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A Cronologia dos Fatos – Os Caminhos do Desastre

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Curiosamente, nessa época, Rex Nazareth Alves, presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, órgão brasileiro responsável por legislar e normatizar o uso da radiação no território brasileiro, dava uma entrevista onde comemorava o nosso maior feito nuclear: a inclusão do Brasil no seleto grupo de países que possuía a capacidade tecnológica do enriquecimento do urânio. Além disso, afirmava que iria defender a posição brasileira de autonomia nacional para o desenvolvimento da tecnologia nuclear, na reunião anual de Energia Atômica da ONU, em 20 de setembro de 1987, em Viena, capital da Áustria. (VASCONCELLOS,1987)

Enquanto isso, o sucateiro Devair Alves Ferreira, de 39 anos, que residia no ferro velho de sua propriedade, localizado na Rua 26-A, setor Aeroporto, tomava uma atitude que seria decisiva na consumação do incidente nuclear. Ele declarou que comprou a peça por causa do chumbo, por isso a cápsula contendo o material radioativo foi desprezada e abandonada no deposito, já que era feita de inox, metal sem aproveitamento no ferro velho. Mais tarde, Devair daria o seguinte depoimento sobre o descarte da peça que continha o pó: (WOJTOWICZ, 1990)

A cápsula eu não comprei porque ela era revestida de inox, e inox não tem valor pra nós. Eu comprei o chumbo [...]. E essa peça, essa cápsula ficou desprezada no depósito. Ficou lá jogada. Como eu toda vida adorei uma cerveja, adoro, era mais ou menos umas sete e meia, oito horas, e eu fui pro boteco tomar uma cerveja. Cheguei em casa era mais ou menos dez e meia, 11 horas. Ai eu vi aquele clarão. Um clarão azul. [...].(WOJTOWICZ, 1990, p. 73)

Certa noite, quando Devair passava pelo pátio pouco iluminado do ferro velho, percebeu uma luminosidade azul muito intensa vinda do meio da escuridão do local. Começou a procurar, tentando descobrir de onde vinha aquela luz azulada, quando se deparou com a cápsula, ficando, ao mesmo tempo, entre intrigado e atraído pela beleza proveniente da luminosidade emitida pelo objeto, achando estar diante de algo fantástico, talvez sobrenatural. Devair confessou ter ficado apaixonado pelo estranho brilho, afirmando que “coisa linda, fiquei apaixonado por aquela peça. [...] eu adorava. Achava lindo.[...]”, e acabou transportando a cápsula para dentro de sua residência, colocando-a junto a uma parede da sala de sua casa para que pudesse observar melhor aquele fenômeno. (ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137, 1993; WOJTOWICZ, 1990)

Chamou então a sua mulher Maria Gabriela Ferreira, 30 anos, para ver a beleza da luz azulada emitida pela cápsula, mas ao contrário do marido, ela ficou receosa. Desde o princípio, Maria Gabriela temeu aquela peça e com o passar do tempo esse temor só aumentou, pois desde o dia 19 ambos apresentavam cefaléias e vômito. Segundo o sucateiro, desde o princípio, a sua “mulher cismou com aquele troço. Ela vivia dizendo que era aquele trem que estava fazendo mal [...]”. Mesmo assim, durante os três dias subseqüentes alguns amigos, vizinhos e parentes foram convidados a ver o curioso objeto, dentre eles o vizinho do ferro velho, Edson Fabiano, um pintor de automóveis, com 42 anos de idade, que foi conhecer a peça no dia 21. Devair lhe mostrou uma pequena porção do pó branco que ele havia extraído do interior da cápsula com auxílio de uma chave de fenda. O brilho azulado também despertou a curiosidade de Edson que acabou levando um pouco do pó no bolso de sua calça para sua residência, situada na rua 15-A, setor Aeroporto. (ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137, 1993; WOJTOWICZ, 1990)

Mais tarde, Edson mostrou ao seu irmão Ernesto Fabiano, residente na rua 17-A, setor Aeroporto, que também guardou uma porção do pó no bolso da sua calça. Nesse mesmo dia, Maria Gabriela apresentou acentuada piora no seu estado de saúde, tendo de ser atendida no Hospital São Lucas. Fatidicamente, teve o mesmo diagnóstico de Wagner, ou seja, reação alérgica à ingestão de alimentos deteriorados, sendo prescrito apenas o repouso domiciliar. Sua mãe, Maria Gabriela de Abreu, 58 anos, ao saber o estado de saúde de sua filha, saiu da cidade de Inhumas, interior de Goiás, para visitá-la e oferecer seus cuidados. A senhora Maria Abreu permaneceu por três dias na casa da filha, retornando depois para sua cidade, mesmo com um sensível agravamento do estado de saúde de Maria Gabriela. (ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137, 1993)

Enquanto isso, no ferro velho, os dois funcionários do estabelecimento, Israel Batista dos Santos, 19 anos, e Admilson Alves Souza, 21 anos, continuaram a manipular a cápsula na tentativa de retirar o chumbo remanescente da peça. No dia 23, Wagner piorou e foi internado no Hospital Santa Maria, lá permanecendo até o dia 27, quando as radiolesões foram diagnosticadas como uma doença de pele, o que motivou seu encaminhamento para o Hospital de Doenças Tropicais – HDT. (ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137, 1993)

No dia 24, o irmão de Devair, Ivo Alves Ferreira, 41 anos, proprietário de um outro ferro velho, este localizado na rua 06-A, soube da enfermidade do familiar e foi visitá-lo. Devair disse que suspeitava estar com a saúde debilitada devido à ingestão de um refrigerante, Coca-cola, de qualidade duvidosa. Quando Ivo finalizava a visita, foi convidado a conhecer aquilo que chamava de “pedra mágica do brilho azul”. Tal qual os demais, ao ver o pó resolveu levar um pouco para casa “[...], e eu fui ver de perto. Pus um pouco em cima de um papel, embrulhei e pus no bolso. Até que eu não sabia nem pra que peguei. Eu vi aquilo – né – pus no bolso”. Ivo acabou levando os fragmentos do pó radioativo pra sua residência e mostrou para sua filha Leide das Neves Ferreira, 6 anos. (ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137, 1993; WOJTOWICZ, 1990)

De acordo com o relato do pai, foi naquele instante que a menina entrou em contato com a substância. Ele disse “[...] Ai joguei lá no chão, no escuro, lá no quarto da menina. Ai ela veio e passou a mãozinha”. Quase que simultaneamente, Kardec Sebastião dos Santos, empregado de Ivo, e sua mulher, Luisa Odete dos Santos, moradores no mesmo lote, estavam passando pelo local e também foram convidados por Leide para ver o estranho pó de luminosidade azulada. Atraídos pela luminescência da amostra, tanto os adultos, quanto as crianças que estavam no local, manusearam o elemento. Por brincadeira, Ivo passou no pescoço de Luisa Odete uma pequena porção, enquanto a pequena Leide continuou brincando com o pó radioativo até a hora de se alimentar. Para comprometer ainda mais sua saúde, a menina esqueceu-se de lavar as mãos e acabou ingerindo junto com um ovo cozido, uma pequena quantidade do material radioativo. Pouco tempo depois, Leide começou a ter vômitos e seu pai saiu à procura de uma farmácia aberta, mas não obteve êxito. Ele mesmo tentou medicar a filha, dando a ela um antiácido, o conhecido Sonrisal, que havia comprado num bar. Segundo Ivo, após ingerir o medicamento a filha apresentou melhoras. Ele contou que deu “[...] o Sonrisal para ela. [...] ai ela durmiu. Levantou no outro dia boa, brincou o tempo todo. Pensei: não é nada não”. (WOJTOWICZ, 1990)

No dia seguinte, Devair vendeu o chumbo que revestia a peça para o ferro velho do “Seu Joaquim”, mas não percebeu que Maria Gabriela colocou junto a peça de aço inox, a que continha no seu interior o pó radioativo, junto com as demais, que foram transportadas para o depósito de sucatas. Enquanto isso, Ivo, ao ver Luisa Odete com o pescoço irritado bem no local onde ele havia passado o pó na data anterior, começou a desconfiar que a causa dos problemas estaria justamente naquela estranha substância. Tal qual o sucateiro, Maria Gabriela estava cada vez mais certa de que aquelas enfermidades estavam, de alguma forma, ligadas àquela peça. Por isso, no dia 28, juntamente com Geraldo Guilherme da Silva, 31 anos, dirigiu-se ao ferro velho do “Seu Joaquim”, para recuperar o artefato. Eles envolveram a peça num saco plástico e levaram-na, num ônibus coletivo, até a Vigilância Sanitária, situada na Rua 16-A, setor Aeroporto. (ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137, 1993)

Ao descer do ônibus, Geraldo carregou a peça no ombro até o prédio

público, onde depositou o embrulho em cima da escrivaninha do veterinário Paulo Monteiro, 39 anos. Imediatamente, fizeram um dramático relato dos acontecimentos misteriosos que estavam acontecendo nas vidas de todas as pessoas que tiveram algum tipo de contato com aquela peça. Maria Gabriela chegou a dizer que aquele pó estava “matando a gente dela”. Diante do desespero da mulher, os funcionários da Vigilância Sanitária decidiram analisar a peça, e por precaução, decidiram transferi-la para o pátio do prédio. Desse modo, a peça ficou o dia todo sobre uma cadeira, perto do muro, conforme mostra a Figura 17. (ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137, 1993; WOJTOWICZ, 1990)

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