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VOCÊ CONHECE O ADELSON?

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O parentesco precede toda e qualquer apresentação. Ele ficou conhecido como o tio da Leide das Neves. Também seu cargo insiste em aparecer sempre à frente de seu nome. Ele é o atual presidente da Associação das Vítimas do Césio 137. O que pouca gente sabe, na verdade, é que Odesson Alves Ferreira, 52, sempre foi chamado por Adelson por parentes e amigos, ou “Aderson” pela mãe, a dona Maria Badia Motta, 80. “Demorei a me acostumar com o povo me chamando de Odesson”, confessa.


O senhor que carrega nas mãos a marca do acidente com o césio 137 – enxerto na mão esquerda, dedo indicador da direita amputado em 1989 e o da esquerda, atrofiado – é natural de Corumbá de Goiás, cidade a 112 quilômetros de Goiânia. É também o caçula dos cinco filhos de dona Badia, que nasceram de “escadinha de dois em dois anos”. Na ordem: Ivo, Irma (morreu ainda bebê), Devair, Creusa e Odesson.


A infância foi vivida em Santo Antônio do Descoberto e Rubiataba. Com 10 anos, Adelson começou a trabalhar. Experiência, ele acumulou em diversas áreas: engraxate, vendedor de jornal, servente de pedreiro, lavrador. Os estudos tiveram de ser interrompidos no primário – apenas em 2003, ele conseguiu concluir o Ensino Médio.


GOIÂNIA - No fim da década de 60, o caçula da família Ferreira mudava-se com a mãe para Goiânia. Os outros filhos estavam com outros parentes, depois que dona Badia e o lavrador José Alves Ferreira se separaram, na época em que moravam em Santo Antônio. “Ela foi buscando um a um para morar com a gente em uma casa no Setor Pedro Ludovico”, recorda-se, ao informar que a mãe casou-se novamente com Marciel Ribeiro Machado, que tornaria-se vítima do césio e morreria em 1997.


Adelson conta que sempre foi muito “ligado” ao irmão mais velho, Ivo, o primeiro a casar, no ano de 1970. Os laços se estreitaram, então, com Devair. Mas um ano depois, em 1971, o irmão também deixava a barra da saia da mãe para constituir vida própria ao lado da companheira Maria Gabriela. Adelson aproveitou a “onda”. Em 1972, com apenas 17 anos, casava-se também com uma Maria, irmã da esposa de Devair. A relação, entretanto, durou apenas três anos.


Quem tornou-se a cúmplice e companheira de Adelson foi a costureira Marli da Costa Freire Ferreira, 47. A união foi selada em 1978. O já motorista de caminhão morou no bairro Campinas e fixou, posteriormente, residência no Parque das Nações, em Aparecida de Goiânia. No ano do acidente com o césio, Adelson trabalhava como motorista de ônibus na linha Independência-Izidória, via BR-153. Tinha quatro filhos – dois com a primeira esposa e outros dois com Marli.


SETEMBRO DE 87 – Naquela terça-feira de temperatura elevada, dia 22 de setembro de 1987, Adelson acordou antes das cinco da manhã para ir trabalhar. Rodou pela capital até as 14h30, quando entregou o ônibus que dirigia à empresa. Resolveu passar na casa do irmão Devair, que morava na Rua 26-A, do Setor Aeroporto. A visita era para pagar 900 cruzados que Adelson devia por causa de uma compra de dois vitrôs.


No ferro-velho do irmão, o primeiro contato com o césio. “O Devair estava fascinado com a possibilidade de fazer anel com aquele pó brilhante. Eu peguei uma quantidade menor do que um grão de arroz e espalhei na mão com o dedo indicador. Queria mostrar para o Devair que o material não tinha consistência”, relata. “Ele já estava passando mal, mas achava que era por causa de uma feijoada”, complementa.


De lá, Adelson seguiu para a casa do outro irmão, Ivo Ferreira, também dono de um ferro-velho. A distância entre as residências era pequena – cerca de 400 metros separam a Rua 26-A, do Setor Aeroporto, da Rua 6, do Norte Ferroviário. O irmão viajara. Adelson comentou com a cunhada, Lourdes das Neves Ferreira, que Devair e Maria Gabriela estavam muito doentes. Dois dias depois, Ivo visitava Devair. Encantado com o brilho do césio, levou alguns fragmentos em uma caixa de fósforos para a filha caçula, Leide das Neves, ver. O pó da morte deixava seu rastro. A menina foi a mais contaminada – cerca de 2,5 mil rads. Segundo Adelson, foi a pessoa que mais tempo conseguiu sobreviver com “aquela quantidade altíssima” de césio no organismo – um mês e dez dias.


DESABAFO – Na casa onde vive com a esposa e a filha mais nova, no Jardim Nova Era, em Aparecida, Adelson confessa, agora como presidente da Associação das Vítimas do Césio. “Me sinto fragilizado, fraco. Não consegui garantir nada para as vítimas (assistência médica até a terceira geração, indenização por danos morais, materiais...) São 20 anos correndo atrás da justiça”, desabafa.


O fornecimento de remédios pela Superintendência Leide das Neves (Suleide), que deveria ser garantido pelo governo estadual, também consiste em problema: está em falta desde abril do ano passado. O reconhecimento das vítimas e o valor das pensões estipulados são controversos. “Muitas pessoas que tiveram contato com o césio não estão na lista dos beneficiados pela pensão”, diz Adelson.


Os constrangimentos por que passou por causa do acidente não ficaram restritos apenas à década de 80. Mas daquela época, ele recorda de uma noite “horrível”, quando o então presidente da República José Sarney foi visitar as vítimas que estavam no Hospital Geral de Goiânia (HGG). “Há 40 dias, eles não limpavam o hospital. Naquele dia, lavaram tudo e nos colocaram no fundo do quarto. A comitiva passava olhando para a gente com cara de espanto, pena, medo.”


Adelson ficou internado do dia 3 de outubro a 26 de dezembro de 87. Ainda no dia 30 de setembro, recebeu um recado do irmão Devair dizendo que o produto que tocaram era altamente perigoso. “Mas não procurei médico, tinha medo de me deixarem isolado. Fui apenas no Estado Olímpico, onde os técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) mediam o grau de irradiação”. Posteriormente, o caçula da família Ferreira deu entrada no HGG. “A mão já começava a doer.”


Sonhos, o ex-motorista de ônibus carrega, no mínimo, três: terminar o livro que escreve sobre acidente do césio; fazer do lote da casa do catador Roberto – na Rua 57 – a sede de um memorial e da Associação das Vítimas; e garantir os direitos aos sobreviventes da tragédia.


A RECONSTITUIÇÃO DO DIA ‘D’


(Baseado nos relatos de Odesson à reportagem)


A temperatura variava entre 29º e 35º graus. Normal para uma cidade acostumada com o tempo quente e seco do mês de setembro. Nos relógios fixados nas inúmeras residências de Goiânia ou naqueles que perambulavam nos pulsos dos transeuntes que se aventuraram a deixar o conforto de suas casas em um pleno domingo, os ponteiros já apontavam o início do período vespertino. Eram por volta das 13 horas e os catadores de papel* Wagner Mota Pereira, 19, e Roberto Santos Alves, 22, ainda não haviam almoçado. À trabalho, desciam a Avenida Paranaíba, no Centro da capital goiana.


No local que hoje abriga o Centro de Convenções, em 1987 se amontoavam os escombros do antigo Instituto Goiano de Radioterapia (IGR). Lote abandonado, muro de placa de concreto quebrado, salas sem janelas e portas, mato em volta do terreno. Entre os resquícios da antiga clínica desativada, uma peça chamou a atenção dos catadores, que já haviam passado outras vezes pelo local. Em frente à um cilindro de chumbo e metal, Wagner e Roberto depositaram a esperança de ganhar um dinheiro extra com a venda do material. Separaram o objeto em duas partes e levaram a menor, juntamente com a cápsula do césio, em um carrinho de mão. Começava a “trajetória da pedra”, como definiu à reportagem do HOJE o atual presidente da Associação das Vítimas do Césio 137, Odesson Alves Ferreira.


Depois de percorridos aproximadamente 600 metros – entre as Av. Paranaíba, Oeste, Ruas 55 e 80 -, os catadores chegaram à casa de Roberto, na Rua 57, Centro (antigo Bairro Popular). Diversas famílias – cerca de 30 pessoas, mais de dez crianças - viviam no lote de 500 metros quadrados, de propriedade da mãe de Roberto, que alugava alguns barracões. Foi no meio do terreno, em uma área onde estava plantada uma mangueira e onde as pessoas lavavam as roupas em um tanque, que os catadores tiraram o lacre da peça e a romperam. Até o dia 18 de setembro, o artefato permaneceria na Rua 57.


A poucos metros dali, na Rua 26-A, do Setor Aeroporto, vivia há pelo menos dez anos Devair Alves Ferreira, dono de um ferro-velho. Ele e a esposa, Maria Gabriela Ferreira, 29, não tinham filhos. Companheiros de conversa eram os funcionários de Devair, que moravam também no lote. Após o catador Roberto Santos passar pelo local, foi fechada a venda do material – que não sabiam conter material radioativo, o césio 137. Devair pagou mil e seiscentos cruzados pelo objeto, que foi buscado na casa de Roberto pelos irmãos Benevides e Eterno Almeida (também funcionários do dono do ferro-velho). A peça foi transportada para a Rua 26-A em carrinho utilizado para catar papel.


No dia 22 de setembro, Israel Batista dos Santos, 22, e Admilson Alves Souza, 17, – que trabalhavam para Devair – conseguiram desmontar o objeto. À noite, o proprietário do ferro-velho ficou fascinado com o brilho azul do pó (fragmento do césio) descoberto no interior da peça. Familiares, amigos e vizinhos foram conhecer a novidade. Tornaram-se vítimas da radiação.


A sobrinha de Devair, a pequena Leide das Neves Ferreira, na época com 6 anos, tornou-se o símbolo da tragédia. Teve contato com a substância – levada pelo pai Ivo Ferreira – e, com as mãos ainda sujas de césio, comeu um ovo cozido no jantar. Morreu no dia 23 de outubro, algumas horas depois de sua tia Maria Gabriela, esposa de Devair, que foi quem levou a cápsula de césio à Vigilância Sanitária. O caso tornou-se público no dia 29 de setembro de 1987, dezesseis dias após Wagner e Roberto acharem a bomba com o material radioativo nos escombros do antigo IGR.


* “Na verdade, eles estavam – e não eram – catadores. Wagner trabalhava como caminhoneiro e Roberto reciclava lanternas de automóveis”, esclarece o atual presidente da Associação das Vítimas do Césio 137, Odesson Alves Ferreira.




Fonte: Associação das Vitimas do Césio-137

Foto 1 - Weimer Carvalho

Foto 2 - Arquivo da SULEIDE

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