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Especial -> 65 Anos da Explosão da Bomba Atômica

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RELATOS E IMAGENS

Outra maneira pela qual sabemos o que significa a bomba atômica é pelo relato dos sobreviventes, os hibakusha.

Ao longo de décadas divulgou-se amplamente - talvez para reduzir o desconforto que causa à consciência - que a maioria das vítimas das explosões atômicas morreram instantaneamente. Os relatos de sobreviventes, entretanto, nos leva a questionar tal afirmação.

Cientistas americanos enviados a Hiroshima para analisar os efeitos da explosão em objetos e pessoas calcularam que os que estavam dentro do raio de 1 quilômetro de distância do hipocentro (denominação técnica do local da explosão, também chamado deground zero - expressão hoje famosa para assinalar o local onde ficava o World Trade Center, destruído no atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 em Nova York, mas que foi usada pela primeira vez em Hiroshima) teriam morrido de imediato - o que se subentenderia "sem sofrimento". Isso porque nesta área o calor emitido pela explosão alcançaria a temperatura de 6 mil graus Celsius (uma pista disso foram bolhas formadas em telhas de pedra). De fato, as pessoas que estavam a menos de 500 metros do hipocentro sem qualquer objeto que eventualmente agisse como barreira contra os efeitos diretos da explosão não tiveram qualquer chance.

O mero clarão da explosão desintegrou algumas pessoas. Durante anos uma misteriosa sombra impressa nos degraus que restaram da entrada de um prédio no centro de Hiroshima intrigou os pesquisadores, até que se descobriu tratar-se da sombra de uma pessoa que estava sentada naqueles degraus, desintegrada no momento da explosão. Outras centenas faleceram daquilo que passou a ser comumente chamado de "fervura do sangue" - a altíssima temperatura gerada pela explosão fez tudo o que fosse líquido ferver. No caso do corpo humano, o sangue entrou em ebulição e órgãos internos cozinharam. A morte foi tão instantânea nestes casos que corpos carbonizados de passageiros de bondes foram encontrados exatamente na posição em que estavam - alguns sentados segurando vestígios de bolsas ou pacotes, outros em pé, segurando-se nas barras de apoio. A grande maioria, entretanto, teve tempo suficiente para ter consciência de que iriam morrer, subentendendo-se, obviamente, que houve sofrimento.

No caminhão de resgate do exército, o soldado
 tenta fazer a garotinha ferida e sofrendo da
 "doença da radiação" tomar um pouco
 de água. Ela faleceu pouco tempo depois
 desta foto. Foto tirada por Hajime Miyatake,
 em 10 de agosto de 1945.
Yoshitaka Kawamoto tinha 12 anos quando estudava numa escola primária em Hiroshima, a 700 metros do hipocentro. Teria sido um dia de aula normal, quando todos ouviram o som de um avião se aproximando - o que era estranho, pois as sirenes de alerta não haviam tocado, o que de imediato teria feito os professores evacuar as salas e direcionar os alunos para os abrigos. A criançada curiosa levantou-se das carteiras e correu para as janelas para observar o avião. Kawamoto sentava-se longe da janela, e não conseguiu chegar até ela. Ele acha que no momento do clarão ele estava atrás de uma parede de concreto, que o poupou de queimaduras mais sérias, e quando veio o estrondo e o impacto da explosão, o andar de cima desmoronou. Um calor absurdo o fez sentir como se estivesse cozinhando vivo. Alguns instantes depois, em meio a pó, entulho, choro e gritos de desespero, Kawamoto deu-se conta de que estava ferido (um braço quebrado, estilhaços de vidro pelo corpo e queimaduras), mas estava vivo. Procurou seu melhor amigo, um colega de classe, chamando-o pelo nome. O amigo, muito ferido e cego pelo clarão, o ouvia e tentava ir até onde Kawamoto estava tentando ficar em pé, mas caía ao fazê-lo, provavelmente com a coluna fraturada. Kawamoto percebeu que não apenas seu amigo, mas todos seus colegas estavam na mesma situação, gravemente feridos. Queria ajudá-los, mas eram muitos e ele era o único que ainda conseguia andar. Sentindo que ia morrer, o amigo pediu a Kawamoto que entregasse seu caderno à sua mãe. Kawamoto remexeu no entulho até encontrar o caderno do amigo e fugiu. No pátio da escola, encontrou seu professor de educação física. O homem estava completamente desfigurado, em carne viva, com grandes pedaços da pele desgrudados do corpo, mas Kawamoto reconheceu-o pela voz. Mesmo naquele estado, o professor estava carregando um aluno morto, e lhe ordenava a ajudar a recolher os corpos de outros alunos que estavam espalhados pelo pátio, amontoando-os sobre um carrinho para carregar material. Não houve tempo para fazer muito. Pouco depois, o professor simplesmente caiu morto.

Durante horas, Kawamoto andou pelas ruas de Hiroshima procurando ajuda, mas tudo que ele encontrava era mais mortos, gente queimada, desmembrada e incêndios. A destruição tinha tornado a cidade irreconhecível e ele vagou perdido pelo que havia restado das ruas, até finalmente desmaiar de exaustão. Acordou olhando para um soldado, que lhe explicou que ele havia ficado inconsciente e delirado por dias. Alguns dias depois sua mãe, ilesa por morar na zona rural de Hiroshima, atrás das montanhas que circundam a cidade, o encontrou. Em casa, Kawamoto adoeceu e perdeu os cabelos - a "doença da bomba". Na época, isso era prenúncio de morte certa. "Se hoje estou vivo, é graças à minha mãe", contou Kawamoto. "Não sei o que ela me dava, mas lembro-me de que ela saía às 3 da madrugada para buscar uma erva que crescia a uma caminhada de uma hora de casa, com a qual ela fazia um remédio para eu tomar. Não sei se foi essa erva, mas aos poucos eu melhorei. Sem a dedicação dela, eu teria morrido". Kawamoto foi o único sobrevivente da escola onde estudava.

Assim como muitos hibakusha, Kawamoto procurou reconstruir sua vida evitando as lembranças do dia da explosão. Posteriormente, ele procurou a mãe do amigo, a quem havia prometido entregar o caderno de classe. Infelizmente, Kawamoto perdeu o caderno quando desmaiou no dia da explosão, mas cumpriu o desejo último de seu amigo, de ao menos fazer sua mãe saber que ela estava em seus últimos pensamentos. Kawamoto casou-se mas não teve filhos, temendo que a exposição à radiação causasse danos a seus descendentes. Entretanto, já sexagenário, decidiu enfrentar a dor das lembranças e tornou-se diretor do Hiroshima Peace Memorial Museum. Durante anos ele narrou pessoalmente sua história aos visitantes do museu, diante da maquete que reproduz a cidade em ruínas pouco depois da explosão, indicando com o próprio dedo onde se localizava a escola onde sua geração pereceu.

Nenhum relato entretanto tornou-se mais completo, mais comovente e mais conhecido no mundo inteiro que uma história em quadrinhos. Entitulada Hadashi no Gen (Gen, Pés Descalços), esta narrativa de mais de 800 páginas foi escrita e desenhada nos anos de 1972 e 1973 por Keiji Nakazawa - ele mesmo um sobrevivente da explosão de Hiroshima. Não se trata de uma história em quadrinhos ficcional. "A história de Gen é a minha história; a família dele é a minha", explica Nakazawa em entrevistas, que até hoje não consegue evitar a emoção e a voz embargada ao dizê-lo. No dia da explosão, Nakazawa perdeu o pai, a irmã mais velha e o irmão caçula, presos nos escombros da própria casa, construída de madeira e que ruiu com a onda de choque. Aos 7 anos, ele presenciou sua família ser carbonizada viva, quando o incêndio que tomou a cidade após a explosão atingiu a casa.

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