presidente Ernesto Geisel.
TRAPALHADA - Não se conhece a cronologia do trabalho dessa gigantesca operação clandestina. Sabe-se, no entanto, que ocorreram lances audaciosos, como uma negociação conduzida pelo próprio Rex Nazareth, para comprar urânio chinês por baixo do pano, e jogadas mirabolantes de final desastrado, como um projeto de associação com o Iraque. Através do SNI e com a participação do presidente da fábrica de material bélico Engesa, José Luis Whitaker, o governo do general João Figueiredo ofereceu ao Iraque tecnologia para a fabricação de uma bomba. Recebeu de volta uma resposta aborrecida, pela qual "o senhor Whitaker não devia vir nos oferecer o que não tem para vender". Alguma coisa, contudo, o Brasil tinha, e acertou-se com o presidente Saddam Hussein o fornecimento de pasta de urânio para a construção de um reator no qual os iraquianos pretendiam produzir plutônio com a ajuda de tecnologia francesa. O plano transformou-se numa trapalhada quando o primeiro-ministro Menahen Beguin, na madrugada de 7 de junho de 1981, mandou uma esquadrilha de jatos para o Iraque e arrasou à bomba o canteiro de obras do reator, bem como uma central de pesquisas próxima. Pouco depois o general Medeiros embarcou secretamente para Paris, onde teve uma reunião com militares israelenses que lhe fizeram duras advertências com base nas ligações do governo Figueiredo com o projeto nuclear de Saddam Hussein. Segundo um colega de ministério de Medeiros, os israelenses classificavam o projeto como uma gigantesca construção terrorista e, veladamente, sugeriram que seriam capazes de responder na mesma moeda.
Uma parte dessa trapalhada nuclear foi registrada pelo jornalista Alexandre von Baumgarten, em mau estilo e com lances de ficção medíocre, no romance-verdade que intitulava de Yellow Cake. Baumgarten foi assassinado misteriosamente em outubro de 1982, e o manuscrito de Yellow Cake foi resgatado por sua família, mas acredita-se que faltem páginas.
PALAVRA EM SEGREDO - Em matéria nuclear, o Brasil tem feito anúncios grandiosos para colher depois resultados abaixo de medíocres. A primeira usina nuclear do país, Angra I, comprada da Westinghouse americana por um preço inicial de 350 milhões de dólares, está por 1,8 bilhão e vive enguiçada. O país colocou algo como 5 bilhões de dólares em material para a montagem de Angra II e Angra III, adquiridas através do acordo com a Alemanha, e as duas usinas estão com sua construção semiparalisada. "Há peças feitas para Angra II que estão encostadas há mais de sete anos", critica o físico Rogério Cerqueira Leite, da Universidade de Campinas. "Essas usinas, da mesma forma que Angra 1, não vão funcionar", prevê Leite. Quanto aos resultados do Programa Paralelo, eles também encontram ceticismo por parte de muitos cientistas. "O Rex Nazaré Alves já anunciou grandes sucessos que, mais tarde, não passaram de intenções", lembra o presidente da SBPC, Enio Candotti. Ele se refere aos processos de laboratório em andamento no Ipen e ao projeto do submarino nuclear, que se pretende colocar em prática nas vizinhanças de Sorocaba.
Se o Programa Paralelo pretende chegar à bomba atômica, conforme se suspeita, o caminho estará livre pelo lado teórico e haverá obstáculos grandes pelo lado prático. A bomba atômica é algo teoricamente muito simples, que adquiriu uma áurea de mistério por conta do "Projeto Manhattan", através do qual, em segredo, os Estados Unidos montaram e explodiram o primeiro artefato, em 1945. Na realidade, não há relação entre a banalidade do princípio da bomba e o segredo que a guerra exigia em torno de sua fabricação. O primeiro homem a idealizar uma bomba atômica foi o cientista húngaro Leo Szilard. A idéia ocorreu-lhe em 1933, precisamente no momento em que, numa caminhada pelas ruas de Londres, esperava que se abrisse o sinal de trânsito de um dos cruzamentos da Southampton Road. Um ano depois, Leo Szilard registrou seu invento no Departamento de Patentes do governo inglês e sugeriu ao British War Office que o classificasse como secreto. A burocracia militar rebarbou a sugestão (no ano de 1943, quando os pesquisadores americanos inventaram a palavra "implosão" para designar o processo pelo qual seria detonada a carga de urânio da bomba que construíam, a burocracia militar já trabalhava na direção oposta e a simples palavra foi considerada um segredo de Estado até 1949). Em 1939, nos Estados Unidos, quando o físico Niel Bolir mostrou a fissão de um átomo de urânio diante de uma platéia na qual havia dois jornalistas, nenhum jornal interessou-se e mesmo os dois repórteres presentes fizeram apenas pequenas notas para páginas internas de suas publicações. Na prática, porém, a bomba exige o domínio de tecnologias refinadas em vários campos, a começar pela construção de seu vaso de contenção até a criação de um sistema adequado de detonação, o que não é fácil. Mesmo diante de um desafio desse porte, o simples domínio do processo de enriquecimento de urânio já é uma conquista de grande envergadura. Ironicamente, no mesmo dia em que o governo anunciou sua capacitação nesse terreno, os jornais informavam que o governo não tem o controle do ciclo da Lei do Inquilinato.


Interior da ARAMAR & Confissão de importação irregular do Almirante Othon


Fonte: Arquivos Veja
http://www.afen.org.br/noticias_conteudo.php?id=178
Read More