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OAB - Comissão de Direito Ambiental (RJ) - Angra 3

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Ordem dos Advogados do BRASIL 
Seção do Estado do Rio de Janeiro 
Comissão de Direito Ambiental


Proc. CDA/14749/2007 julgado no dia 19.03.2008 às 14:30 hs. 
Requerente: ex-officio 
Objeto: Angra III - Relator: Fernando Cavalcanti Walcacer


EMENTA
Procedimento instaurado em face de notícia veiculada na imprensa. Exame de questões legais acerca de retomada na construção da Central Nuclear Angra III. Realização de sessão aberta na sede da OAB/RJ como mecanismo democrático essencial na busca de maiores esclarecimentos. Aprofundamento da problemática através de farta documentação acostada aos autos. Levantamento de polêmicas como a falta de segurança das usinas e a destinação dos resíduos nucleares gerados. Deliberação pela Comissão de Direito Ambiental no sentido de manifestação restrita à constitucionalidade ou não do empreendimento. Fundamento da iniciativa do Executivo na retomada das obras: Resolução n° 03/07 do Conselho Nacional de Política Energética. Entendimento uníssono da necessidade de aprovação específica do Congresso Nacional no que tange às iniciativas e atividades nucleares relativas à Angra III, em conformidade com os seguintes dispositivos constitucionais em vigor: art. 21, XXIII; art. 49, XIV e 225, § 6°. Inconstitucionalidade declarada.”


ACÓRDÃO
Vistos discutidos e relatados os presentes autos, decidem os integrantes da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos em acolher o parecer do relator, nos termos do relatório e voto que passam a integrar o presente julgado.

Rio de Janeiro, 19 de março de 2008.

Flávio Villela Ahmed Fernando Cavalcanti Walcacer
Presidente                                                  Relator



Senhores Membros,

O presente processo teve início com o expediente dirigido pelo Sr. Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RJ ao Sr. Superintendente Regional do IBAMA, em 19 de junho de 2007, solicitando informações a respeito do procedimento de licenciamento ambiental da terceira unidade da central nuclear Almirante Álvaro Alberto (Angra III) – o qual, segundo notícia veiculada pela imprensa, estaria sendo feito sem a publicidade exigida pela Constituição e pelas leis do país.

Veio aos autos, em seguida, cópia da petição inicial de ação civil pública movida em 2006 pelo Ministério Público Federal em face do IBAMA e da FEEMA, objetivando a suspensão do procedimento de licenciamento ambiental “até a edição de lei federal definindo a localização de Angra III no sítio em que construídas e instaladas as usinas nucleares Angra I e Angra II, ou em outro sítio”, bem como “a aprovação específica do Congresso Nacional no que tange às iniciativas e atividades nucleares relativas à usina nuclear Angra III”, tudo segundo os artigos 225, parágrafo único; 21, XXIII, “a“; e 49, XIV, da Constituição Federal.

Vieram igualmente aos autos o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA de Angra III, e documento da Associação Civil Greenpeace, datado de novembro de 2007, dando conta de duas ações ajuizadas pela entidade contra a construção da usina, “por flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade das medidas que vêm sendo anunciadas pelo governo federal para a retomada do programa nuclear brasileiro. Em 13 de novembro de 2007 a OAB-RJ, por iniciativa desta Comissão de Direito Ambiental, realizou em sua sede concorrida audiência, durante a qual a ELETRONUCLEAR apresentou aspectos ambientais relativos ao projeto de construção de Angra III. Posteriormente diversos outros documentos me foram encaminhados, na qualidade de relator do processo, dentre os quais destaco:

a) parecer do professor José Afonso da Silva, em consulta formulada pelo Greenpeace;

b) termo de ajustamento de conduta firmado entre o Ministério Público Federal, o IBAMA,
Prefeitura de Angra dos Reis e a ELETRONUCLEAR, ainda relativo ao licenciamento ambiental de Angra II;

c) inicial de ação civil pública movida em 2007 pelo Ministério Público Federal contra a Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN e a União Federal contra a construção da usina;

d) inicial de ação civil pública movida pela Associação Civil Greenpeace contra a União Federal, ELETROBRÁS, IBAMA e Fundação Estadual de Engenharia Ambiental – FEEMA, igualmente visando sustar a continuação das obras.

Sessenta anos após a construção das primeiras usinas, a utilização da energia nuclear continua a levantar acesas polêmicas, no Brasil e no exterior. Enquanto países como a Alemanha praticamente desativaram os seus programas nucleares, diante dos riscos e incertezas que continuam a ser levantados pela ciência, outros, como a França, dependem hoje quase inteiramente dessa tecnologia. Se por um lado aponta-se, entre as suas vantagens, a menor emissão de gases de efeito estufa em relação aos combustíveis fósseis e a garantia do abastecimento de energia independentemente de fatores sazonais ou conjunturais, problemas graves persistem a respeito, principalmente, da segurança das usinas e da destinação dos resíduos nucleares nelas gerados. Sem tomar partido nesta discussão, o presente parecer abordará unicamente questões relativas à constitucionalidade da construção de Angra III sem que a mesma tenha sido precedida de expressa manifestação do Congresso Nacional. As usinas nucleares Angra II e III deveriam ser o resultado inicial mais vistoso do ambicioso (e para muitos, megalômano) acordo nuclear assinado em 1975 entre o Brasil e a Alemanha. Às duas usinas pioneiras deveriam seguir-se, em espaço relativamente curto, outras seis centrais nucleares. A construção de Angra II e Angra III foi autorizada pelo Presidente da República, naquele distante ano de 1975, através do decreto 75.870/75.

Em 1975 o Poder Executivo federal podia tudo, ou quase tudo – inclusive autorizar a construção de usinas nucleares sem que fosse preciso dar satisfações ao Congresso Nacional ou à opinião pública. Ainda não havia sido instituído o licenciamento ambiental de atividades potencialmente poluidoras, e todo o controle das atividades nucleares (inclusive dos aspectos ambientais a elas relacionados), estava em mãos da poderosa Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN. Somente em 1989, com a entrada em vigor da nova Constituição Federal, o licenciamento ambiental das usinas nucleares passaria ao IBAMA.

A crise econômica do início dos anos 80 afetou em cheio o programa nuclear brasileiro. As obras de Angra II estiveram paralisadas durante um longo período, fazendo com que a usina somente fosse inaugurada em 1992. Angra III até hoje não passa de uma imensa cratera, à espera da instalação de equipamentos importados há muitos anos, cujo armazenamento provisório custa ao país algumas dezenas de milhões de dólares ao ano.

A Constituição Federal de 1988 alterou profundamente o papel do Congresso Nacional – como visto, até então irrelevante - na condução da política nuclear do país. Assim, o art. 21, inciso XXIII, “a”, dispôs que “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”; o art. 49, inciso XIV, estabeleceu a competência exclusiva do Congresso Nacional para “aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares”; e, finalmente, o art. 225, parágrafo 6o, determinou que “as usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas”.

Vigente a nova Constituição, de pronto colocou-se a questão de saber se as novas normas se aplicariam às usinas Angra II e Angra III, cuja construção se iniciara no regime constitucional anterior. A Justiça Federal de 1o grau no Rio de Janeiro entendeu que sim, e uma liminar determinou a paralisação imediata das obras. Mas o TRF da 2a Região suspendeu provisoriamente os efeitos desta decisão, em acórdão assim redigido (MS no 91.02.13929-4/RJ, rel. desembargador federal Clélio Erthal):
“Processual Civil. Liminar sustando o prosseguimento das obras das usinas Angra II e Angra III. Havendo o Congresso Nacional liberado as verbas necessárias ao prosseguimento das obras das usinas nucleares Angra II e Angra III, e já estando paga a quase totalidade dos equipamentos importados, não se justifica a suspensão liminar das mesmas, ao argumento de que inexiste lei específica definindo a respectiva localização, na forma hoje recomendada pelo artigo 225, 6o, da Constituição de 1988.
Segurança concedida para emprestar efeito suspensivo ao agravo interposto da decisão impugnada”.

Esta decisão “provisória” ainda hoje se mantém, dezessete anos passados. Foi ela que permitiu que as obras de Angra II prosseguissem e que a usina finalmente entrasse em operação. Mas Angra III permaneceu durante todo este tempo à espera de que a errática política nuclear do país se resolvesse enfim pela continuidade da construção – o que só aconteceu recentemente, com a Resolução 03 do Conselho Nacional de Poítica Energética - CNPE, de 07-08-2007, determinando que a ELETROBRÁS e a ELETRONUCLEAR conduzissem a retomada da obra, com vistas à sua entrada em operação em 2013. Creio que a vetusta decisão do TRF, tomada em 1991 e até hoje o principal sustentáculo para a continuidade do programa nuclear brasileiro sem a expressa aquiescência do Congresso Nacional merece ser revista.

Todas as dúvidas que ainda hoje cercam o risco embutido no aproveitamento em larga escala da energia nuclear, o debate em torno do preocupante aquecimento do clima e a utilização de fontes de energia renovável, menos poluentes, recomendariam, por si só, que decisões tomadas na década de 1970 por um governo autoritário, sob um regime constitucional extremamente centralizador, fossem reexaminadas - especialmente quando se tem em vista que os recursos gastos até hoje com a importação de equipamentos e a sua manutenção, embora vultosos, representam uma parcela pequena diante daquilo que o país ainda precisaria investir para que Angra III finalmente entrasse em operação.


A Advocacia Geral da União continua a sustentar, nas ações visando sustar a continuidade das obras, que tendo sido elas iniciadas antes da entrada em vigor da nova Constituição, deveria prevalecer a orientação jurisprudencial de que “quando o texto constitucional pretende assumir efeito retrospectivo, deve assim se manifestar expressamente” (RE 136926-DF, DJ 15-04-1994, rel. min. Moreira Alves).

A meu ver, tal entendimento não se aplica ao caso em tela. O decreto presidencial 75.870/75, que autorizou a construção de Angra III, foi expressamente revogado em 1991. Desde então, nada menos do que 17 anos transcorreram, sem que durante todo este tempo o governo federal tenha dado prosseguimento à obra– sinal inequívoco, a meu ver, senão da desnecessidade da usina, ao menos da falta de urgência em sua construção. Neste meio tempo, no caminho aberto pela Constituição Federal, o país consolidou uma legislação ambiental reconhecida como das mais avançadas e abrangentes do planeta, consagrando princípios como os da precaução e da prevenção do dano ambiental, da participação popular na defesa e proteção do meio ambiente, do respeito aos direitos das gerações futuras. Nestes últimos vinte e cinco anos o procedimento de licenciamento ambiental de atividades potencialmente poluidoras, submetido ao crivo permanente da sociedade, se universalizou.

Em relação ao controle social da utilização da energia nuclear, contudo, é forçoso reconhecer que pouco se avançou entre nós, desde a edição da Constituição Federal. A todo-poderosa Comissão Nacional de Energia Nuclear continua absorvendo, de forma irregular, funções relativas à promoção e incentivo da produção e comércio de minérios e materiais nucleares, e à fiscalização de seu uso. Com razão o professor Paulo Affonso Leme Machado considera este acúmulo de funções inexeqüível, lembrando que a Convenção de Segurança Nuclear, aprovada pelo Congresso Nacional, estabelece que as partes contratantes tomem medidas apropriadas para assegurar uma efetiva separação entre as funções do órgão regulatório e aquelas de qualquer outro órgão ou organização relacionado com a promoção ou a utilização de energia nuclear exatamente o contrário daquilo que por aqui ainda acontece.

O fato de o governo federal haver investido há quase trinta anos recursos significativos nas obras preliminares de Angra III e, desde então, na conservação dos equipamentos importados, não pode ser tomado como argumento definitivo a favor da continuidade das obras. O Congresso Nacional teria agido com inacreditável irresponsabilidade se houvesse permitido, ao negar tais recursos, que os equipamentos se deteriorassem com a ação do tempo. Mas daí a concluir que esta previsão orçamentária represente uma autorização do Congresso, ainda que tácita, para a continuidade das obras, vai a meu ver uma enorme distância. Entendo que não há como deixar de aplicar, para a retomada das obras, o disposto na Constituição Federal. Se elas tivessem prosseguido regularmente, sem solução de continuidade, desde a vigência do texto anterior, a situação seria claramente outra. Não faria sentido interrompê-las, à espera da manifestação extemporânea do Congresso. Mas não foi isso o que aconteceu. O que se pretende agora é retomar obras paralisadas há muitos e muitos anos.

Se fosse outro o tema em questão, talvez até se pudesse admitir uma interpretação menos rigorosa. Mas trata-se de matéria que envolve riscos imensos e incertezas de toda ordem. O que fazer, por exemplo, com os perigosíssimos resíduos nucleares, cuja destinação final até hoje não encontrou solução satisfatória, nem no Brasil, nem em qualquer outro país? A ELETRONUCLEAR promete ter uma solução definitiva para tais resíduos até 2014; mas nada, rigorosamente nada, indica que exista uma solução confiável a caminho, ao menos num horizonte previsível de tempo. Da mesma forma, a questão da remoção da população afetada, na hipótese de um acidente de dimensões graves, até hoje também não encontrou resposta adequada por parte das autoridades envolvidas.

A Constituição Federal de 1988, atenta à gravidade da temática nuclear, alterou radicalmente o direito anterior. Ela colocou o Congresso Nacional no centro das decisões a respeito do tema – e o fez em três dispositivos de meridiana clareza - os artigos 21, inciso XXIII, “a“; 49, inciso XIV; e 225, parágrafo 6o, acima citados. O conjunto desses dispositivos representa uma firme opção no sentido de submeter a atividade nuclear desenvolvida no país a um controle maior da sociedade. A Constituição retirou da esfera exclusiva do Executivo decisões que podem comprometer não apenas os interesses das gerações atuais, como também o das gerações futura – o que está perfeitamente de acordo com os princípios basilares do Direito Ambiental, um direito comprometido com a vida, a qualidade de vida, os direitos das gerações futuras. Negar que a construção de Angra III deva submeter-se a tais mandamentos, além de privilegiar um formalismo jurídico anacrônico e injustificável, vai a meu ver contra os interesses do Estado democrático de direito.

Em conclusão, parece-me que a iniciativa do Executivo de retomar as obras há muito paralisadas de Angra III, tomada pela Resolução do Conselho Nacional de Política Energética no. 03/ 2007 necessita ser submetida ao Congresso Nacional, como exigência da ordem constitucional vigente.

 Rio de Janeiro, 18 de março de 2008

FERNANDO CAVALCANTI WALCACER
                    Membro Relator


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