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Contaminação de poço por urânio é confirmada

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Contaminação de poço por urânio é confirmada
Jornal A Tarde - Salvador - 05/11/2008
O Instituto de Gestão de Águas e Clima (Ingá) confirmou na terça-feira, 4, na sede do órgão, no bairro do Itaigara, em Salvador, a contaminação por urânio da água de um dos poços da Vila de Juazeiro, em Caetité (a 757 km de Salvador). De acordo com análises laboratoriais, a água do poço 67 tem cinco vezes mais urânio que o limite estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
O exame foi feito em laboratório do Centro de Tecnologia Industrial Pedro Ribeiro – Cetind, vinculado ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) contratado pelo Instituto de Gestão de Águas e Clima (Ingá), autarquia vinculada à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema).
A amostra do poço 67 foi a única das sete coletadas na região, no último dia 22, que teve contaminação confirmada. As análises foram feitas por iniciativa do Ingá e do Instituto do Meio Ambiente (IMA) depois que o Greenpeace denunciou a contaminação por urânio em Caetité, município onde fica uma mina de urânio e uma unidade de produção de concentrado de urânio operadas pelas Indústrias Nucleares Brasileiras (INB).
O resultado, informado pelo Senai/Cetind indica que o parâmetro urânio total, medido em mg/l, pelo método EN 304 ESP (EPA 6010B/3010A) do poço 67 foi 0,099. O valor estabelecido pelo Conama, na Resolução 357, é de 0,02. Esta resolução trata da classificação dos corpos de água, do seu enquadramento e das condições e padrões de lançamento de efluentes.





De acordo com o presidente do Ingá, Júlio Rocha, as análises foram feitas com os mesmos métodos usados pelo Greenpeace para verificar a veracidade da denúncia, que teve repercussão nacional e deixou a população da Vila de Juazeiro assustada. “O poço no qual constatamos a contaminação não é necessariamente o mesmo poço que o Greenpeace detectou o problema, mas fica na mesma região”, disse.





VILA – Na terça, o morador da Vila de Juazeiro, José Carlos Pereira, 52 anos, confirmou a presença de técnicos da Defesa Civil enviados pelo governo do Estado, mas afirmou que nenhuma alternativa foi oferecida às famílias que consomem a água do poço 67.





Ele próprio usa daquela água para a dessedentação do seu pequeno rebanho. Apesar de preocupado, ele disse estar aliviado por não ter sido detectada contaminação no “poço amazonas”, que serve à maioria das cerca de 200 famílias daquela comunidade e que estava sob suspeita.

De acordo com o gerente de produção da INB, Hilton Mantovani Lima, o poço 67 não faz parte da rede de monitoramento da empresa porque é de baixa vazão. Ele disse que, mesmo assim, a empresa também fez coleta da água e deve divulgar hoje o resultado das análises. A empresa nega que a contaminação detectada esteja relacionada com a mineração de urânio.


Análises detectaram níveis de urânio cinco vezes acima do limite
Análises detectaram níveis de urânio cinco vezes acima do limite

Fonte: http://www.afen.org.br/noticias_conteudo.php?id=218
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“Os Operários que o Governo Esqueceu”

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IRRESPONSABILIDADE NUCLEAR

Em 07 de outubro de 2005, a publicação da reportagem do Correio Braziliense intitulada “Os Operários que o Governo Esqueceu”, trouxe à luz para a sociedade um gravíssimo caso de contaminação nuclear crônica por urânio e tório dos trabalhadores das Indústrias Nucleares do Brasil – INB, que atuavam na Usina Santo Amaro (USAM), no coração do município de São Paulo. Dentro do pequeno universo pesquisado, a reportagem apresenta 14 mortes advindas das condições inadequadas de trabalho, principalmente as relacionadas à radioproteção dos trabalhadores da instalação.


A gravidade do fato gerou imediatamente a realização de uma Audiência Pública na Câmara dos Deputados, subscrita por 5 (cinco) Deputados Federais, marcada inicialmente para 20/10, com o objetivo de apreciar e discutir o assunto.


O caso é emblemático, mantido “embaixo do tapete” por mais de 10 anos, demonstrando as conseqüências trágicas de manter fragilizado o órgão regulador na área de radioproteção e segurança nuclear, dentro de uma atuação condescendente, baseado na obscuridade de uma promiscuidade administrativa, onde a própria CNEN, através da INB e anteriormente Nuclebrás, era proprietária da Usina Santo Amaro, o que a fazia “fiscal de si mesma”.


As autoridades anteriores da área nuclear tratavam a operação desta instalação sob o enfoque da “soberania e segurança nacional”, e por isso, se eximiam das obrigações impostas pela legislação para a radioproteção dos trabalhadores. Quantos outros casos idênticos ocorreram ? dos quais só saberemos no futuro, e quantos mais irão ocorrer ?


A mesma filosofia, que possibilitou que esta barbárie fosse praticada em território nacional, ainda encontra abrigo em boa parte das principais autoridades e personalidades do setor nuclear, como explicitado na reportagem “O Pai da Bomba Continua na Ativa”, publicada simultaneamente em 20 de setembro de 2005 no Correio Braziliense e no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. Os que sustentam tal filosofia vêm evitando que o País tenha um órgão regulador independente, e se opõem, baseado em argumentos ultrajantes, à criação de um arcabouço legal que apresente o reconhecimento oficial e a delegação de competências aos agentes responsáveis pelas auditorias e fiscalizações na área nuclear, em semelhança a outros órgãos federais de fiscalização.


Resta saber até que ponto os interesses ditos como desoberania e defesa nacionais continuarão se sobrepondo aos da segurança da população.”


Fonte: http://www.afen.org.br/artigos_conteudo.php?id=13

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As Novas Usinas Nucleares

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Rio São Francisco e rio Tietê podem abrigar novas usinas

(Parte integrante da matéria Angra 3 pode abrir caminho para novas usinas atômicas no país)

Além de Angra 3, o Brasil pode vir a ter em seu território mais oito usinas nucleares em funcionamento nos próximos 22 anos. Ao menos é o que indica o Plano Nacional de Energia 2030, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética do Ministério de Minas e Energia (EPE/MME). Trata-se do principal estudo do governo federal para a formulação de políticas de oferta de energia no longo prazo.

De acordo com o plano, analisadas todas as possibilidades de oferta disponíveis no país, será preciso construir, até 2030, outras quatro unidades nucleares para suprir a demanda energética, num cenário econômico considerado mediano - com crescimento de cerca de 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano. Esse número de usinas, no entanto, poderá dobrar, segundo o estudo, que leva em conta também conjunturas de atividade econômica mais intensa. O Nordeste e o Sudeste são os destinos previstos para os novos reatores nucleares.

Apesar de não haver ainda estudos oficiais sobre a localização dessas usinas, o presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, tem falado publicamente sobre alguns territórios cogitados. São eles o baixo rio Tietê, em São Paulo, próximo a Mato Grosso do Sul, algum lugar às margens do rio Grande, em São Paulo ou Minas Gerais, e nas proximidades do rio Doce, no Espírito Santo. A primeira delas, contudo, seria instalada entre a foz do rio São Francisco e a Hidrelétrica de Xingó, em Sergipe ou Alagoas, com entrada em operação prevista para 2017.

Embora incipiente, a proposta já sofre oposição de setores organizados. Luiz Carlos Fontes, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) - órgão responsável por discutir as prioridades de uso dos recursos hídricos locais -, destaca que a entidade não é contrária, por princípio, a esse tipo de energia. Ele pede, no entanto, mais interlocução por parte do setor nuclear. "Sei que esse debate está no início, mas, por prever um tipo de utilização do rio que desperta apreensão da população, esperava-se que eles estabelecessem um diálogo", argumenta.

As usinas nucleares brasileiras, tanto as previstas como as já construídas, baseiam-se em modelo que emprega água para refrigeração das turbinas, e o rio São Francisco, nesse caso específico, seria a fonte utilizada. Contudo, na avaliação de Heitor Scalambrini Costa, professor da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador da área de energia, já há uma disputa excessiva por suas águas - vide, por exemplo, o projeto de transposição do rio. "Existem saídas mais vantajosas para o investimento em geração no Nordeste, por exemplo em energia solar, eólica e produzida a partir do bagaço da cana-de-açúcar", afirma ele.

Angra 3 pode abrir caminho para novas usinas atômicas no país

Concebida inicialmente em 1970, a construção da terceira usina nuclear brasileira volta à tona na condição de prioridade do governo Lula. Angra 3 é apenas o primeiro passo de um ambicioso projeto de expansão nuclear

Por André Campos

Simulação indica local previsto para construção
de Angra 3 (Fonte: Eletronuclear)
No dia 25 de junho, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) - órgão que assessora a Presidência da República em questões relativas ao tema - reuniu-se para deliberar sobre um assunto sempre polêmico: energia nuclear. Na pauta do encontro, a retomada da construção da usina de Angra 3, projeto concebido originalmente na década de 1970, no auge da ditadura militar, e desde então ressuscitado ou engavetado ciclicamente ao sabor dos ventos políticos. Desta vez, a proposta foi aprovada de forma acachapante. Dos oito ministérios com assento no órgão, apenas um se posicionou contra a obra. Marina Silva, titular da pasta do Meio Ambiente e notória opositora da expansão nuclear no país, foi o voto vencido.

Dias antes, durante a inauguração de uma plataforma petrolífera, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já encampava publicamente a construção da terceira usina atômica brasileira. "Para crescermos acima de 5%, vamos ter de dizer aos investidores que não vai faltar energia a partir de 2012", disse. "A tecnologia do Brasil é perfeita. Nunca acontecerá aqui o que ocorreu em Chernobyl [localidade que fazia parte da União Soviética - hoje Ucrânia - que se tornou célebre por causa de um desastroso acidente em usina nuclear em maio de 1986]."

A aprovação no CNPE e o apoio presidencial catapultaram Angra 3 à categoria de prioridade na agenda do governo federal. O Planalto espera inicialmente que a usina esteja funcionando já em 2013 - meta que supõe início urgente das obras. Para que isso ocorra, no entanto, ainda é preciso conseguir o licenciamento ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). "Esperamos obter a licença prévia para a instalação da usina até o final deste ano", diz Leonam Guimarães, assistente da presidência da Eletronuclear - estatal que detém o monopólio da construção e operação de usinas atômicas no Brasil.

E mais: longe de ser idéia isolada, Angra 3 pode ser o primeiro passo rumo a uma expansão vertiginosa do parque nuclear brasileiro, com a construção de até oito outras unidades nas próximas duas décadas.

Persistem, no entanto, grandes questionamentos relacionados ao projeto, que incluem desde dúvidas quanto à racionalidade econômica do investimento nesse tipo de energia até às conhecidas críticas sobre seus problemas ambientais - ainda que alguns dos principais defensores da energia atômica da atualidade tenham "berço" ambiental. Além disso, a própria estrutura do programa nuclear nacional desperta freqüentes suspeitas em relação à falta de transparência e fiscalização.

Planejamento energético
Originalmente, a concepção de Angra 3 remonta a 1975, quando foi assinado um acordo de cooperação nuclear entre Brasil e Alemanha, que previa a construção de oito usinas. Seis anos antes, o governo militar já havia adquirido da americana Westinghouse o reator que daria origem à Angra 1, inaugurada em 1985. A recessão da década de 1980, contudo, aliada a decisões políticas da época, emperrou a implantação das duas outras unidades previstas para o complexo de Angra dos Reis (RJ). A segunda delas, Angra 2, começou a sair do papel em 1976, mas só entrou em operação em 2000.

Para presidente Lula, tecnologia atômica brasileira
é "perfeita" (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
O projeto de Angra 3 é praticamente uma réplica do de Angra 2. Desenhada para gerar o equivalente a 34% do consumo atual do estado do Rio de Janeiro, ela elevará, caso concretizada, para mais de 80% a participação da energia nuclear na matriz energética fluminense. O valor a ser despendido em sua construção é estimado em R$ 7,2 bilhões, descontando-se todos os gastos com equipamentos já adquiridos e também com sua manutenção - algo que, de acordo com a estatal, consome hoje cerca de US$ 20 milhões anuais.

Para angariar apoio, defensores de Angra 3 tentam mudar a idéia de que a energia atômica é cara e pouco competitiva. A Eletronuclear afirma que a tarifa a ser cobrada pela produção da usina ficará em torno de R$ 140 por megawatt/hora, um valor compatível, segundo a empresa, com os preços internacionais desse tipo de energia - e que desvia muito pouco da média de R$ 137,44 por megawatt/hora alcançada pelas usinas térmicas vencedoras dos leilões governamentais para contratos a partir de 2011.

Numa perspectiva mais ampla, contudo, essa competitividade sofre contestações. Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil - que objetiva viabilizar o empreendedorismo privado no setor elétrico brasileiro -, faz um comparativo entre a Hidrelétrica de Estreito, atualmente em construção, e dados da produção média de Angra 2. E conclui que, sem atrasos ou estouros de orçamento, a energia da nova usina nuclear será 25% mais cara que a de Estreito.

Leonam Guimarães, da Eletronuclear, questiona esse tipo de comparação. "A oposição entre Angra 3 e hidrelétricas não faz sentido, são projetos complementares. No planejamento, o governo considerou todas as fontes de energia disponíveis, e a usina nuclear aparece como uma necessidade já antes de 2015", argumenta. Ele afirma ainda que, caso não se invista em Angra 3, será preciso implantar termelétricas movidas a carvão - decisão desvantajosa devido à grande emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa.

Estudos como a "Agenda Elétrica Sustentável 2020", desenvolvida por especialistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para a ONG WWF-Brasil e lançada em setembro do ano passado, tentam mostrar que o planejamento poderia seguir outros caminhos. Segundo o documento, investimentos em formas alternativas de energia, como a eólica e a proveniente de biomassa, somados a medidas de eficiência - visando, por exemplo, diminuir as perdas nos sistemas de transmissão existentes - podem reduzir a demanda esperada de eletricidade para 2020 em até 38%. "Isso corresponde à geração de 60 usinas nucleares como a de Angra 3", exemplifica o estudo.

Armazenar equipamentos de Angra 3 já
adquiridos custa US$ 20 milhões anuais aos
cofres públicos (Foto:Eletronuclear)
Em resposta a essa posição, defensores da matriz atômica argumentam que os custos desses empreendimentos ainda são um obstáculo para sua competitividade no cenário nacional. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realizou, em julho deste ano, o 1º leilão nacional para compra de energia proveniente de fontes alternativas, mas nenhum projeto eólico participou. O setor considerou baixo o preço-teto de R$ 140 por megawatt/hora estabelecido pelo governo - valor correspondente ao que a Eletronuclear encampa para as tarifas de Angra 3. Num resultado ainda tímido, os contratos provenientes do leilão, que envolveram apenas termelétricas movidas a biomassa e pequenas centrais hidrelétricas, resultarão num aumento de 638,6 megawatts para o parque energético brasileiro. Esse montante representa um pouco menos da metade da geração de energia prevista para Angra 3.

Rede de interesses
Além das grandes construtoras, também aguardam ansiosamente pela liberação de Angra 3 setores da área atômica que esperam alcançar a auto-suficiência nacional na produção de combustível nuclear. Apesar de o Brasil já dominar essa tecnologia, parte do ciclo de processamento do urânio ainda é feita no exterior, pois não há escala para justificar economicamente tais atividades - realidade que tende a mudar com a construção de novas usinas.

A cobiça para o desenvolvimento da exploração e o enriquecimento do urânio é grande. O território nacional abriga a sexta maior reserva internacional desse minério, fator que incentiva tais interesses. Segundo Alfredo Tranjan Filho, presidente das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) - empresa de economia mista responsável pela exploração e beneficiamento de combustível atômico no país -, Angra 3 e as demais unidades previstas trazem a necessidade de aumentar a produção da mina de Caetité (BA), além da lavra de uma nova jazida em solo nacional. "A INB está em busca de um parceiro para explorar a mina de Santa Quitéria (CE)", revela.

Entre os que estão de olho nesse mercado destaca-se a Vale, que abandonou o nome comercial Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e declara publicamente ter interesse em parcerias com o governo para explorar o minério. A mineradora já explora o minério na Austrália. A Constituição brasileira, porém, determina ser a lavra do urânio monopólio da União.




Após a leitura de uma matéria tão rica em informações, coesa e clara podemos avaliar a função política de uma matéria como esta abaixo.

Rio São Francisco pode ter 2 usinas nucleares

Estatal Eletronuclear aponta localização em relatório técnico, que analisou 20 áreas de quatro Estados nordestinos

Programa nuclear prevê quatro usinas até 2030, duas no Nordeste e duas no Sudeste; definição será política e deve sair até março


MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As duas próximas usinas nucleares a serem construídas no Brasil ficarão localizadas às margens do rio São Francisco, que corta parte da região Nordeste, indicam estudos técnicos que serão levados à decisão política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos ministros responsáveis pelo programa nuclear brasileiro.

O programa nuclear prevê a construção de mais quatro usinas de 1.000 MW até 2030, duas no Nordeste e duas no Sudeste -onde os estudos estão mais atrasados. No Nordeste, a estatal Eletronuclear analisou a possibilidade de construção em 20 locais de quatro Estados: Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Mas áreas próximas ao litoral foram descartadas por causa da existência de grandes reservatórios subterrâneos de água, apurou a Folha.


A presença de aquíferos é um dos fatores que condenam a instalação de usinas nucleares, que, no entanto, precisam contar com grande oferta de água para o resfriamento do combustível usado, à base de urânio enriquecido. Outros critérios levados em conta nos estudos da Eletronuclear foram estrutura geológica estável, proximidade de linhas de transmissão de energia, baixa concentração populacional e condições adequadas de infraestrutura, como estradas. A escolha do local levará em conta as indicações técnicas e também critérios políticos. Os governadores dos quatro Estados disputam o investimento de bilhões de dólares. A decisão deverá ser tomada pelo governo federal até março, prevê o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende. A construção de usinas nucleares às margens do São Francisco já havia sido estimulada no passado pela CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), antes de o governo decidir erguer mais duas usinas no Nordeste até 2030. Os principais argumentos foram a disponibilidade de água e o fato de o Nordeste precisar atrair investimentos para aumentar a renda da região.


O rio São Francisco já é base da maior obra do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) bancada com dinheiro dos tributos arrecadados pela União. A transposição do São Francisco prevê o desvio de parte das águas do rio para regiões do semiárido de quatro Estados nordestinos: Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. A primeira parte da obra deve ser inaugurada até o fim do ano. Como qualquer outro empreendimento de infraestrutura, a instalação das usinas no Nordeste dependerá da emissão de licença ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).


Embora o governo preveja a construção das duas usinas no NE a partir de 2014, quando está prevista a inauguração de Angra 3, os estudos coordenados pela Eletronuclear são para a criação de uma central nuclear com seis usinas de 1.000 MW cada uma. As demais quatro usinas da região seriam erguidas nas décadas seguintes.

Lobby
O governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), é quem faz o lobby mais aberto na disputa pelas usinas. "Alagoas tem o mais baixo índice de desenvolvimento humano do país, por isso reivindicamos com muita força esse empreendimento", disse o governador. "Todos querem, é claro."


Dos quatro governadores que disputam as usinas, ele é o único de um partido da oposição ao governo federal. Marcelo Déda (PT), de Sergipe, Jaques Wagner (PT), da Bahia, e Eduardo Campos (PSB), de Pernambuco, já manifestaram interesse em abrigar as usinas.


Wagner e Campos defenderam a instalação das usinas na fronteira dos dois Estados, às margens do São Francisco, em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), mas a proposta enfrenta obstáculos legais.


Drausio Atalla, supervisor da Presidência da Eletronuclear para Novas Usinas, calcula que as usinas de Angra dos Reis tenham sido responsáveis pelo aumento da arrecadação de impostos em cerca de R$ 500 milhões, além da criação de milhares de empregos. Para ele, a instalação de usinas nucleares poderia "alavancar o desenvolvimento" no Nordeste.


Fonte: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1241
- Folha de São Paulo de 15/01/10
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Depoimentos das Vitimas do Césio 137

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Foto: Leide das Neves

“Naquele dia, dei uma bronca no Ivo (irmão de Devair) porque ele não tinha ido vê-lo, e meu cunhado e a Maria Gabriela estavam doentes. Quando ele voltou, já trazia o césio no bolso, achando que alegraria todos. Depois de tocar no césio, minha filha Leide foi comer um ovo que preparei para ela, que andava ruinzinha para comer. Não notei que ela não tinha lavado a mão, mas achei estranho a cor escura do caldo que escorria entre os dedos que seguravam o ovo, e acabei dando uma bronca. Mas já era tarde. A partir dessa noite ela arroxeou a boca. Poucos dias depois morreu. O efeito físico que sofri do acidente? Essa ferida no coração.” Lourdes das Neves Ferreira, 50 anos, grupo 1



Este anexo é composto de 63 depoimentos de pessoas radioacidentadas em Goiânia. Os depoimentos têm como fonte principal a reportagem especial do jornal O Popular, edição de 28/9/2002, sobre os quinze anos do acidente radioativo de Goiânia.

O POPULAR ONLINE CÉSIO 137 – 15 anos

Coordenação editorial: Cileide Alves; edição: Silvana Bittencourt e Luiz Spada; pesquisa e reportagem: Marília Assunção; projeto gráfico (impresso): André Rodrigues; arte: Christie Queiroz; colaboração: Amanda Dorian; Webdesign: Dept. de Internet / OJC


1. (...) a faxineira Zilda Maria de Jesus, encarregada de limpar a casa das pessoas contaminadas. Hoje com 49 anos ela tem câncer no cérebro e no pescoço, submeteu-se a quatro cirurgias este ano e não tem mais esperanças, sabe que vai ser a décima-nona vítima fatal de um crime que até hoje não foi devidamente punido. http://www.no.com.br/revista/noticia/49951/1008159956000


2. “Tenho uma área de uns 42 metros quadrados na minha casa, onde já coloquei bar, mas ninguém freqüentava. Depois mudei para uma fruteira, mas foi a mesma coisa. Fiz curso de costura, tenho máquinas, sou costureiro profissional, eu e minha mulher, mas também isso não deu certo. O que mais me revolta é que nos tiraram o direito de trabalhar, de sermos produtivos. Hoje eu me sinto um parasita”, desabafou.http://www.ecoagencia.com.br/


3. “Tenho uma filha de 16 anos (ela tinha seis meses na época do acidente) que não pode fazer Educação Física no colégio, porque seus ossos doem terrivelmente. Tenho uma netinha que nasceu com peso e estatura abaixo do normal, e um outro que nasceu com um pezinho e uma mão dormentes”. http://www.ecoagencia.com.br/


4. “A radiação não tem uma doença específica, mas, infelizmente, ela agrava todas as outras doenças. Ou seja, um simples resfriado em você, em mim seria uma gripe terrível”. http://www.ecoagencia.com.br/


5. “A maioria dos jovens daquela época caiu nas drogas ou na bebida. Muitas meninas engravidaram muito cedo, com 12, 14 anos. Não há como você reunir as pessoas acidentadas porque elas mesmas se discriminam. Eu mesmo, estou aqui falando com você, mas não sei o que você pode estar pensando. Sempre fica essa sensação de insegurança em relação aos outros”. http://www.ecoagencia.com.br/


6. “Aquilo que aconteceu em Goiânia poderá acontecer a qualquer momento em qualquer outro lugar no Brasil. Nós percebemos que as autoridades não tiraram proveito da situação, não aprenderam nada com o acidente. Os médicos não aprenderam nada, pois não foi feito qualquer tipo de pesquisa. Se você perguntar aos médicos que trabalharam conosco nesses 15 anos o que a radiação pode fazer ao ser humano, eles não saberão responder porque não foi feito nenhum tipo de estudo. Eles não fizeram o acompanhamento comparativo entre as doenças que a população tem e que a população radioacidentada apresenta. Só agora é que estão pensando em fazer uma pesquisa desse tipo, mas já se perdeu muito da chance de encontrar nexo de causa e efeito entre a exposição e as doenças”. http://www.ecoagencia.com.br/


7. “Morava perto do meu tio Devair. Quando a gente foi visitá-los, a PM tinha isolado tudo. Fui no estádio e vi minha tia Maria Gabriela. Quando pedi a mão para pedir uma benção, um PM barrou e disse que não podia. Fui parar na Febem também. Um dia, nós, as crianças que estavam presas na Febem, fomos matar o tempo lavando o chão, mas acabamos contaminando os pés de novo. Lavei os meus com tanta força que saiu sangue. O médico ficou assustado e disse: ‘Não precisava fazer assim, minha filha’, mas valeu porque tive alta. Jamais vou esquecer do meu cãozinho que a CNEN matou a machadadas. Eu tinha dez anos, hoje só tenho pensão da União. O Estado não me reconhece. Tenho pressão alta e já sofri dois abortos.” (Gislene Regina Bastos, 25 anos, grupo 3)


8. “Hoje estou aposentado por doença, mas na época era da ativa, na Companhia de Trânsito do 1o Batalhão da PM, quando me chamaram onde estava de serviço, entre a Rua 4 e a Avenida Goiás, no Centro, para isolar uma área com vazamento de gás. Ficamos no fundo do Mercado Popular até que chegaram os homens da CNEN, de macacão e tudo. Eles afastavam os cavaletes e onde a gente estava e, cada vez que o aparelho disparava, mandavam a gente ir embora tomar anho de sabão e vinagre. Mas minha roupa a gente lavava em casa. Hoje sofro com gastrite, artrite, já fiz cinco cirurgias no joelho e tomo remédio para depressão.” (Eliaquim da Costa Aquino, 38 anos, não pertence a nenhum grupo)


9. “Eu era chefe da Fiscalização de Alimentos da Vigilância Sanitária na época. Fazia o controle de alimentos durante o Grande Prêmio de Motociclismo, quando a Maria Gabriela levou a cápsula dentro de um saco de náilon. Ao retornar, apurei a situação e fiz contato com um amigo da Nuclebrás. Ele passou um cintilômetro na minha roupa e o aparelho sinalizou: eu estava com césio na roupa. Fui em casa trocá-la, e depois segui com ele rumo ao ferro velho. Mas na Avenida Anhangüera, o cintilômetro disparou ao máximo. Ele se recusou a prosseguir, recomendando acionar a CNEN. A discriminação era tanta que um dia me deparei com esse colega medindo a porta de minha casa. Acho que a CNEN até orientou as pessoas na época, só que não deu apoio psicológico. Não tenho nenhuma doença.” (Rosa Bento Gonçalves, 42 anos, grupo 1)


10. “Eu tocava um bar na 15-A, e lembro que estava indo comprar carne quando vi o Ernesto indo para a mãe dele, mas não liguei. À noite vi na televisão o Devair sendo entrevistado e a polícia fechando tudo. Dias depois a CNEN veio e raspou o chão do bar. Tive muitas complicações de saúde depois do acidente: um caroço na viirilha, pressão alta, inchaços, manchas na perna que lembram erizipela, dores ósseas e coloquei três pontes de safena. Nunca tive direito à pensão. Há cerca de dez anos procurei a Suleidel, mas eles se recusaram a tratar de mim. De um ano pra cá passei a ter direito a médico, mas os remédios para o coração e a pressão, não.” (Débora Velasco Lemes, 66 anos, grupo 3)


11. “Quando eu cheguei na casa do meu filho Devair, que já estava passando mal vi aquela peça perto da cozinha, vi o reflexo azul. No dia, fui com minha neta Tatiane que só tinha 4 meses.Meu corpo inchava por causa da radiação. Foi um terror pra mim ver todos os meus filhos (Devair, Ivo, Odesson), minha nora e minha neta, todos doentes. Meu marido morreu há cinco anos, abalado por essa tragédia. Ele foi parando de comer. Às vezes as pessoas corriam da gente, de medo. Eu era lavadeira de roupa na época. Hoje vivo com as duas pensões, uma de R$ 130,00 (União) e a outra de um salário mínimo (Estado).” (Maria Abadia Motta, 73 anos, grupo 1)


12. “Eu era costureira, vizinha do Devair e da Maria Gabriela. No dia 12 de setembro de 1987, eles me chamaram para ver uma peça estranha que ele tinha comprado. Parecia uma marmita inox. Alguém sugeriu até que ela transformasse aquilo em panela. No dia 18 eles já estavam mal. Pelo menos 40 membros da minha família foram atingidos por essa tragédia. Até hoje sofro com gastrite, dor de cabeça, depressão, angústia. Meus filhos e netos são pessoas revoltadas, que tiveram um bom padrão de vida, e de repente não tinham nem roupa, viviam da ajuda alheia. Muitos deles não são reconhecidos como vítimas nem muito menos recebem pensão. As minhas são uma piada, somam R$ 266,00 (valor de julho), para quem já recebeu mais de seie salários mínimos por mês como costureira.” (Santana Nunes Fabiano, 52 anos, grupo 1)


13. “Me lembro da Maria Gabriela levando uma Coca- Cola em uma sexta-feira, na Vigilância Sanitária, onde eu fazia os registros. Ela achava que o refrigerante estava estragado e fazendo mal a todos. Fiz o registro, mas nem deu tempo de fazer o exame. ela voltou na segunda com a cápsula e tudo foi descoberto. Nossa colega Maria das Graças Vieira morreu de câncer depois disso. Hoje tenho gastrite e queda de cabelo constante. Um dia a Diretora do Posto de saúde do Setor Rodoviário tentou me impedir de entrar para vacinar minha filha. A discriminação vinha de todos os lados. Como a Vigilância foi interditada a CNEN não passou o aparelho para me medir. Quanto à Suleidel, estou satisfeita, mas acho que pode melhorar.” (Dulce Helena Silveira dos Santos, 46 anos, grupo 1)


14. “Fazia serviço extra entre as ruas 26 e 57, passando por mais de cinco pontos entre os locais contaminados no Centro, a Fundação e o depósito em Abadia, durante 3 anos. Dos colegas que adoeceram, além de mim (tumor no cérebro, pressão alta, gastrite e problema de circulação), lembro-me do Firmino, do Assis e do Suedi, motorista de uma viatura, que escamava como um peixe. Isso sem contar meu filho, que nasceu faltando uma válvula no coração. Trabalhei de farda e coturno, sem a proteção que eles ( técnicos da CNEN ) usavam. Na Suleidel, me trataram como cachorro quando os procurei, em 1996. Esperam o problema agravar. Fiz um exame a 1 ano, mas a consulta para explicar, nada.” (Marques de Sousa Rodrigues, 38 anos, grupo 3)


15. “ Eu e a Zilda trabalhavamos varrendo rua quando o governo pediu garis da Comurg para ajudar as vítimas na Febem, mas isso ninguém nos contou. Só descobrimos que eram as vítimas do Césio quando vimos as pessoas com os pés e as mãos feridos. No primeiro dia foram 8 garis, no segundo só nós resistimos. Era muito triste. Alguns estavam com a cabeça pertubada. Faziam cocô pelo meio da sala, jogavam coagulos de sangue nas paredes. Muitas vezes não tinha detergente – uma vez faltou durante 8 dias seguidos. A gente usava só água nesses dias. Luvas praticamente não havia. Nossas roupas, a gente lavava em casa, com as outras, por inocência. Um dia tiraram as vítimas e a gente continuou indo durante 15 dias. Ai ligamos na Comurg, e nosso chefe falou que era pra gente continuar lá mesmo: eles não queriam a gente de volta. Hoje estou praticamente cega, tenho pressão alta, gastrite, dores nos ossos, coloquei 3 pontes de safena e tenho osteoporose, mas sou do grupo 3 e não recebo pensão ainda.” (Edevaldina Maria de Jesus, 61 anos, grupo 3)

16. “ Se a gente tem saúde, tem dinheiro. E a minha, eu perdi. Desmaiei a um ano, e de lá para cá descobri uma lesão no lado direito do cérebro. Meu filho Lucimar, irmão da Leide, ficou com lesões na mão e na testa, tem dor no osso da perna e gastrite. Antes eu era dono de um ferro velho. Hoje, vivo com R$ 196,00 de pensão do Estado (valor de julho) e de R$ 266,00 da União. Senti discriminação na própria família. Antes, todos os finais de semana tinha 4 ou 5 carros na porta de casa, para um churrasco; depois sumiram todos. Para mim, a CNEN fez muito pouco, além de uma medição duvidosa que variava, conforme o técnico que estivesse medindo. Já a Suleidel, era tudo até três meses atrás, agora estou profundamente decepcionado e não entro mais lá.” (Ivo Alves Ferreira, 54 anos, grupo 1)


17. “Não quebrei portas ou janelas como disseram. Entrei na Santa Casa porque estava abandonada. Era final de uma tarde de muito sol, e a peça era tão pesada que o carrinho entortou. Lembro direitinho: passamos pela porta do Estádio Olímpico, descemos abaixo da Avenida Oeste, entramos pela 55 e depois pela Rua 80 até chegar em casa, na Rua 57, onde ela foi aberta. Meu braço foi amputado, e hoje os dedos da minha outra mão doem, meu cabelo também cai. As pessoas me rejeitam e nem consigo arranjar namorada. A última, a mãe disse que eu não era boa companhia. Não tenho mais felicidade. Aqui (ferros-velhos da Vila Canaã) é o único lugar onde arrumo uns trocados, fazendo bico; se não, eram só as pensões estadual (R$198,00) e federal (R$ 264,00).” (Roberto santos Alves, 37 anos, grupo 1)

Discriminação
18. "Há pessoas que desde o acidente não namoram, não conseguem emprego, os amigos se afastaram, não recebem amor".


19. Oito casos de malformação em crianças de até 10 anos de idade, nascidas em Goiânia, filhas e netas de vítimas ou vizinhas do local do acidente, estão sendo investigados pelo Ministério Público. A Suleide informou que o acompanhamento realizado durante 15 anos apresentou, no item malformação, os seguintes resultados: 1 criança nasceu com hemangioma cerebral, 3 com hérnia inguinal e 2 com hérnia umbilical.


20. Entre algumas das patologias constatadas decorrentes da radiação estão hipertensão, gastrite (com e sem presença de H. Pylori) dislipidemia, síndrome do pânico, radiodermites, doenças periodontais, malformação congênitas em crianças, atraso no crescimento, transtornos psiquiátricos (traços psicopáticos, depressão).

21. Marli da Costa Freire Ferreira, também tem uma lista de sofrimentos. Discriminação é um dos principais. Quando se mudou, em 1988, para o bairro onde mora hoje, vizinhos organizaram um abaixo-assinado contra sua mudança. "Nossos filhos são os que mais sofrem com isso", reclama. "Eles são discriminados no colégio. Minha filha, hoje com 15 anos, evita dizer quem é para escapar das gozações." (Marli da Costa Freire Ferreira)

22. O sofrimento com a falta de informações e a discriminação tornou-se crônico para Roberto Santos Alves, 28 anos, o catador de papel que retirou a cápsula de césio abandonada das ruínas do Instituto Goiano de Radioterapia. Ele hoje é pura mágoa. "Os responsáveis não vêem a dor e a tristeza em que vivemos desde o acidente e que não vai ter fim", diz. "Não tenho paz e sossego nem para dormir". http://www.nuclear.radiologia.nom.br/irradiad/cesio/cesio3.htm


23. “Pouca gente sabe, mas os médicos do Hospital Marcílio Dias, no Rio de Janeiro, me deram como morta. Eu estava meio morta mesmo. Vi minha filha Maria Gabriela morrer bem na minha frente. Vi a Leide morrer. Eles chegaram a desligar meu balão de oxigênio, mas um enfermeiro teimoso disse que tinha visto meu pé mexer; aí eles ligaram de novo, e sobrevivi. Mas o que me salvou foi um aparelho importado que era colocado na medula. Hoje, uma dor que não passa é saber que apedrejaram o caixão da minha filha. Até enfermeiros correram da gente no antigo Hospital Rassi (atual HGG) e nem dinheiro, vindo da nossa mão, ninguém pegava. Na época eu tinha uma boa renda, meu marido era fazendeiro, mas agora vivo em uma casa alugada, com aposentadoria de 177 reais, e as pensões, que somam 307 reais. Já meus filhos, irmãos da Maria Gabriela, e meus netos, não são reconhecidos, não têm acompanhamento ou pensão, apesar de terem problemas de saúde e psicológicos.”


24. “Não sou reconhecida como vítima nem tenho pensão, mas perdi um filho nesse acidente. Meu rapaz era lindo, e morreu aos 25 anos, de câncer, depois de sofrer dores horríveis. Sabe, me ajoelhei na porta de muita farmácia implorando pelo remédio para tirar a dor. Ela só aliviava quando eu fervia água e despejava em um tanque. Ele ficava dentro, esperando aquela água superquente diminuir a dor. O nome dele era Aristides Martins Borges Neto. Tinha 19 anos na época. Trabalhava em um dos ferros-velhos contaminados. Em 1991 manifestou câncer na garganta, depois acho que avançou para os ossos. O engraçado é que ele não tinha direito a consulta na SuLeide, mas acabou sendo atendido pela doutora Maria Paula (superintendente da SuLeide), só que no Hospital Araújo Jorge, que trata de câncer. As coincidências da vida. Talvez, se ele tivesse sido atendido na SuLeide antes, teriam visto o câncer a tempo de evitar a morte. Depois da morte dele, o pai não suportou e ficou fraco da cabeça. Saía por Goiânia procurando o Aristides pelas ruas, até que teve derrame e também morreu. Perdi os dois.”


25. “Eu era menino. Trouxeram para cá nossos tios e tias (Santana, Edson, Terezinha) quando interditaram a casa deles, na Rua 15-A. Mas eles trouxeram césio junto, no corpo e nas roupas. Quando perceberam que aqui também ficou contaminado, os técnicos vieram, isolaram a área, levaram pedaços da casa, os móveis, e concretaram o chão. Mas esqueceram que tinha gente dentro. Sofríamos muita humilhação quando tínhamos de ir até o ginásio para medir a radiação. Os técnicos da CNEN tomavam as nossas roupas. A gente tinha menos de 10 anos e muita vergonha, mas mesmo assim eles faziam a gente voltar pelado para casa, ou só de cueca, até o Setor Marechal Rondon. Nunca esqueci disso. Hoje só a União me reconhece como vítima, se é que 130 reais de pensão é reconhecimento. Na SuLeide, não temos direito a remédios, nunca. Somos do grupo 3, é o que eles dizem.”


26. “Meu pai espalhou o césio embaixo da cama para brilhar, no início da noite. Outros viram, além de mim e da minha irmã Leide, que morreu, e das outras pessoas que moravam no mesmo lote. Tinha chamado dois amigos para ver – o Sérgio e o Walkênio – e aí a gente passou na mão, passei até na testa. Hoje tenho poucas notícias dos dois. Eu tinha 14 anos e acabei queimando a palma da mão e a testa. Tenho gastrite e depressão. Os médicos falaram na hipótese de fazer um enxerto. Até hoje me sinto discriminado, evito até contar quando vou procurar trabalho. Recebo as pensões, mas nunca vou esquecer aqueles dias, praticamente um menino, com o pai internado no Hospital Marcílio Dias, a mãe na Febem e eu no HGG.”


27. Nem se aposentar minha irmã Zilda conseguiu, mas era ela e a dona Edevaldina que limpavam o chão onde os curativos dos contaminados pingavam, lá na Febem. Às vezes ela tinha exaustão física total. Noutras, era uma coceira nas pernas que fazia sair sangue, de tão forte. Ela nunca foi reconhecida como vítima nem teve acompanhamento. Se tivesse, provavelmente seria mais fácil evitar ou tratar os 19 tumores que já apareceram no corpo dela.”


28. “Sou da família da Santana. Eu era muito pequeno na época, tinha 4 anos, mas me lembro de tomar banho de vinagre e de ter dormido na rua. Na escola, as pessoas tinham medo, os professores chamavam a gente de irradiados. Passamos muita coisa ruim. Foram na nossa casa e levaram tudo. De vez em quando surgem carocinhos no meu corpo e aftas na boca. Também sinto muita dor de cabeça. Não comento com ninguém. Quanto esse assunto é discutido na escola, me incomoda falar a respeito. Não recebo as pensões, e evito ir à SuLeide para não ser maltratado. Eles nos tratam como se não tivesse acontecido nada. Me sinto abandonado.”


29. “Tinha 7 anos quando fomos visitar meus tios, Devair e Maria Gabriela. No ferro-velho sempre achava algum brinquedo usado. Naquele dia, achei um boneco do Fofão, e fiquei brincando com ele. Meu tio me deu, eu levei para casa. Dormi uns cinco dias abraçado com aquele Fofão, mas ele estava contaminado, assim como eu. Quando a CNEN veio atrás de nós, nos tirou de casa e levou para o ginásio. Minha mãe desconfiou e veio ver o que eles estavam fazendo. Foi horrível. Eles tinham matado tudo, as galinhas, os gansos e até nosso cachorrinho. Estavam todos mortos, dentro de um tambor. Apesar da idade, tenho pressão alta, uma gastrite severa e sinto uma constante dor no osso do braço direito. Na época a gente foi muito discriminado, tinha de correr na rua para não apanhar. Até hoje evito contar. Não recebo pensão do Estado, só 130 reais da União. Quando vou à SuLeide, não tem remédio nem para dor de cabeça.”


30. Pessoas que trabalharam no isolamento da área contaminada, por exemplo, como o ex-bombeiro Lindomar Fernandes dos Santos, 42 anos, vivem dúvidas angustiantes. De 1987 para cá, ele passou a sofrer de deficiência na coagulação, doença denominada púrpura trombocitopênica idiopática, que tem origem congênita ou pode ser provocada por contaminação ou infecções. “Vivo aqui no Jardim Balneário, aposentado, com depressão, debilitado física e psicologicamente. E pensar que fui soldado socorrista...”, lamenta.


31. Outro que amarga a vida que leva por causa de doenças do pós-césio é o ex-mecânico do Crisa Nilton Pereira de Souza, 57 anos, um homem que pesava 104 quilos em 1987 e hoje pesa 70. “Fiquei lento, minha saúde acabou. Ando meio esquecido, meus dentes caíram, tive um tumor no pescoço e por isso faço quimioterapia no Hospital Araújo Jorge desde 1998. Me trato às custas da caridade dos colegas de serviço. Fui abandonado pelas autoridades”, denuncia.


32. O ex-mecânico Nilton de Souza tenta recordar as doses exatas de radiação que recebeu, mas só consegue lembrar que, em um só dia, certa vez precisou ficar 1h30 dentro de uma sala revestida de chumbo que, segundo ele, existia no depósito do lixo radioativo em Abadia, até que sua taxa de radiação reduzisse. O mecânico aposentado está entre os 56% dos entrevistados que nunca foram oficialmente reconhecidos como vítimas nem receberam qualquer pensão ou outro benefício, nem mesmo por ato de bravura.


33. Marcus Ferreira Alves cita o caso da gari Zilda Maria de Jesus, em estado grave por causa de vários tumores cancerígenos, como exemplo do descaso com as pessoas atingidas com o acidente: “Nem pensão nem aposentadoria do INSS ela conseguiu em vida. Talvez saiam após sua morte.” O promotor afirma que ainda existe uma relação de trabalhadores braçais da empresa Andrade Gutierrez e militares do Exército que, para ele, nunca foram monitorados. “Onde e como estão, ninguém sabe.”


34. Enquanto era feito o levantamento do POPULAR, o estado de saúde de Zilda agravou-se. No período, também houve a morte da ex-catadora de papel Madalena Pereira Gonçalvez, uma das pessoas envolvidas no acidente, que atualmente vivia em um abrigo de idosos – cuja causa foi atribuída a infecção generalizada por complicações causadas por uma espinha de peixe que ela teria engolido.


35. “Naquele dia, dei uma bronca no Ivo (irmão de Devair) porque ele não tinha ido vê-lo, e meu cunhado e a Maria Gabriela estavam doentes. Quando ele voltou, já trazia o césio no bolso, achando que alegraria todos. Depois de tocar no césio, minha filha Leide foi comer um ovo que preparei para ela, que andava ruinzinha para comer. Não notei que ela não tinha lavado a mão, mas achei estranho a cor escura do caldo que escorria entre os dedos que seguravam o ovo, e acabei dando uma bronca. Mas já era tarde. A partir dessa noite ela arroxeou a boca. Poucos dias depois morreu. O efeito físico que sofri do acidente? Essa ferida no coração.” Lourdes das Neves Ferreira, 50 anos, grupo 1


36. “Fiquei doida com o acidente. Eu era comerciante, tinha uma banca no Mercado Popular. Vendia 10 quilos de queijo por semana. No Natal, vendia 500 abacaxis. Hoje, recebo pensão de R$ 130,00 da União e de R$ 140,00 (valor de julho) do Estado. Lembro quando os dois (Roberto e Wagner) tiraram a marmita de dentro do chumbo. Lembro do cabelo dele caindo, da sobrancelha e dos cílios da mãe dele caindo. Fui perdendo a energia do corpo. Um dia, um taxista recusou-se a me levar no INPS, onde os funcionários saíam quando eu chegava. Na minha rua morreram muitos com câncer: um coronel, o Luna, o Jair. Ah!, uma sobrinha que conviveu com a gente teve câncer no pulmão e na cabeça. Eu tive doença mental e obesidade”. Coraci Pereira da Silva, 59 anos, grupo 1


37. “Sei que era sábado, e meus dois filhos, de 15 e 13 anos, foram passear na casa da tia, Maria Gabriela. Eles voltaram de ônibus para casa, em Aparecida de Goiânia, trazendo césio nas roupas. Já voltaram meio abatidos. O depósito foi interditado logo depois. A CNEN veio aqui e levou pedaços da parede, terra do terreiro e móveis, que depois devolveram pelas metades. Meu cabelo caiu muito na época. Hoje, tenho dor de cabeça com freqüência, fraqueza, anemia e às vezes preciso tomar Diazepan. Ninguém chegava perto da nossa casa, perdemos os amigos. Aliás, meus filhos até hoje não conseguem emprego facilmente.Maria da Conceição Siqueira, 46 anos, grupo 2


38. “Cheguei a ir para Cuba, mas eu só tinha sete meses na época. Mesmo assim, já me senti discriminada na própria SuLeide, onde não tenho direito nem a remédios, mesmo se estiver com dores de cabeça, insônia, gastrite, anemia, cansaço ou enjôos, que são coisas das quais eu sofro. Poucos sabem que sou vítima porque evito contar. Me sinto excluída, sem apoio, sem amparo, sem condições.” Carolina Nunes de Souza, 15 anos, grupo 3


39. Apesar de tantas dúvidas e suspeitas, há também histórias de alívio. É o caso de Aliete Correia Mendes, ex-copeira da Vigilância Sanitária, grávida na época da tragédia, que teve acompanhamento especial durante a gestação e deu à luz a um bebê saudável, sem qualquer problema decorrente da radiação. Se com a filha anda tudo bem, Aliete, contudo, atribui ao acidente a surdez que atingiu o marido, um ex-motorista que esteve bem próximo da cápsula ao buscar a mulher no trabalho.


40. A pesquisa, entretanto, mostrou que 49% dos envolvidos não tiveram filhos após o acidente e 14% nunca tiveram filhos. Pessoas que viveram na pele o drama, como o ex-motorista de ônibus Odesson Alves Ferreira, um dos protagonistas da tragédia porque tocou no césio na casa do irmão Devair, tomaram a firme decisão de não mais ter filhos. “Fiz vasectomia, tamanho o medo de que nascessem mais filhos e que tivessem problemas”, justifica.


41. “Hoje estou aposentado por doença, mas na época era da ativa, na Companhia de Trânsito do 1o Batalhão da PM, quando me chamaram onde estava de serviço, entre a Rua 4 e a Avenida Goiás, no Centro, para isolar umárea com vazamento de gás. Ficamos nos fundos do Mercado Popular até que chegaram os homens da CNEN, de macacão e tudo. Eles afastavam os cavaletes onde a gente estava e, cada vez que o aparelho disparava, mandavam a gente ir embora tomar banho de sabão e vinagre. Mas minha roupa a gente lavava em casa. Hoje sofro com gastrite, artrite, já fiz cinco cirurgias no joelho e tomo remédio para depressão.”Eliaquim da Costa Aquino, 38 anos, não pertence a nenhum grupo


42. “Roberto e Wagner começaram a desmontar a peça debaixo de uma mangueira. Minha filha de 8 anos andava descalça no quintal e eu estava grávida de dois meses. Na Febem, toda hora jogavam toda nossa roupa, sapato e até escova de dente, no lixo. Um dia um médico entrou e disse que todos iam morrer e que meu bebê nasceria sem as pernas. Era puro terror. Tem dois anos que não consigo consultar na SuLeide, estou até evitando ir lá. Nunca tem remédio. Vou me virando para me tratar.”Rosa Bento Gonçalves, 42


43. As dúvidas que Odesson evitou ter, são as que tumultuam a vida do sargento da PM Carmar Silva da Mota, 41 anos, hoje lotado em Formosa. “Tive um tumor raro no coração, minha filha de 15 anos nasceu com uma doença mental e a de 11 reclama muito de dores nas pernas. A gente não entende se pode ter relação com o césio, mas o fato é que trabalhei na área”, revela.


44. “Eu e a Zilda trabalhávamos varrendo rua quando o governo pediu garis da Comurg para ajudar as vítimas na Febem, mas isso ninguém nos contou. Só descobrimos que eram as vítimas do césio quando vimos as pessoas com os pés e as mãos feridos. No primeiro dia foram oito garis, no segundo só nós duas resistimos. Era muito triste. Alguns estavam com a cabeça perturbada, faziam cocô pelo meio da sala, jogavam coágulos de sangue nas paredes. Muitas vezes não tinha detergente — uma vez faltou durante oito dias seguidos. A gente usava só água nesses dias. Luvas praticamente não havia. Nossas roupas, a gente lavava em casa, com as outras, por inocência. Um dia tiraram as vítimas e a gente continuou indo durante 15 dias. Aí ligamos na Comurg, e nosso chefe falou que era para a gente continuar lá mesmo: eles não queriam a gente de volta. Hoje estou praticamente cega, tenho pressão alta, gastrite, dores nos ossos, coloquei três pontes de safena e tenho osteoporose, mas sou do grupo 3 e não recebo pensão ainda.” Edevaldina Maria de Jesus, 61 anos, grupo 3


45. “Eu era motorista de transporte pesado do Crisa. Eu estava em casa, às 4 horas, quando foram me buscar para trabalhar nas áreas contaminadas. Nos primeiros dias trabalhei com a mão nua, e só depois da divulgação é que vieram alguns macacões, botas e luvas para a gente. Minha tarefa era buscar os tambores para o Estádio Olímpico. Depois carregava carretas com contêineres para o depósito de rejeitos. Tive câncer de próstata e operei há 1,5 ano, mas também tenho gastrite e sinto muitas dores nos ossos. Na época, amigos e vizinhos se afastaram. Vivo com aposentadoria de 3 salários mínimos. Não recebo pensão.” Wilson José Evangelista, 66 anos, grupo 3


46. “Sou do grupo 3 de vítimas. Chega a ser irônico. Sou irmã da Leide, cuidei dela na ânsia de vômito, dei comida, limpei a casa que estava suja de césio. Também acompanhei a Maria Gabriela até o orelhão, uma vez em que ela foi ligar na Vigilância Sanitária. No dia em que interditaram a rua, eu tinha 16 anos, estava na casa de uma amiga, no Setor Chácara do Governador. Mas quando a peça foi aberta, eu estava em casa. Quando voltei da visita, fui para o Estádio Olímpico atrás da minha família e fiquei separada da minha mãe por grades. Eu gritava por ela. Voltei para a casa da amiga e depois ia visitá-los com minha avó. Perdi muito emprego quando descobriam que eu era irmã da Leide. Hoje vivo da venda de lingerie, não tenho pensão.” Lucélia das Neves, 31 anos, grupo 3


47. “Um dia antes do acidente, meu pai pressentiu algo estranho quando passou em frente ao ferro-velho. Meu irmão costumava ir lá, e nesse dia pegou uma linha de tricô. Nosso cachorro foi com ele e comeu algo. No dia seguinte, morreu. A CNEN levou o corpo do cão. Onde ele tinha deitado foi detectada radiação, aí eles arrancaram os pés-de-goiaba que tinha no quintal. Como os técnicos demoraram para voltar, meu pai acabou raspando a terra do local, sozinho. Minha irmã tem uma alergia severa e nefrite, outra tem problema na tireóide e uma hérnia no umbigo aos 22 anos. Minha mãe tratou um caroço no braço, que voltou. Meu filho também nasceu com uma mancha de sangue na cabeça. A gente não consegue entender essas coisas. Ninguém explica direito.” Patrícia Soares de Souza, 27 anos, grupo 3


48. Sofro com dores de cabeça, alergia forte, sinusite, dores musculares e depressão. Depois do acidente, também sofri um aborto sem explicação, aos dois meses e meio de gravidez. Quando interditaram a casa, a família estava dentro. Senti discriminação dos vizinhos, mas eles doavam até as roupas íntimas. Eles colocavam os pés dentro de sacolas para passar na porta da nossa casa. Só recebo pensão federal, no valor de R$ 130,00. Na SuLeide, as receitas vêm carimbadas, para proibir a gente de pegar remédio por ser do grupo 3.” Maria da Penha Nunes da Silva, 33 anos, grupo 3


49. “Eu era um funcionário burocrata de um cartório no fórum, hoje estou aposentado. De oito salários mínimos, minha renda caiu para dois. Tive uma lesão no fêmur direito porque coloquei um pouco do césio no bolso. Meu irmão deu. A gente não sabia o que era, só sabíamos que era bonito. Hoje eu e meus filhos temos gastrite. O mais velho tem síndrome do pânico e passa por constantes internações para se tratar. Minha filha também é depressiva, fica irritada porque o pessoal da SuLeide fala que os problemas são psicológicos.” Ernesto Fabiano, 60 anos, grupo 1


50. Acho curioso como as coisas acontecem. Os PMs que vigiaram a nossa casa, do lado de fora, agora vão ter o reconhecimento. Mas minha irmã, que conviveu com as vítimas, não. Nós somos parentes da Santana e da Terezinha, que se abrigaram em nossa casa. Cansamos de tomar banho de vinagre para baixar a radiação. Vínhamos pelados do ginásio, quando a CNEN detectava radiação em nossa roupa. Fomos até para Cuba. Trato na SuLeide; sem direito a remédios, mas trato. Minha cabeça se nche de ferida, já fiz seis endoscopias por causa de gastrite, e também sinto dor nos rins. Só recebo pensão federal, no valor de R$ 130,00. Complemento minha renda como vendedor de carros. Lembro do Aristides, que trabalhou no ferro velho e morreu com câncer, muito novo.” Alexandre Nunes de Brito, 24 anos, grupo 3


51. “Meu marido era fiscal da Vigilância Sanitária. Conviveu de perto porque ficou muito próximo do saco onde estava o césio. Ele teve câncer na bexiga, urinava sangue, mas a SuLeide, que fazia o acompanhamento, não identificou. Ele fazia exames e não davam nada. Primeiro, teve uma coceira forte, há quatro anos mais ou menos, aí houve o câncer. Seis meses depois, estava morto. Ele recebia uma pensão da União no valor de R$ 130,00, mas, quando morreu, simplesmente cortaram, só continuou a do Estado.” Filomena Fonseca Rios (viúva de Atos Rios), não pertence a nenhum grupo


52. “Todos os dias eu passava na casa do meu irmão Devair. Gostava demais dele. Naquele dia, quando eu cheguei ele estava com vômitos, dizendo que não tinha paladar para nada. Minha filha limpava a casa para eles, e eu lavava as roupas. Os primeiros a morrer foram o pássaro-preto do Devair e, depois, uns periquitos do Ivo. Quando eles foram para o ginásio, fiquei cuidando dos cachorros que os dois tinham. Onde eles ficaram, a CNEN arrancou o chão. Eles mataram as criações todas que havia no quintal, mas eu e meu marido ficamos em casa. Um dia, os técnicos passaram o geiger nas roupas limpas estendidas no varal e levaram todas para um tambor de lixo radioativo. Hoje recebo as duas pensões, mas sofro queda de cabelo, gastrite, pressão alta e depressão. Meus três filhos têm pressão alta e anemia. Coitados, eles foram xingados na rua, pararam de estudar por um bom tempo.” Creuza Alves Ferreira, 49 anos, grupo 2


53. “Eu era motorista do Crisa. A ordem era ou ir ou fazer as malas, porque seria mandado para o interior ou demitido. Fui. No local do acidente eu dirigia um caminhão com guindaste. Uma retroescavadeira tirava o solo e colocava em contêineres de 4 mil quilos ou caixas de aço menores. O peso era tanto, às vezes, que um dia meu caminhão tombou parado em plena Avenida Independência, depois de ter saído do ferro-velho do Devair. Todos os dias pegava uns 10 a 15 milirens (medida de radiação), mas eu vesti macacão e botas. Uma vez um PM pegou 200 milirens e eu 80, numa operação para cortar uma mangueira na área atingida. Minha mulher lavava minhas roupas, não sei, mas acho que isso pode ser a causa de um caroço que ela tirou perto do pulmão. Eu também perdi a saúde. Antes era doador de sangue, agora sinto dor nos ossos, na cabeça e na garganta, com freqüência. Não, não recebo pensão. Fui na SuLeide uma vez, mas só fizeram uma ficha, nunca deram resposta.” Ubirajara Regis de Jesus, 60 anos, não sabe o grupo a que pertence


54. “A casa das minhas filhas Santana e Terezinha foi contaminada, e todos vieram para minha casa. A CNEN levou tudo na época e não devolveu outros iguais. Eles ficavam ali na rua, mandando os PMs afastar a imprensa da gente, depois vinham todos de macacão. Do lado de dentro do muro, descontaminavam a gente no quintal. Hoje tenho problemas respiratórios, pressão baixa, arritmia cardíaca e precisei operar de câncer no nariz e no pescoço, lá no Araújo Jorge. Na época a gente faturava pelo menos uns cinco salários como costureira, hoje tenho a pensão de R$ 130,00 da União e R$ 150,00 (julho) do Estado. Não esqueço o quanto a SuLeide maltratou a gente no início. É engraçado ser do grupo 3.” Joanita Santana Silva, 70 anos, grupo 3


55. “Fui com minha sogra, Maria Gabriela, na casa do Devair e da Maria, quando eles começaram a passar mal. Limpei a casa, fiz um remédio para eles beber e fui embora. Dois dias depois, a notícia correu. Lembro que a dona Maria Gabriela foi de táxi para Inhumas, onde passou mal e foi internada em um hospital. Desse hospital, a CNEN arrancou pedaços, o táxi também foi descontaminado. Já tive gastrite, dores de cabeça, sofri queda de cabelo e meus dentes ficaram fracos. Minha filha tem um tumor ósseo no menisco e sofre com dor de estômago. Na época, um açougueiro recusou meu dinheiro, não esqueço disso. Levei de graça, mas no meu dinheiro ele não colocou a mão. Não tenho pensão alguma e, se a CNEN me mediu, foi porque fomos espontaneamente ao ginásio. Na SuLeide, fui há muito tempo para examinar os meninos, mas não consegui nada.” Natalina das Graças Neves, 47 anos, grupo 3


56. “Eu era terceiro-sargento da PM na época do acidente. Dormia no alojamento montado junto à área contaminada. Fiquei cinco anos trabalhando entre a Rua 57, a FunLeide e o depósito. Hoje continuo na ativa, como subtenente, mas tenho os nervos inflamados e, curiosamente, passei a transpirar apenas do lado esquerdo do rosto. Sofro com dores nas juntas e já diagnosticaram um problema ótico causado por produto químico. Na época, quando descobriram que eu trabalhava na área contaminada, os coleguinhas do meu filho chamavam ele de “lixo atômico” na escola. Há cinco anos estive na SuLeide, mas não quiseram me atender. Nem sei em qual grupo me colocaram. Não recebo pensão.” José Luís Pires, 41 anos, não sabe o grupo a que pertence


57. “Meu filho Odesson Júnior foi visitar a tia Maria Gabriela, e voltou contaminado. Os móveis, roupas e cerâmica que a CNEN levou, nunca devolveu iguais. Sofro de muitos problemas. Tenho angústia, depressão, um forte mau hálito que não passa, obesidade, dores de cabeça muito fortes, tonteira, nervosismo. Até tomo calmante. Dos meus filhos, o médico falou que um tem uma lesão no cérebro. O mais velho escarra sangue com freqüência. O filho dele teve convulsão e um derrame aos nove meses de idade que deixou seqüela. O outro nasceu com a face torta e o mais novo, com anemia. Também tenho um filho de seis anos com obesidade infantil. Sofremos muito na época, os vizinhos tentaram incendiar nossa casa, jogaram pedras. Quando a CNEN colocou os tambores amarelos na nossa porta, marcou a gente para sempre. Hoje recebo as duas pensões, que somam R$ 330,00. Depois do acidente, não sei nem onde fica a CNEN. Já na SuLeide, eles são gentis, mas não explicam as coisas direito para a gente.” Maria José Aparecida Ferreira, 45 anos, grupo 1


58. Nossa casa foi apedrejada na época do acidente – sou filha da Maria José Aparecida. Anos depois do acidente, passei em um concurso para o IBGE, mas, quando perguntaram por que eu recebia pensão e eu expliquei que era vítima do acidente, fui rejeitada. Quero trabalhar, sou aprovada e não consigo, é demais. Tenho um bebê de sete meses, que nasceu com alergia a leite. Recebo as pensões de R$ 130,00 da União e de R$ 200,00 do Estado.” Simone Aparecida Ferreira, 28 anos, grupo 2


59. “Morava no mesmo lote do Ivo, pai da Leide. Todos os que moravam ali foram contaminados. Tive queimaduras no braço direito, tive até de fazer um enxerto. Nas costas, tive queimaduras mais leves. Hoje sinto dores nas pernas, pressão alta e gastrite. Meus filhos tiveram muita dificuldade na escola, que era particular e não queria aceitá-los. O mais velho sofreu queimaduras na orelha e no queixo e sente dores nos braços. A mais nova, de 15 anos, sofre de pressão alta. Até hoje, para alugar uma casa, precisamos de um atestado.” Kardec Sebastião dos Santos, 45 anos, grupo 1


60. “Sou irmã da Santana, mulher do Edson, que pegou o césio no Devair e levou para casa, nos fundos de onde eu morava. Perdi o paladar e tive uma queimadura minúscula no braço que demorou dois meses para sarar. Mais de 50 parentes nossos se contaminaram. Tive úlcera e gastrite. Minhas três filhas sentem dores nos ossos e uma tem gastrite também. Tive síndrome do pânico em 1996 e sinto insônia até hoje. Por isso vim para os Estados Unidos. Sinto pavor até hoje.” Terezinha Nunes Fabiano, 44 anos, grupo 1


61. “Eu era costureira na época do acidente. Sou casada com o Ódesson, irmão do Devair. Quando me viram em uma entrevista na televisão, várias clientes fugiram de casa. Nada me convence de que a morte de minha irmã Carmelita, de infecção generalizada, não foi provocada pelo césio. Depois do acidente tive úlcera, sinusite, osteoporose, nervosismo, dores ósseas, e sofri convulsões que exigiram remédio controlado durante um ano. Hoje recebo R$ 260,00 com as duas pensões. Da CNEN só recebi medição. Na SuLeide, para ter uma idéia, uma vez levei minha filha com um caroço na boca, mas, em vez de um dentista, quem olhou foi um dermatologista.” Marli da Costa Freire Ferreira, 42 anos, grupo 2


62. “Depois do acidente, passei a ter problema de tontura, dor nos rins, e diabetes a partir de 1998. Eu era cabo do Corpo de Bombeiros e participei do isolamento a menos de 30 metros da área contaminada pelo césio. Lavei a Rua 57, por onde a cápsula passou. Nunca imaginei que podia afetar a gente. Meu colega, o Nascimento, morreu há dois anos, com bolhas e manchas iguas a hematomas. Nunca recebi reconhecimento como vítima, ou pensão, mas, na época, trabalhei de farda e coturno, sem proteção alguma. Nunca fui à SuLeide.” Rivail Rodrigues, 44 anos, diz não percentecer a nenhum grupo


63. “Eu era motorista de ônibus. Me contaminei ao visitar meu irmão Devair, que andava doente. Amputaram meu indicador e o polegar direitos. Tenho uma radiolesão grande na palma da mão e no indicador esquerdo. Além das radiolesões que incomodam, sofri uma úlcera severa. Tive tanto medo de ter filhos, após o acidente, que fiz vasectomia. Fui discriminado em muitas ocasiões e lugares diferentes. Em Angra dos Reis (RJ), um pastor tentou me linchar porque fui a uma palestra. Na Eco-92, 22 pessoas que representavam as vítimas do césio foram recusadas em um hotel. No Parque das Nações, em Aparecida, um garçom jogou no lixo o copo que eu tinha usado, na minha cara, quando ficou sabendo quem eu era. Teve abaixo-assinado da vizinhança para a gente não morar aqui, sem contar os amigos que fugiram. Para alguém que vivia com uns sete salários mínimos, hoje recebo menos de quatro.” Odesson Alves Ferreira, 47 anos, grupo 1



Fonte: MIRANDA, F. J.; PASQUALI, L.; NETO, S. B. C.; BARRETO, M. Q.; DAVID FILHO; G. & ROSA, T. V. (2005). Acidente radioativo de Goiânia: "O tempo cura todos os males"? Arquivos Brasileiros de Psicologia, 57 (1-2): 58-87.
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