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Goiás não pode patrocinar o esquecimento do acidente do césio

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WEBER BORGES



O acidente radioativo de Goiânia — mais conhecido como acidente do césio 137 —, que provocou mortes e deixou pessoas feridas “no corpo e na alma”, completa 20 anos em setembro deste ano, daqui a quatro meses. Mesmo assim, e sabendo-se que o governo federal vai organizar um seminário internacional, em Goiás patrocina-se uma espécie de esquecimento racionalizado, denuncia o jornalista Weber Borges, que foi produtor do Goiânia Urgente (programa que pertencia à TV Goiá, associada ao SBT de Silvio Santos) e, durante três meses, assessor da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), ligado diretamente ao presidente do órgão, Rex Nazaré. “Goiás não pode patrocinar o esquecimento do acidente. Pelo contrário, pode conquistar um centro internacional de estudos a respeito do que aconteceu em sua capital em 1987.”

Aos 62 anos, autor do livro Eu Também Sou Vítima — A Verdadeira História Sobre o Acidente com o Césio 137 em Goiânia, Weber diz que é preciso escrever a história do acidente e de suas vítimas. Ele convoca as universidades do Estado a discutirem a questão e a escreverem essa história. Os dados científicos foram levantados pela CNEN e há muitas vítimas que podem contar suas histórias. “É uma história de muito sofrimento, de muita batalha, de muita persistência. Há um arquivo vivo que, depois de 20 anos, continua sendo desconsiderado.”

Weber Borges diz que uma das questões centrais hoje é melhorar o atendimento das vítimas. “Faltam medicamentos. Elas estão menos preocupadas com dinheiro do que com um tratamento adequado.”

Euler de França Belém — A CNEN continua monitorando alguns lugares onde esteve a bomba de césio?

Sim, mas não sei se o trabalho continua sendo feito de modo rigoroso.

Hélmiton Prateado — Quantas pessoas trabalham no depósito de Abadia de Goiás?

Não sei o número preciso, mas não são poucas pessoas. Quem dirige o depósito é o físico Rubemar de Souza Ferreira, que tem doutorado em engenharia nuclear.

Euler de França Belém — O sr. mantém contato com as vítimas?

Mantenho contato permanente com elas. Converso com Odesson Alves Ferreira, um sujeito coerente. Converso com Lourdes das Neves Ferreira, a mãe de Leide das Neves. Ela perdeu a filha, de 6 anos, e o marido, Ivo Alves Ferreira. O filho tem problemas graves com bebida alcoólica. Está sozinha no mundo, há 20 anos, mas, apesar de sofrer muito, resiste bravamente.

Hélmiton Prateado — O sr. trabalhou como assessor de imprensa do Rex Nazaré, da CNEN. Ele cobrava transparência?

Rex Nazaré olhava muito a questão social. No início, eu achava que ele era militar. Descobri que havia pertencido ao Partidão [Partido Comunista Brasileiro]. Rex propôs fazer o encaminhamento de todas as pessoas para a Legião Brasileira de Assistência. Para ele, não interessava se eram 20 ou 500. As pessoas “adoentadas” deveriam ser encaminhadas para a LBA, dizia o presidente da CNEN. Avaliava que um órgão federal poderia obter apoio internacional. O governo de Goiás não teve discernimento.

Hélmiton Prateado — O governo goiano preferiu criar a Fundação Leide das Neves.

Mesmo sem a autorização da mãe, o governo criou a fundação e lhe deu o nome de Leide das Neves. A fundação nasceu da noite para o dia. O conflito entre governos federal e estadual não favoreceu as vítimas do césio. Na sua despedida, Rex Nazaré fez um discurso emocionado e falou do sentimento das pessoas. A fundação no início funcionava melhor; hoje, precisa ser repensada.

Euler de França Belém — Quais são as principais reclamações das vítimas do césio?

Falta de medicamentos. Elas querem discutir mais saúde do que dinheiro. O governo do Estado dá uma ninharia às vítimas, mas a reclamação maior é a respeito do atendimento na área de saúde. A Fundação Leide das Neves atende de modo restrito. Não é brincadeira tratar de modo adequado um grupo de 300 ou 500 pessoas. Os cuidados são físicos e, devido aos traumas, também psicológicos.

Euler de França Belém — Algumas vítimas do acidente disseram ao sr. que o governo quer descartá-las?

Elas consideram que todos — os que lidaram com o acidente — querem sair do jogo e abandoná-las. Luiza Odet Mota dos Santos fez cirurgias sérias e, ao receber a informação de que precisava fazer outras, não quis mais saber. Ela considera os enxertos como uma morte. O sofrimento é intenso, pois as pessoas perderam entes queridos, a história afetiva e bens. A reconstrução de uma vida normal não é fácil. Odesson tranca-se no banheiro para chorar, solitariamente, sem que ninguém perceba. Ele era motorista da Araguarina.

Euler de França Belém — Depois de 20 anos, sempre estudando o assunto, qual é a grande história individual do acidente?

A grande história é a de Lourdes da Neves Ferreira, a mãe da menina Leide das Neves, que morreu aos 6 anos. É uma mulher sensível, fala baixinho, é uma gordinha simpática. Seu olhar brilha e, apesar de toda a tragédia que abalou sua família, ainda acredita na vida.

José Maria e Silva — As vítimas do acidente têm um líder?

Odesson Alves Ferreira é o líder. Ele batalha pelas vítimas, procura verbas e discute o assunto como conhecedor. Odesson entendeu bem o que aconteceu e se tornou um formador de opinião. Faz conferências, é integrante do Conselho Estadual de Saúde e briga pelas vítimas do acidente. Quando falta remédio, denuncia, se posiciona. Na vida pessoal, educa os filhos com muito rigor. Diz que seus filhos têm de ser exemplos.

José Maria e Silva — Por que Odesson se tornou uma pessoa tão firme?

Ele tem consciência de que precisa ser assim para obter ajuda para as vítimas do acidente. Na época do acidente, Odesson já parecia ser o mais sério dos irmãos [Devair Ferreira, falecido, era um dos irmãos]. Fui para o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, pela Varig, e Odesson não quis ir de avião. Ele disse: “Não vou de avião, pois não tenho dinheiro para pagar a passagem”. Foi de ônibus.

Hélmiton Prateado — Liderados pelo deputado José Nelto, na época vereador, populares apedrejaram o caixão de Leide das Neves, no Cemitério Parque. O sr. estava lá?

Avaliaram que a população poderia ser manipulada, o tempo todo, para o lado do mal. No início, a multidão foi agressiva, no estilo da massa, na qual o indivíduo é dissolvido e, portanto, em tese, não há responsabilidade individual. Depois, ao perceber o que estava fazendo, paralisou-se, aparentemente constrangida. Entre os líderes do apedrejamento estavam José Nelto e Ornela, líder de bairro. Em seguida, Ornela me procurou e disse que estava amargamente arrependida. É fato que os moradores do bairro não queriam o sepultamento no Cemitério Parque, porque imaginavam que todas as pessoas da região seriam contaminadas. Não estavam bem-informadas a respeito dos caixões de chumbo e das covas especiais, que foram concretadas. As famílias dos mortos não aceitaram que os corpos fossem levados para o depósito.

Hélmiton Prateado — O sr. diz, no livro, que, “queiram ou não, Goiânia é um laboratório vivo”. A frase persiste válida?

Permanece, pelo menos, por mais 280 anos.

Euler de França Belém — A história de que cresceu o número de pessoas com câncer em Goiânia em virtude do acidente radioativo não tem prova conclusiva. Não há dados científicos. Existem histórias, boatos.

Na verdade, o que falta é pesquisa científica a respeito da questão. Não há interesse em fazer pesquisas. Não há investimento. O governo do Estado e as universidades goianas não se interessam por fazer um estudo amplo a respeito. Se houvesse interesse, a pesquisa poderia ser financiada por organismos internacionais. Levei vários pesquisadores à Rua 57. Um cientista era indiano. Ele cortou e pôs num saco de plástico algumas flores de laranja e foi embora. Cadê o resultado e sua pesquisa? Ninguém, pelo menos no Brasil, sabe. Japão e Alemanha certamente têm interesse em estudar o assunto, mas não são procurados. Parece que os governos estadual e federal querem esquecer o acidente radioativo de Goiânia. Os goianos não devem patrocinar o esquecimento da tragédia, não devem negar sua própria história.

Hélmiton Prateado — Algumas vítimas do acidente foram levadas para Cuba. Quais os resultados das investigações médicas dos cubanos?

Não sei nada a respeito. Nem sei o que foram feitas das amostras. Os cubanos não repassaram informações.

Euler de França Belém — É verdadeira a informação de que sumiram os cérebros das primeiras vítimas do césio?

Não tenho prova. Mas me falaram a respeito. A informação que tenho é que um braço do Roberto Santos Alves ficou no Hospital Marcílio Dias. Acho até normal que estudem os cérebros das pessoas, mas desde que seja feito de modo transparente e que as famílias autorizem.

Euler de França Belém — O físico Luiz Pinguelli Rosa diz que há “muitas bombas de césio e de cobalto sem controle” no Brasil. Ele alerta para possíveis novos acidentes.

Uma emissora de televisão me entrevistou e eu disse que algumas universidades — em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais — têm depósito de lixo radioativo. O repórter decidiu entrevistar Luiz Pinguelli Rosa e ele disse: “Tem, mas está tudo seguro”. Ora, se dizem que tem lixo radioativo, mas não tem depósito, qual é a segurança? No caso de sua pergunta, o alerta de Pinguelli deveria ser feito de modo mais contundente.

Euler de França Belém — A mídia goiana discute a questão das vítimas, o atendimento e as pensões, mas raramente debate o acidente.

A imprensa deveria discutir o acidente de forma mais acentuada. Os jornais deveriam mergulhar na questão. Falta uma seqüência de reportagens mais sólidas. Qual o resultado da pesquisa da professora Telma Camargo da Silva, da UFG? Por que a imprensa não busca saber o resultado desse estudo? A TV Anhanguera tem um acervo do acidente ou não? Depois de 20 anos, Goiás não produziu nenhum jornalista especializado no acidente. Tenho um acervo que considero muito rico — são mais de 200 horas de fitas de vídeo. Sou muito procurado e abro meus arquivos para todos.

Euler de França Belém — Qual é o melhor livro sobre o acidente de Goiânia?

O do jornalista Fernando Gabeira não fala especificamente sobre o acidente de Goiânia, e sim a respeito da energia nuclear no mundo. O meu livro, Eu Também Sou Vítima, trata exclusivamente do acidente do césio. Há trabalhos científicos, mas de difícil acesso popular. É estranho que o país tenha se interessado tão pouco por um acidente de tal gravidade. Estive em São José do Rio Preto, num congresso de jornalismo científico, e ninguém sabia nada a respeito do acidente. Levei um susto.

Euler de França Belém — Se o responsável pelo acidente é o governo federal, que manda na CNEN, por que o promotor de justiça Marcos Antônio Ferreira Alves trabalha para que o governo de Goiás indenize e ampare, solitariamente, as vítimas da radiação?

Não sei por quê. Trata-se de uma boa pergunta. O fato é que Marcos Antônio faz um excelente trabalho em defesa das vítimas do acidente radioativo e também atua para envolver o Ministério Público Federal. Ele é um dos maiores conhecedores da história das vítimas do césio.

Euler de França Belém — O governo estadual gastou uma pequena fábula para bancar as despesas com as vítimas do césio. O ex-governador Henrique Santillo contou, e o sr. cita no livro, que Goiás gastou milhões de reais.

O governo goiano gastou muito dinheiro e não foi ressarcido. Trata-se de um debate que os políticos goianos precisam travar. Não é uma questão morta.

Euler de França Belém — No livro Eu Também Sou Vítima, o sr. registra uma grave denúncia do promotor de justiça Marcos Antônio Ferreira Alves: “Tenho depoimentos que relatam que os medidores tinham os alarmes sonoros desligados para não causar pânico nos trabalhadores”. Ele está citando as pessoas que trabalharam nos locais contaminados pelo césio.

Como o ambiente de trabalho na CNEN era militar, não se conversava. As coisas eram impostas. É muito estranho o Serviço Nacional de Informação (SNI), hoje Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), ter assento na Comissão de Energia Nuclear.

Hélmiton Prateado — Os diretores da CNEN, ao desligarem os medidores, mostraram um alto grau de irresponsabilidade.

O sistema de comunicação da CNEN deveria mudar — e muito. Fui escolhido para trabalhar na assessoria de imprensa da CNEN porque ninguém queria vir para Goiânia. Lidar com um setor que não quer se abrir é muito complicado.

Euler de França Belém — E a história de que os alarmes sonoros dos medidores de radioatividade eram desligados?

Recebi a mesma informação que repassaram ao promotor de Justiça. Os técnicos às vezes andavam com o contador gêiser desligado na rua porque o barulho incomodava as pessoas. É o que ouvi. Ressalto que, no geral, o trabalho dos técnicos era muito sério, tanto que a cidade, os pontos atingidos, foi descontaminada.

Euler de França Belém — O sr. relata a história de um chapa que denunciou que alguns tambores com o lixo radioativo estavam deteriorados. A versão do trabalhador: “Tirávamos os rejeitos do tambor furado ou enferrujado e passávamos para outro manualmente. O danificado era amassado a marretadas e colocado em uma caixa metálica. A ordem, em dia de visita, era virar os tambores enferrujados, remendá-los e pintá-los com spray amarelo ou cobri-los com lona para que as câmeras não pudessem filmá-los ou fotografá-los”.

Eu gravei imagens que provam isso. Tenho um DVD que mostra dois galões com buracos. Quando os tambores eram jogados nos caminhões, caía terra e os trabalhadores, sem orientação, pegavam com as mãos. Eu filmei — não há como negar.

Euler de França Belém — Como foi a escolha do depósito de lixo radioativo em Abadia de Goiás?

Ao perceber o caos a respeito da escolha do local definitivo para o depósito do lixo radioativo — ninguém queria ficar com o material —, políticos goianos e cientistas, depois de examinar vários locais, sugeriram uma área em Abadia de Goiás, próximo de Goiânia. Houve reações, fecharam estradas, incendiaram pneus, mas o governo Santillo agiu com firmeza. O engenheiro (de Furnas) Alfredo Tranjan Filho foi importante na escolha do local e, sobretudo, na organização do depósito.

Euler de França Belém — Qual foi o cientista, ou técnico, que ficou como símbolo do trabalho de descontaminação da cidade e do tratamento das pessoas?

Há vários cientistas e técnicos sérios. É difícil apontar apenas um. Um cientista nuclear, Alfredo, estava sempre varrendo os lugares do acidente do césio. Ele não estava varrendo barro ou poeira — e, sim, césio. A cena era muito curiosa. Um dos grandes trabalhadores era o Alfredo (não é o que varria césio) Tranjan Filho, que foi coordenador do Projeto Goiânia, da CNEN. Este é o meu “ídolo trabalhista”. Ele falava assim: “Por favor, pára de perguntar um pouco. Eu tenho de descansar”. Por uma questão de afinidade, não lhe dava trégua. Eu estava trabalhando para a CNEN, e todos os dias, às 8 horas, levava o briefing para a imprensa.

Euler de França Belém — Daqui a quatro meses, o acidente completa 20 anos. O governo goiano organizou alguma programação para discutir o acidente? As universidades vão fazer algum seminário?

Não sei. O congresso internacional da CNEN, que contará com a participação de pessoas que trabalharam na descontaminação de Goiânia e no tratamento das vítimas do césio, será realizado em outubro.

Hélmiton Prateado — A Secretaria de Saúde mantém a discussão sobre o acidente do césio ou a questão está vinculada a outra secretaria?

Deveria ser a Secretaria de Saúde, mas parece que a questão está sob o controle da Secretaria de Ciência e Tecnologia. O problema é que a Secretaria de Saúde não tem dinheiro.

Euler de França Belém — Como o sr. avalia o filme Césio 137 — O Pesadelo de Goiânia?

É um trabalho surreal. O diretor poderia ter feito um documentário-filme. O meu material é um filme, e mais fidedigno. Entrevistado por mim, Odesson Alves Ferreira conta a história das pessoas e do acidente, e eu acrescento com informações que apurei nos bastidores. Trata-se de um filme feito em VHS.

Euler de França Belém — Como as pessoas que roubaram a peça com o césio se sentiram depois de descobrir a tragédia que provocaram?

Elas avaliam que não roubaram — retiraram a peça de um lugar abandonado. Haviam passado pelo local umas quatro vezes, tentando retirar a peça, e ninguém dizia nada. Ao verem a peça, pensaram que poderiam vendê-la para um ferro-velho. Descobriram que o peso era do chumbo e disseram: “Vamos ficar ricos”. Não imaginaram que dentro da peça havia uma “marmitinha” mortal — com o césio 137 — com 15 centímetros de altura e 20 centímetros de diâmetro. Bateram até furar a peça e começaram a espalhar o pó. Para se ter uma idéia da força do césio, Roberto Santos Alves, num dos dias em que havia mexido na máquina, foi almoçar na casa de um amigo na Rua 55, no Centro, e sentou-se em um pedaço de madeira. Mais tarde, quando um carro com técnicos da CNEN passou pela rua, o medidor de radioatividade “apitou”. Tiveram que fazer um mapa dos locais por onde Roberto havia passado. O acidente do césio não é assunto apenas para cientistas e deve ser discutido pela sociedade, sobretudo nas escolas.

Hélmiton Prateado — Por que a questão é pouco debatida?

Porque se tornou assunto de cientistas, ou seja, de guetos. Procede que um laboratório afundou em Angra dos Reis? Não se sabe exatamente. Por que não se discute a irradiação de alimentos. Como se sabe, comemos alimentos irradiados há muito tempo. Isto faz bem ou mal? Se é positivo, por que não discutir o assunto de modo mais acentuado?

Euler de França Belém — Depois do governador Henrique Santillo, outros governadores se interessaram pelo assunto do césio?

A política definida em relação ao césio é a do esquecimento. De algum modo, esquecer o acidente é quase como negar que tenha acontecido — é postular que não há uma história ou que ela morreu junto com algumas das vítimas. O césio, que existe e fará parte da história do Estado por, no mínimo, mais 280 anos, poderia trazer algum benefício para Goiás? É provável que sim, sobretudo na questão da pesquisa científica. Um centro de estudos avançado teria apoio internacional.

José Maria e Silva — A intenção era fazer um centro de estudos em Abadia de Goiás.

Com a história dos 20 anos, pretendem fazer um centro de estudos.

“Ministério da Saúde é omisso”

Euler de França Belém — A respeito das vítimas, o que ainda é preciso discutir?

O atendimento médico. O Ministério da Saúde até hoje não participou, diretamente, do atendimento às vítimas. A questão não pode ser administrada tão-somente pela Secretaria de Saúde de Goiás. Não se sabe o que vai acontecer com algumas pessoas que de algum modo tiveram contato com o césio, mesmo assim, não se sabe por quê, o Ministério da Saúde não se manifesta. O governo federal tem sido omisso.

Euler de França Belém — As vítimas do césio são atendidas no Hospital Geral de Goiânia. Elas têm prioridade?

São atendidas no HGG, e têm prioridade. Mas reclamam, com razão, que faltam medicamentos. O problema de medicamentos é, infelizmente, geral. O centro de saúde Juarez Barbosa, que fornece remédios de alto custo, é uma calamidade.

Euler de França Belém — As vítimas do acidente continuam se reunindo na associação?

Continuam. Elas sabem que se trata de uma luta para a vida toda. Odesson Alves Ferreira é quem comanda a batalha.

Euler de França Belém — Quantas pessoas participam da associação?

Não tenho o número preciso. Sei que mais de 600 pessoas recorreram ao Ministério Público para receber algum apoio do Estado — pensão ou assistência médica. Não sei se todos são associados.

“Cadê os arquivos do césio?”

Euler de França Belém — Depois de 20 anos, o que o sr. avalia que falta discutir a respeito do acidente?

É preciso criar uma norma de comunicação a respeito da questão da radioatividade-nuclear. Se houver um novo acidente, como se portar, como comunicá-lo? Não se sabe, pois não há quaisquer regras. Em Goiânia, houve um pandemônio: cada setor dizia uma coisa, o que gerou pânico. Também é importante comunicar à sociedade o que se descobriu e o que se fez em Goiânia. A cidade foi descontaminada? Sim, mas como foi feito o trabalho?, cadê sua história?, qual é a situação das vítimas? Depois de 20 anos, temos informações dispersas, não conectadas. A falta de uma história do acidente, com fartura de dados oficiais, que existem em algum lugar, é, de certo modo, uma forma sutil de negar o acidente. Ou melhor, de suavizar o que aconteceu, de não admitir sua gravidade. Os jornais perguntam sobre os arquivos da Guerrilha do Araguaia — e eu pergunto: cadê os arquivos do césio?

Euler de França Belém — A CNEN organizou, pelo menos para consumo interno, a história do acidente radioativo?

Espero que tenha organizado. Pelo menos tem muitos dados reunidos por uma equipe de cientistas do primeiro time. Além de ter um excelente capital humano. Rex Nazaré permitiu que eu filmasse até a reunião de avaliação do acidente. Gravei 20 fitas do encontro que congregou cerca de 400 pessoas. As fitas são um registro da história do acidente.

Hélmiton Prateado — Por que os dados obtidos pelo sr., durante a reunião, não foram comunicados publicamente pela CNEN?

Não sei se por uma questão de censura, falta de visão ou outro motivo. Ao gravar as informações, com a anuência de Rex Nazaré, meu objetivo era montar um documentário e mostrar nas escolas. Rex Nazaré gostou da idéia e prometeu me ajudar. Gravei as fitas, que resultam num documentário fabuloso, mas não consegui organizar o projeto de mostrá-lo nas escolas.

Euler de França Belém — Na Ucrânia, há pelo menos uma história oficial, escrita, do acidente de Chernobyl. No caso de Goiás, é provável que haja uma história oficial para consumo interno da CNEN. Por que essa história não vazou?

A história escrita da CNEN, que foi enviada para Viena, para a Agência Internacional de Energia Nuclear, vazou, mas não alcançou repercussão pública. A história comporta várias versões ou interpretações.

Hélmiton Prateado — Quais versões?

Você pode achar estranho, mas a história contada por um físico nuclear do Nordeste é diferente da história relatada por um físico nuclear de São Paulo ou do Rio de Janeiro. Um físico nordestino tende a enriquecer as histórias de modo diferente do estilo seco ou objetivo de um paulista. Um deles conta que ficou esperando os porcos contaminados morrerem e, como eles demoravam a morrer, ficou agoniado. “Não havia nenhuma cerveja para a gente tomar”, contou ele, num conclave internacional. Eu pretendo editar um segundo livro sobre a história do césio.

José Maria e Silva — No lugar da CNEN, o sr. não acha que o governo do Estado e as universidades de Goiás, como a UFG, deveriam adquirir seus arquivos para contribuirem para pesquisas e estudos sobre o acidente radioativo?

Há alguns anos, inscrevi meu material no Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), na Cidade de Goiás. Ganhou um indivíduo da Universidade Católica que produziu um vídeo a partir dos meus arquivos, e eu, estranhamente, perdi. O cineasta João Batista de Andrade assumiu o comando do Fica e, por isso, coloquei meus vídeos à sua disposição. Não quero competir, mas o material pode ser exibido numa mostra paralela.

Euler de França Belém — O que os cientistas disseram de seu livro?

Alguns disseram “não é nada disso”, ou “há uma série de coisas a serem revistas”. Mas não contestaram as informações cruciais. Metade do livro é composta de histórias que os próprios cientistas contaram. Não inventei nada. Colhi e publiquei as histórias.

Euler de França Belém — O que o sr. disse aos cientistas que o questionaram?

Ao preparar a segunda edição, pedi que enviassem textos apontando os problemas do livro. Expliquei que publicaria os questionamentos integralmente. Até agora, não mandaram nada.

“Vítimas têm medo de filhos nascerem com problemas”

Euler de França Belém — A oncologista Maria Paula Curado é um mito ou tem um trabalho relevante na questão do atendimento às vítimas do césio?

Maria Paula trabalha com seriedade e dedicação. É reconhecida internacionalmente. Eventualmente, abre mão de posições que poderia manter com mais energia.

Hélmiton Prateado — O sr. quer dizer que, às vezes, Maria Paula é “omissa” ou falta-lhe energia?

Ao ser confrontada com problemas expostos pelas vítimas do césio, Maria Paula, por ter cargo político, absorve orientações políticas. Noutras palavras, é representante do governo, não das vítimas do acidente radioativo. Repito, a Paulinha é uma médica competente e de uma seriedade inquestionável.

Euler de França Belém — A médica Maria Paula Curado disse: “Não possuímos aparelhos para dosificar o que talvez permaneça no corpo das vítimas 15 anos depois, e esse é um dos desafios”. Depois de 20 anos, o que aconteceu?

Não tenho competência técnica para discutir a questão. Mas vou consultar o físico Carlos Alberto Nogueira de Oliveira, que está em Viena, a respeito do assunto.

Euler de França Belém — Maria Paula disse também: “O grande mistério é identificar qual o dano genético provocado pela contaminação e o que essa mutação pode causar”.

Os cientistas e médicos deveriam acompanhar com mais atenção o que está acontecendo com as vítimas do césio e seus filhos. Há casos de má formação genética, mas não são suficientemente estudados. Pode-se dizer que há até certo descaso. Faço também uma pergunta: cadê os médicos que lidaram com as vítimas? Eles só aparecem na época de congressos, atualizam alguns dados — e só.

Euler de França Belém — Cito a oncologista Maria Paula mais uma vez, dada a importância do que expõe: “Aos que apresentaram altas doses de contaminação, recomendávamos evitar filhos. Ainda temos vítimas dessas altas doses que desejam filhos, mas não podem porque ficaram estéreis após o acidente. A radiação deixou cinco homens estéreis”. No livro, o sr. conta histórias de pessoas que tiveram filhos sem problemas.

Conheço pessoas que tiveram filhos normais. Mas há também problemas. Relato o caso de homens estéreis, de policiais militares com câncer.

Euler de França Belém — O sr. vivenciou o drama das famílias que queriam ter filhos mas não podiam?

Alguns me diziam que tinham medo do filho nascer aleijado.

Euler de França Belém — O sr. registra, no livro, dois casos de famílias cujos filhos nasceram com problemas sérios de má formação. Uma das crianças morreu.

Todos têm a “neura” de que o filho vai nascer aleijado. Eles fazem a mesma pergunta aos médicos: “Devo ou não ter filhos?”. Os médicos não têm como responder com precisão à pergunta.

Euler de França Belém — O homem Weber Borges se tornou mais rico, em termos humanos, depois de cobrir o acidente e, sobretudo, de não ter deixado de conviver com as vítimas do césio?

Há o Weber a.c. e o Weber d.c. Ou seja, antes e depois do acidente do césio. Não estou me comparando com Jesus Cristo [risos]. Sempre fui sensível, molengão, mas, sim, passei a ouvir mais as histórias dos outros, a entender suas dores. É impossível não se emocionar ao ouvir os depoimentos das pessoas. Elas são profundamente verdadeiras e doloridas. Há pouco tempo, aconteceu um fato curioso. Eu estava numa festa e uma morena linda não parava de me olhar, e comecei a pensar “será que hoje estou mais bonito?”. Na verdade, a morena era filha de uma pessoa contaminada pelo césio. Nos meus vídeos, verifiquei que, quando tinha uns 7 anos, ela me disse: “Moço, veja o que minha mãe pintou no muro da nossa casa”. O muro estava cheio de palavrões contra o governo. A criança era inocente.


FONTE: http://www.jornalopcao.com.br/index.asp?secao=Entrevistas&idjornal=240

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DENÚNCIA: SÍTIO CALDEIRÃO, O ARAGUAIA DO CEARÁ – UMA HISTÓRIA QUE NINGUÉM CONHECE PORQUE JAMAIS FOI CONTADA...



"As Vítimas do Massacre do Sítio Caldeirão
têm direito inalienável à Verdade, Memória,
História e Justiça!" Otoniel Ajala Dourado



O MASSACRE APAGADO DOS LIVROS DE HISTÓRIA


No município de CRATO, interior do CEARÁ, BRASIL, houve um crime idêntico ao do “Araguaia”, foi o MASSACRE praticado pelo Exército e Polícia Militar do Ceará em 10.05.1937, contra a comunidade de camponeses católicos do SÍTIO DA SANTA CRUZ DO DESERTO ou SÍTIO CALDEIRÃO, cujo líder religioso era o beato "JOSÉ LOURENÇO GOMES DA SILVA", paraibano de Pilões de Dentro, seguidor do padre CÍCERO ROMÃO BATISTA, encarados como “socialistas periculosos”.



O CRIME DE LESA HUMANIDADE


O crime iniciou-se com um bombardeio aéreo, e depois, no solo, os militares usando armas diversas, como metralhadoras, fuzis, revólveres, pistolas, facas e facões, assassinaram na “MATA CAVALOS”, SERRA DO CRUZEIRO, mulheres, crianças, adolescentes, idosos, doentes e todo o ser vivo que estivesse ao alcance de suas armas, agindo como juízes e algozes. Meses após, JOSÉ GERALDO DA CRUZ, ex-prefeito de Juazeiro do Norte/CE, encontrou num local da Chapada do Araripe, 16 crânios de crianças.


A AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELA SOS DIREITOS HUMANOS


Como o crime praticado pelo Exército e pela Polícia Militar do Ceará é de LESA HUMANIDADE / GENOCÍDIO é considerado IMPRESCRITÍVEL pela legislação brasileira e Acordos e Convenções internacionais, por isto a SOS DIREITOS HUMANOS, ONG com sede em Fortaleza - CE, ajuizou em 2008 uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a União Federal e o Estado do Ceará, requerendo: a) que seja informada a localização da COVA COLETIVA, b) a exumação dos restos mortais, sua identificação através de DNA e enterro digno para as vítimas, c) liberação dos documentos sobre a chacina e sua inclusão na história oficial brasileira, d) indenização aos descendentes das vítimas e sobreviventes no valor de R$500 mil reais, e) outros pedidos



A EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO DA AÇÃO


A Ação Civil Pública foi distribuída para o Juiz substituto da 1ª Vara Federal em Fortaleza/CE e depois, para a 16ª Vara Federal em Juazeiro do Norte/CE, e lá em 16.09.2009, extinta sem julgamento do mérito, a pedido do MPF.



AS RAZÕES DO RECURSO DA SOS DIREITOS HUMANOS PERANTE O TRF5


A SOS DIREITOS HUMANOS apelou para o Tribunal Regional da 5ª Região em Recife/PE, argumentando que: a) não há prescrição porque o massacre do SÍTIO CALDEIRÃO é um crime de LESA HUMANIDADE, b) os restos mortais das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO não desapareceram da Chapada do Araripe a exemplo da família do CZAR ROMANOV, que foi morta no ano de 1918 e a ossada encontrada nos anos de 1991 e 2007;



A SOS DIREITOS HUMANOS DENUNCIA O BRASIL PERANTE A OEA


A SOS DIREITOS HUMANOS, igualmente aos familiares das vítimas da GUERRILHA DO ARAGUAIA, denunciou no ano de 2009, o governo brasileiro na Organização dos Estados Americanos – OEA, pelo DESAPARECIMENTO FORÇADO de 1000 pessoas do SÍTIO CALDEIRÃO.


QUEM PODE ENCONTRAR A COVA COLETIVA


A “URCA” e a “UFC” com seu RADAR DE PENETRAÇÃO NO SOLO (GPR) podem localizar a cova coletiva, e por que não a procuram? Serão os fósseis de peixes do "GEOPARK ARARIPE" mais importantes que os restos mortais das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO?



A COMISSÃO DA VERDADE


A SOS DIREITOS HUMANOS busca apoio técnico para encontrar a COVA COLETIVA, e que o internauta divulgue a notícia em seu blog/site, bem como a envie para seus representantes no Legislativo, solicitando um pronunciamento exigindo do Governo Federal a localização da COVA COLETIVA das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO.


Paz e Solidariedade,



Dr. Otoniel Ajala Dourado
OAB/CE 9288 – 55 85 8613.1197
Presidente da SOS - DIREITOS HUMANOS
Membro da CDAA da OAB/CE
www.sosdireitoshumanos.org.br
sosdireitoshumanos@ig.com.br

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