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Caetité pede atenção

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Localizada a 750 quilômetros de Salvador (BA), Caetité vive as consequências da exploração de uma mina de urânio na cidade que tem rendido problemas como o aumento do custo de vida e, ainda, contaminação da água da qual 46 mil pessoas utilizam diariamente. "Entre os problemas principais estão o aumento da incidência de câncer, o potencial de drenagem ácida no sítio da mina e a preocupação com o futuro, pela convivência com uma indústria que já rendeu para Caetité o estigma de região radioativa e futuro depósito de lixo atômico, afugentado turistas e estudantes", explica Zoraide Vilas Boas, presidente da Associação Movimento Paulo Jackson, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.

Zoraide nos conta sobre os incidentes que já ocorreram na mina, como estes são apresentados à comunidade e que tipo de problemas a médio e longo prazos a convivência com a mina estão trazendo para toda a população da cidade. "A população passou a temer mais os efeitos da mineração na saúde, a partir de 2005, quando as Indústrias Nucleares do Brasil - INB admitiram que não faziam o monitoramento da saúde dos trabalhadores e dos moradores do entorno da mina, descumprindo a condicionante do licenciamento ambiental", conta ela.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a situação da mina de urânio localizado na cidade de Caetité (BA)?

Zoraide Vilas Boas – 
Não saberia dizer, com precisão, a situação da mina, porque a marca registrada do setor nuclear – de falta de transparência, de diálogo, de informação – não é diferente na Bahia, onde as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) exploram urânio há mais de dez anos. Subordinada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, a INB é uma sociedade de economia mista que atua com produtos e serviços relacionados ao ciclo do combustível nuclear. É controlada pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), proprietária e, ao mesmo tempo, fiscal das principais instalações nucleares e radioativas do país. Assim, os poderes públicos, a imprensa, a sociedade não têm livre acesso ao que se passa na Unidade de Concentrado de Urânio (URA), que fica em Caetité, no sudoeste baiano.

O que sabemos é que a URA não consegue se enquadrar nas normas de radioproteção e segurança, nacionais e internacionais; que foi acusada de imperícia e negligência pela própria CNEN, que já parou sua produção inúmeras vezes para consertar erros do projeto de engenharia e que acumula várias queixas trabalhistas na Justiça, sendo réu em duas Ações Civis Públicas, propostas pelos Ministérios Públicos Estadual (MPE) e Federal (MPF), em 2009. Só em 2010 a empresa barrou duas visitas às suas instalações: uma da deputada do PV alemão, Ute Koczy, porta-voz do partido para assuntos relacionados à política de desenvolvimento. Em agosto, ela veio conhecer detalhes e efeitos socioambientais do Programa Nuclear Brasileiro e das representantes da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma Dhesca Brasil (Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais). E também barraram a visita da socióloga Marijane Lisboa, professora da USP, e da antropóloga Cecilia Mello, que tentaram conhecer a mineração, em julho passado.

A mina fica no distrito de Maniaçu, sertão da Bahia, entre os municípios de Lagoa Real e Caetité, a 750 quilômetros de Salvador, capital do estado. Caetité tem mais de 46 mil habitantes, sendo 40% na zona rural. Lagoa Real tem cerca de 14 mil, com 80% na zona rural. Ali, o urânio é extraído do minério, purificado e concentrado em forma de sal amarelo, que vai para o Canadá, onde é convertido em gás, seguindo para enriquecimento em países europeus e volta à Fábrica de Rezende (RJ), onde se conclui a geração do combustível para as usinas Angra I e II (RJ).

Apesar da tentativa de impor que o setor nuclear seja estratégico, de segurança nacional, o que justificaria sigilo total sobre suas atividades, os movimentos e entidades sociais e populares têm conseguido reagir contra a manipulação da informação pelo setor, a omissão dos poderes públicos fiscalizadores e a falta de controle social sobre a URA. Hoje, por exemplo, embora não se tenha conhecimento de comunicado oficial aos órgãos públicos, ou à sociedade, sabemos que a produção está parada desde julho passado.

Sindicalistas revelaram que isto aconteceu pela “inoperância e incompetência” dos gestores, responsáveis por “uma série de barbeiragens administrativas, onde o que se viu foi uma completa falta de entendimento entre a CNEN e a INB. Ninguém cobrava de ninguém a responsabilidade e a situação se agravou ao ponto de gerar um prejuízo imenso aos cofres públicos”. Falaram ainda que isto é parte de um plano “ardiloso e vil” para privatizar a empresa, mas não informaram os motivos da paralisação. Segundo comentários extraoficiais, um vazamento de solvente químico (ácido sulfúrico e outros) para o solo, de proporção ainda desconhecida, levou a paralisação para reconstruir a unidade de estocagem e regeneração de solventes, que era tecnicamente inadequada para o serviço. As comunidades estão preocupadas, pois há cerca de dois anos fotografaram, perto da área industrial, um minadouro estranho, de uma água barrenta e espumosa, fato até hoje não investigado, ao que se sabe. Fala-se também que as bacias de armazenagem dos rejeitos atômicos estão abarrotadas e a manta que fica no pátio de lixiviação, onde o minério é submetido à solução de ácido sulfúrico para a retirada do urânio, estaria furada, provocando contínuos vazamentos.

IHU On-Line – E quais foram os principais problemas que essa mina trouxe para a população?

Zoraide Vilas Boas – 
Inicialmente, Caetité sentiu os efeitos sobre a economia, com a subida de preços de bens de consumo, uso e serviços, de imóveis e aluguel, quando o custo de vida praticamente quadruplicou. Na sequência da degradação psicossocial e ambiental, vieram o medo, a incerteza pela convivência com uma atividade de alto risco para os trabalhadores, a população e o meio ambiente.

Entre os problemas principais estão a escassez e a contaminação da água, o aumento da incidência de câncer, o potencial de drenagem ácida no sítio da mina e a preocupação com o futuro, pela convivência com uma indústria que já rendeu paraCaetité o estigma de região radioativa e futuro depósito de lixo atômico, afugentado turistas e estudantes. O comércio se queixa de prejuízos decorrentes do preconceito contra a mineração atômica, mas quem mais sofre são as comunidades que vivem num raio de 20 quilômetros, definido como área de influência da URA, perto de mil famílias de baixa escolaridade, lavradores, pequenos proprietários rurais, que são as mais desassistidas pelo Estado. Mas também comunidades rurais dos municípios deLagoa Real e Livramento são afetadas pelos malefícios da mina.

A questão do saneamento ambiental em Maniaçu é gravíssima. Não existe água para consumo básico, nem para comer. Além de comunidades rurais estarem consumindo água contaminada, o aquífero está rebaixando e os poços estão ressecando rapidamente. Estes problemas já eram previstos no Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima), que indicou agravos à saúde da população, alteração da qualidade do ar, poluição radioativa e contaminação das águas subterrâneas, do solo e da vegetação. A região tem sofrido com a violação de direitos humanos, como o direito à segurança no meio ambiente do trabalho, à saúde, à informação.

Lavradores foram induzidos a autorizar o uso gratuito, por tempo indeterminado, das águas subterrâneas de suas propriedades, passando para a URA o controle da água, oriunda de poços artesianos. Dezenas de poços foram abertos e, em 2007, uma seca prolongada castigou mais de cem famílias rurais, que perderam lavouras e ficaram dependentes de água fornecida pela INB. Hoje temem o impacto da liberação de radônio na atmosfera e da poeira gerada pelas explosões atômicas e têm seus produtos agropecuários recusados em feiras livres. São as maiores vítimas do descaso, da omissão, da negligência dos poderes públicos locais, estaduais e federais.

IHU On-Line – Que tipo de incidentes já ocorreram na mina?

Zoraide Vilas Boas – 
Em dez anos de funcionamento, há registro de mais de 12 eventos, entre acidentes e incidentes nas instalações, no processo produtivo ou com operários, todos classificados pela empresa como rotina operacional, independente da sua dimensão. Muitos desses problemas, que envolvem também o transporte do urânio até o porto de Salvador, estão detalhados no Relatório sobre Fiscalização e Segurança Nuclear, da Câmara dos Deputados, que mostra os riscos de acidentes nucleares e radiológicos no Brasil devido à fragilidade da fiscalização e à falta de estrutura do sistema de radioproteção – o Sipron. O relatório denuncia a omissão e a conivência do Ibama, para com a mineração em Caetité, que é de alto risco para a população e o meio ambiente.

O primeiro e grave acidente ocorreu em abril de 2000, poucos meses após o início oficial da operação, com o rompimento das mantas de isolamento das piscinas, que liberou para o solo cerca de 67 quilos do concentrado de urânio. A INB e a CNENtentaram esconder o fato a todo custo, chegando a sustentar uma versão de sabotagem. Só três anos depois admitiram o evento, afirmando que os danos foram insignificantes. Em 2004, a bacia de retenção de particulados da cava da mina transbordou sete vezes, liberando líquido, com concentração de urânio-238, tório-232 e rádio-226 para o solo. Os fiscais da CNEN recomendaram a suspensão da mineração, pelo risco de desabamento e contaminação do lençol freático, e a não renovação da Autorização de Operação. Mas a CNEN ignorou o parecer dos seus fiscais.

Em junho de 2008, ocorreu novo transbordamento de licor de urânio, só confirmado três meses depois pelo Ibama. No ano passado, mesmo sem autorização do Ibama, e sem licença de ampliação da planta para fazer extração subterrânea, a INB anunciou a conclusão de um túnel de 500 metros na rocha para começar a mineração subterrânea. De outubro a dezembro de 2009 ocorreram pelo menos mais dois vazamentos, numa freqüência de eventos que aumenta a desconfiança sobre as competências científica e técnica da empresa para lidar com a atividade atômica. 

IHU On-Line – Quais são as principais reivindicações de quem vive na cidade?

Zoraide Vilas Boas –
 As populações da região reivindicam uma urgente auditoria no complexo INB, por um grupo técnico multidisciplinar, independente, com representantes da comunidade, e acompanhamento dos Ministérios Públicos Federal e Estadual; a implantação de um sistema de vigilância epidemiológica, toxicológica, para identificação de doenças decorrentes de radiações ionizantes e a instalação, no SUS, de um núcleo para a prevenção e tratamento de doenças ocupacionais. Reivindicam uma investigação socioambiental e epidemiológica, independente e transparente, sobre os riscos de contaminação humana e do meio ambiente por urânio e outros elementos químicos associados à exploração desse minério.

Desde 2008, com o agravamento dos conflitos pelo uso da água, escassa no semiárido e consumida em larga escala pela INB, as comunidades reivindicam a aplicação da Lei de Recursos Hídricos, segundo a qual, em situação de carência, a prioridade do consumo é para o abastecimento humano e animal. A partir de 2009 lutam pelo cumprimento da liminar concedida pelo juiz de direito de Caetité, em Ação Civil Pública proposta pelo MPE, que determina ao governo do estado, INB, prefeituras de Caetité e Lagoa Real a adoção de providências urgentes para garantir a segurança alimentar e de saúde das populações da região, ainda não cumpridas integralmente pelos réus.

Reivindicam também a imediata suspensão das atividades da INB, até ser garantida a proteção dos trabalhadores e da população, como foi requerido pelo PPF, em Ação Civil Pública. O MPF propôs ainda que a União e a CNEN custeiem a realização da auditoria independente, solicitada pela sociedade desde o acidente de 2000, e que o IBAMA suspenda a licença ambiental existente e não conceda outras até serem sanadas todas as irregularidades atribuídas à mineração, em especial a separação entre as funções hoje acumuladas pela CNEN, de órgão regulador e fiscalizador de si mesmo. 

IHU On-Line – Que tipo de resíduos e lixo essa usina de Caetité produz?

Zoraide Vilas Boas –
 Para nós, o resíduos líquidos, sólidos, gasosos (este de dispersão incontrolável), “bota-fora”, rejeitos, estéril fazem parte de uma só, desafiante e perigosa incógnita, não solucionada por nenhum pais do mundo: o lixo atômico, gerado em atividades minero-radioativas, cujos efeitos duram pelo menos 50 mil anos, e que se avoluma no mundo, como uma ameaça para o futuro da humanidade.

O urânio sai da Bahia para alimentar as usinas de Angra dos Reis, deixando emCaetité os custos do uso dessa tecnologia, cara e perigosa. O lixo é produzido em grande quantidade, devido à baixa concentração do urânio, mas não se sabe quantas toneladas de rejeitos sólidos já existem. Segundo a INB, a produção de uma só tonelada de urânio está resultando em três toneladas de estéril. O lixo fica estocado em tonéis, abertos, corroídos, expostos a chuvas fortes, contribuindo para a contaminação do solo e das águas superficiais e subterrâneas e estaria sendo enterrado na URA. O futuro do lixo atômico em Caetité é uma grande interrogação e preocupação. Ao que tudo indica, pela omissão da prefeitura municipal e pela improvisação que predomina no setor, será deixado de herança para o município administrar quando a reserva do minério acabar. 

IHU On-Line – O meio ambiente de Caetité mudou muito em função da usina de urânio?

Zoraide Vilas Boas –
 Certamente que o meio ambiente na região mudou muito e para pior. Os malefícios não foram ainda devidamente quantificados porque o setor nuclear, além de conseguir que a INB funcionasse desrespeitando os Princípios da Precaução e Prevenção, exigidos pela legislação ambiental, e as convenções internacionais de segurança nuclear, assistiu os poderes públicos estaduais, federais e municipais atravessarem mais de uma década sem fazer uma avaliação da qualidade do ar, da saúde dos trabalhadores e da população, dos produtos agropecuários, do solo. Só a água passou a ser monitorada, mesmo assim de forma irregular, pelo órgão gestor de águas do estado, o Inga.

Depois da primeira análise da qualidade da água no entorno da mineradora, que confirmou a contaminação de três poços ao redor da mina, denunciada, no final de 2008, pelo Greenpeace, o Inga fez mais três coletas, confirmando teor de radiação acima dos índices permitidos pela OMS, Conama e portaria de potabilidade da água do Ministério da Saúde. Por isto, determinou a interdição de 11 pontos, nove usados para consumo humano e animal e dois de uso industrial pela INB. Mas as comunidades seguem consumindo a água contaminada, pois o fornecimento de água potável pela estado, prefeituras e INB, determinado pela Justiça, não é suficiente para atender as necessidades das famílias afetadas.

IHU On-Line – Existe uma estimativa sobre a quantidade de casos de câncer que vem aparecendo na região de Caetité depois da exploração do urânio?

Zoraide Vilas Boas – 
Como falamos em relação à agricultura, ao saneamento ambiental, na assistência médico-social é o mesmo descaso. Não existe um acompanhamento transparente e permanente por parte dos poderes públicos competentes, nem pela INB, que possa revelar, com precisão, a evolução da saúde humana na região.

A população passou a temer mais os efeitos da mineração na saúde, a partir de 2005, quando a INB admitiu que não fazia o monitoramento da saúde dos trabalhadores e dos moradores do entorno da mina, descumprindo a condicionante do licenciamento ambiental. A assistência à saúde sempre foi precária na região, que não dispõe de um centro de diagnóstico de câncer, decorrente de exposição a radiações ionizantes, e novos casos são registrados, inclusive entre os trabalhadores.

Observações pessoais revelam um crescente índice de câncer e depoimentos de ex-empregados relatam contaminação por contato direto com o urânio. Em diversas inspeções na URA, o Centro de Saúde do Trabalhador da Secretaria Estadual de Saúde (SESAB) registrou irregularidades na avaliação de segurança e medicina do trabalho. Segundo a SESAB, as neoplasias apresentam tendência crescente entre os grupos causadores de morte, sendo a segunda causa de óbitos na região, desde 1999, período do início da exploração. O alto índice de causas de morte não identificadas, mais de 40%, dificultam uma estatística mais próxima da realidade, enquanto a INB, claro, nega qualquer nexo entre o crescente índice de câncer e sua atividade.

Sabemos que a mineração eleva o potencial de exposição à radiação, especialmente dos trabalhadores e das comunidades que vivem no entorno da mina. Contudo, o setor nuclear insiste que há um limite para a exposição à radiação, incapaz de afetar a saúde humana, minimizando os riscos da URA. Mas especialistas no ramo consideram que qualquer dose de radiação, por menor que seja, produz efeito colateral no ser humano. O relatório de 2005, da Academia Nacional de Ciências, sobre os Riscos a Saúde por Exposição a Baixas Doses de Radiação Ionizante, afirma que não existe limite seguro para radiação. Segundo a ciência médica, todos os níveis de radiação causam câncer, mesmo a exposição a doses muito baixas, como o setor nuclear classifica a radiação em Caetité, onde a saúde da população não recebe a atenção devida pelo poder público, enquanto as comunidades são obrigadas a deixar seus afazeres para ir à luta a fim de tentar assegurar seu direito à saúde, à informação, à justiça ambiental, à vida!

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Caetité está em estado de emergência desde o dia 24 de Setembro

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O município de Caetité, distante 750 quilômetros de Salvador, está em estado de emergência desde o dia 24 de setembro. Encravada no meio do sertão baiano, a cidade tem sofrido com a estiagem que atinge a região nos últimos meses. Para agravar a situação, duas das principais fontes de água de Caetité, os poços localizados nas comunidades de Maniaçu e Lagoa Grande, estão interditados há mais de um ano. O motivo: contaminação por urânio. A denúncia foi feita pelo Greenpeace e os resultados das análises têm confirmado a tese da ONG. Segundo João Antônio Portella, secretário municipal do Meio Ambiente, o teor de urânio na água de Caetité chega a 0,25 miligrama por litro, mais de 15 vezes o limite recomendado pela Organização Mundial de Saúde, de 0,015 miligrama por litro.

Para o Greenpeace, a grande vilã dessa história é a mina de urânio instalada na cidade pela Indústrias Nucleares do Brasil – INB, estatal que detém o monopólio sobre a extração e produção de urânio no país. Inaugurado há 10 anos, o empreendimento deveria trazer o progresso à região, mas acabou se tornando o terror dos moradores de Caetité. Hoje, poucos são os que ainda se arriscam a beber a água fornecida pela rede pública. “Não dá para dizer nem que a água está nem que não está contaminada. Ninguém sabe ao certo se esses índices são normais ou causados por algum vazamento na mina”, diz Portella.

A INB, por sua vez, alega que por se tratar de uma região cujo solo é rico em urânio, é natural que os índices estejam acima da média. “O urânio está lá há 400 milhões de anos”, afirma Otto Bittencourt Netto, diretor de recursos naturais da estatal. “A atividade da INB em nada contribuiu para elevar os índices.” Segundo a empresa, mais de 16 000 análises são realizadas todos os anos, em 150 poços da região, sem qualquer caso comprovado de aumento na concentração de urânio na água. O Instituto de Gestão das Águas e Clima da Bahia, órgão responsável pelas análises oficiais no estado, confirma que os poços sofrem de radiação natural, mas estão liberados desde o dia 17 de setembro, com a condição de que a água seja previamente tratada por dessalinizadores. A prefeitura, porém, não dispõe de tais equipamentos.

O fato é que, desde que o problema veio à tona, há pouco mais de um ano, a vida dos 45 000 moradores de Caetité mudou. O clima de insegurança tomou conta da cidade. A desinformação é total. Os agricultores sofrem com a desconfiança dos vizinhos. Por enquanto, só resta aos moradores de Caetité se conformar com a água trazida de outras cidades por caminhões-pipa e distribuída pela prefeitura – que já gastou quase 200 000 reais na operação.

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1º Festival Internacional de Filme sobre Energia Nuclear

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O 1º Festival Internacional de Filme sobre Energia Nuclear vai acontecer em Maio 2011 no Rio de Janeiro e em Junho 2011 em São Paulo. O Festival pretende informar a sociedade e estimular produções independentes audiovisuais sobre energia nuclear e todo o ciclo nuclear, os riscos da radioatividade e especialmente sobre exploração, mineração e o processamento de Urânio. Toda sociedade, todo povo tem o direito de escolha. Mas para decidir, é necessário informação. Acreditamos que informação independente é essencial  para o cidadania global. Informação independente é o básico para decisões independentes. 
O segundo objetivo do Festival é a criação do Arquivo Amarelo. A cor amarela é o símbolo da energia nuclear. Até o momento a maioria dos documentários independentes sobre este assunto é produzido em línguas não lusofônicas, geralmente em inglês, alemão e francês. O Arquivo Amarelo será a primeira cinemateca de filmes sobre energia nuclear legendados em português e estará disponível para escolas, universidades e interessados em geral, sem fins lucrativos. Deste modo, o Festival vai continuar a viajar por todo o Brasil, América Latina e mundo lusofônico. Além de atrair o público cinéfilo, o Festival contará com a presença de cineastas e jornalistas nacionais e internacionais. Também será dada uma atenção especial ao público escolar, havendo sessões especiais para escolas públicas e privadas. 

Também estão planejados eventos parelelos ao Festival: Debates e palestras sobre Energia Nuclear com convidados - especialistas e ativistas nacionais e internacionais do movimento contra mineração de urânio e pessoas afetadas pela mineração de urânio ou por outras instalações do ciclo nuclear. Exposição nuclear no famoso Centro Cultural Parque das Ruínas, em Santa Teresa, com cartazes dos movimentos sociais no mundo sobre Energia Nuclear, abrangendo o período de 1970 até 2010. E uma exposição com fotos do maior acidente radioativo em área urbana do mundo, Goiânia, 1987.
Nós acreditamos que o Festival Urânio em Movi(e)mento é muito importante não só para o Brasil, como também para a América Latina e especialmente para os outros países lusofônicos na Europa, África e Ásia. O evento vai ajudar a discutir a questão nuclear global. O Rio de Janeiro não é apenas o centro de energia nuclear do Brasil, mas também será a sede da Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016. E não podemos esquecer que em 2012 o Rio de Janeiro irá comemorar 20 anos do Earth Summit 1992 (ECO 92) e com a sua ajuda iremos realizar, paralelo à Rio+20, o 2º Festival Internacional de Filme sobre Energia Nuclear no Rio de Janeiro.

Márcia Gomes de Oliveira
 Norbert G. Suchanek
Contato
Email: info@uraniumfilmfestival.org

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13 de Setembro de 1987 - Passados 23 Anos

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13 de setembro de 1987 era um Domingo, durante aquele dia (de tarde) Wagner (Caminhoneiro) e Roberto (Reciclava lanternas de automóveis), ambos desempregados, estavam recolhendo sucatas e materiais recicláveis em Goiânia como forma de conseguir alguma renda. Em pleno centro da cidade os mesmos se depararam com uma ruína (Foto abaixo).


Lá dentro encontraram um aparelho de abandonado (Foto abaixo) com estrutura de metal e chumbo que foi recolhido em um carrinho de mão e...


...levado para a Rua 57 nº. 68 no Setor Central, naquele número moravam muitas famílias, era um lote com barracões para alugueis, mais ou menos 12 crianças com seus pais, ali o cilindro de chumbo e metal foi violado e o lacre que protegia a cápsula de Césio 137 fora rompido. O estranho e desconhecido objeto ficou ali debaixo de uma mangueira em cima de um velho tapete.

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3 Minutos de Silêncio & Sensibilidade

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Ano 2003.
Roteiro e Direção: Ângelo Lima
Fotografia: Raimundo Alves e Duane
Edição: Aline Nóbrega.



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Césio 137 - Vídeo Reportagem

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Rejeitos radioativos em Abadia de Goiás.

ATENÇÃO. NENHUM FILME A BAIXO DEVE SER CONSIDERADO COMO FONTE ÚNICA DE INFORMAÇÃO!!! 







Outros vídeos e documentários -> AQUI

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As Celebrações, A Memória Traumática & Os Rituais de Aniversário

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Os dados usados neste texto fazem parte do arquivo pessoal da autora e foram coletados com o apoio de financiamento da Wenner-Gren Foundation for Anthropological Research (Grant n. 5969; 7046). 

Telma Camargo da Silva
Doutora em Antropologia. Autora da tese: Radiation Illness Representation and Experience: The Aftermath of the Goiânia Radiological Disaster. City University of New York, 2002.

– Hoje é dia da Mãe! – disse José. Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de Coca-Cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante piscou. (...) Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem autoridade? O rancor roncava no seu peito vazio. (...) Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão.
Clarice LispectorFeliz Aniversário!


Os eventos que aconteceram em Goiânia e marcaram o mês de setembro de 1987 como o tempo físico do “maior desastre radiológico do mundo” sugerem que, em 2007, se anunciem os vinte anos do desastre. Mas o que significa esta passagem do tempo para os diferentes atores sociais do desastre? Quer dizer, a narrativa do aniversário é a mesma, entre outros, para os radioacidentados, para os estudiosos do tema, para os profissionais que trabalharam na contenção da radiação e na purificação dos espaços e dos corpos contaminados, para as organizações governamentais responsáveis pelo gerenciamento da catástrofe, para as ONGs? No caso de Anita, a avó do conto de Clarice Lispector, o tempo físico – 89 anos – é apropriado pelas diferentes significações que a ele atribuem a amiga, os familiares e a própria avó. Para os filhos, para a filha, para a viúva do filho predileto, o aniversário da avó se constitui em um encontro ritualístico que se renova a cada ano e que desnuda as múltiplas relações familiares que vão se constituindo e/ou se desfazendo ao longo do tempo. Para Anita, viver com 89 anos significa entender a invisibilidade, a dependência física e vivenciar “aquela angústia muda, de contemplação impotente” face à passagem de mais um aniversário.

O tempo físico, marcado na nossa cultura pelo calendário gregoriano, definido no século XVI, é sempre modelado pelo tempo social. Logo, as celebrações são significadas, entendidas e vividas num ritmo outro, assinalado, por exemplo, por espaços temporais de cinco anos, uma dezena de anos, vinte anos... O ritual das celebrações é engendrado, pois, por um tempo cíclico definido segundo os sentidos que a elas querem atribuir os guardiães de memória. Assim, as lembranças e o tempo apropriado para lembrar o passado descortinam, no presente, o campo de forças em que diferentes atores sociais disputam a representação dos eventos passados. Se, pois, a contagem do tempo é essencial para a produção de significações, para o entendimento de rituais que pela própria definição se processam em uma temporalidade repetitiva, falar de sobre aniversários é uma forma de entender as representações da vida social. O que dizer então dos sentidos construídos ao longo dos anos sobre a marcação do tempo do desastre radioativo de Goiânia?

Na maioria das vezes, a palavra “aniversário” é usada nas narrativas tecidas em torno de eventos festivos que celebram nascimentos, casamentos, formaturas. Outras vezes, aparece em anúncios de jornais indicando o “aniversário de morte” de um ente querido. Em ambos os casos, pode-se falar que essas celebrações remetem a uma temporalidade marcada por eventos pertencentes a ritos de passagem. O tempo cíclico assinala, nesses casos, transições de vida, de renascimentos, de mudanças e traduzem o pertencimento a uma identidade social ou a uma relação social que se escolhe conscientemente reverenciar e cuja memória se atualiza através do desempenho ritualístico. Como se processam então estes aniversários, estas celebrações, quando o evento motivador é um desastre e a ele se associa a memória traumática?

Nesses casos, a perspectiva antropológica assinala que o evento traumático só passa a ser ritualizado coletivamente pelas “comunidades de memória” quando se processa a passagem da experiência da catástrofe para a experiência da redenção (Turner, 1982). Ou seja, uma comunidade só escolhe datar um desastre e celebrar o seu pertencimento a esse evento, celebrando o seu aniversário, quando ela consegue associar as noções de superação e de sobrevivência às experiências vivenciadas na catástrofe.

As populações de cidades costeiras da Carolina do Norte e do Sul, nos Estados Unidos, devastadas pelo furacão Hugo, em 1989, participaram de vários rituais de celebração no primeiro aniversário do desastre. Estas comunidades organizaram um festival intitulado Remember Hugo Festivals, promoveram festas para agradecer aqueles que ajudaram a limpar a cidade, realizaram uma competição de malabarismo, uma vigília à luz de velas em frente ao Palácio da Justiça e uma festa à fantasia, onde os convidados deviam se vestir como estavam na noite e na manhã do desastre, portando os objetos usados no cotidiano vivenciado após a passagem do Hugo. Nesse caso, as observações de Forrest (1993) indicam que a celebração de pertencimento ao Hugo, e por isto a comemoração do aniversário, só foi possível porque as vítimas estabeleceram fortes laços sociais e emocionais no processo de superação do desastre. Os moradores das cidades criaram vínculos de confiança, compartilharam coragem no enfrentamento das adversidades e sentiram orgulho por terem reconstruído as cidades e suas vidas. Estas experiências compartilhadas engendraram uma nova comunidade de pertencimento definindo limites entre os habitantes dessas comunidades e os residentes das cidades vizinhas; entre os moradores que vivenciaram o desastre e os habitantes dessas cidades que se encontravam em viagem. É pois essa comunidade criada na vivência e superação do Furacão Hugo que festeja o aniversário do desastre.

A experiência do Holocausto, denominada em hebraico shoah, a exemplo do furacão Hugo, é ressignificada pelos sobreviventes do massacre de judeus europeus pelo nazismo e constituem também uma comunidade construída na vivência da tragédia. A memória traumática decorrente dos campos de concentração, das câmaras de gás e do exílio passam a integrar o ritmo e os rituais da vida pública dos judeus. Essa lembrança é atualizada em termos de rituais de comemoração, estabelecimento de monumentos públicos e privados e de re-elaborações artísticas e literárias do evento. Nesse caso, a experiência da catástrofe se transforma em experiência de redenção com a criação do Estado de Israel, em 1948. O rito de passagem se efetiva na mudança da condição de judeu em exílio para aquela engendrada pelo pertencimento ao Estado-Nação. Os rituais comemorativos e os lugares de memória se instituem como uma metáfora da comemoração da vida (Friedlander e Seligman, 1994). Aqui, os lugares e as datas comemorativas do Shoah interligam a catástrofe aos aspectos de superação representados pelo estabelecimento do Estado-Nação e assim o desastre é celebrado ritualisticamente.

Os aniversários de desastre seguem, em sua maioria, o padrão de quaisquer outros aniversários. Alguns estudiosos afirmam que o primeiro aniversário é o mais significativo porque os fatos vivenciados ainda estão muito vivos nas experiências cotidianas (Birtchnell, 1986 apud Forrest, 1993: 448). Depois, as lembranças submergem e reaparecem no período convencional de cinco anos e na seqüência, no ritmo de dez anos, vinte anos... No caso de Goiânia, os rituais relativos aos aniversários do desastre radioativo obedecem também este tempo cíclico. O primeiro aniversário do desastre é celebrado por uma missa na Paróquia de Santo Antônio, no Setor Pedro Ludovico, com a presença dos radioacidentados; por uma mesa-redonda na Universidade Federal de Goiás intitulada Césio 137 – Um Ano Depois; por um encontro de saúde, a II Maratona Goiana de Terapias Alternativas com o tema Alternativas para Goiânia depois do Césio 137 e pelo I Simpósio Internacional sobre o Acidente Radioativo com o Césio 137 intitulado Acidente radioativo de Goiânia – um ano depois, coordenado pela Fundação Leide das Neves Ferreira, uma instituição do governo do Estado de Goiás, criada em 1988 para dar assistência às vítimas e realizar pesquisas sobre os efeitos nos humanos da contaminação com o césio 137 e da exposição à radiação. O nome foi escolhido em homenagem à criança de seis anos, uma das primeiras vítimas fatais do desastre.

Em 1992, na manifestação dos cinco anos, os membros da Associação das Vítimas do Césio 137 com o apoio de entidades solidárias como a Universidade Católica de Goiás, organizaram uma manifestação na Feria Hippie, então localizada no centro de Goiânia, e na feira da Praça do Sol, no Setor Oeste, intitulada Goiânia Alegria! onde distribuíram uma carta-manifesto para protestar contra o descaso e a lentidão do governo no atendimento à população atingida pelo desastre. Nesse documento eles afirmaram: “A população de Goiânia precisa estar alerta! O acidente com o césio 137 não acabou!” (Diário da Manhã, 13 de setembro de 1992). Para os habitantes da cidade diretamente atingidos pela catástrofe, o desastre continuava na medida em que se sentiam estigmatizados, enquanto os seus problemas de saúde não recebiam a devida atenção dos órgãos governamentais e os valores das pensões não eram atualizados. Os cinco anos do desastre foram também marcados por celebrações artísticas. O fotógrafo Nelson Santos organizou uma mostra intitulada Ecos de uma tragédia e artistas plásticos, entre os quais Antunes Arantes, realizaram uma performance no terreno onde ficava o Instituto Goiano de Radioterapia como sinal de alerta aos perigos da radiação.

No ciclo ritualístico dos aniversários do desastre com o césio 137, 1997 marcou o ano das celebrações dos dez anos e o desnudar das significações conflitantes processadas em torno das memórias da tragédia (Silva, 2005). Por um lado, as instituições governamentais promoveram dois eventos com repercussões internacionais: o primeiro foi a inauguração do Depósito Definitivo de Rejeitos Radioativos e do Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste, no então Parque Estadual de Abadia de Goiás; e o segundo, a realização da conferência internacional O Acidente Radiológico com o Césio 137: Goiânia Dez Anos DepoisNessas celebrações, o sentido atribuído tanto pelas performances como pelas narrativas construídas sobre os fatos de 1987 era de que o ano de 1997 representava “uma página virada na história do desastre” e de que “tudo estava sob controle”. Os rejeitos radioativos, que por dez anos ficaram a céu aberto, estavam agora acomodados definitivamente e a Comissão Nacional de Energia Nuclear assumia o compromisso de monitorar o local por mais cinqüenta anos, ou seja, até 2047. Os efeitos da radiação sobre os indivíduos atingidos estavam sob controle do conhecimento científico e o número das pessoas atingidas contido pelos parâmetros da biomedicina e pelo saber da medicina nuclear.

Por outro lado, outras narrativas mediam o tempo do desastre como um ritual que repetia uma celebração de perda, de sofrimento e de medo. O artista plástico Siron Franco, que, em 1987, produzira a série Césio (aqui parcialmente reproduzida), considerada por ele a “reportagem visual do acidente” pintou, dez anos depois, a tela intitulada Quinta Vítima (Jornal O Popular, 28 de setembro de 1997)Esta manifestação artística pode ser lida como um ato performativo do sentimento de que a idéia da morte continuava presente em 1997. Uma pesquisa quantitativa encomendada pelo jornal O Popular revelou que 53,6% dos goianienses entrevistados acreditavam na possibilidade de o acidente causar algum tipo de risco à população. A manchete do caderno especial desse mesmo diário, intitulado Césio 10 anos depois, foi “O medo ainda não acabou”. Os vizinhos das casas contaminadas organizaram no lote concretado da Rua 57, do então Bairro Popular, uma celebração de luto que denominaram de O Forró do Césio. Para eles, esta era uma forma de protesto para marcar o drama vivido pelos indivíduos atingidos pelo desastre.

Os dez anos também marcaram a emergência de vozes que reivindicavam uma relação causal entre identidade profissional e doença, como o caso dos policiais militares que trabalharam na contenção do desastre radioativo e lutavam pelo reconhecimento como vítimas (Silva, 1998). Para os radioacidentados, a memória estava inscrita nos corpos, nas dores e no estigma que vivenciavam em seus cotidianos, como expressam as palavras de Ivo Alves Ferreira: “Não conseguimos esquecer. Quando não é a pele, que ficou marcada, são as pessoas (que nos marcam)” (Jornal Opção, 14 a 20 de setembro de 1997). É essa idéia da memória corporificada, atualizada na experiência do presente das pessoas impactadas pelo desastre, que aparece nas manchetes de jornais que noticiaram os dez anos do desastre: “Césio 137: 10 anos de sofrimento” (Top News); “Césio ainda é ferida aberta em Goiás” (Jornal do Brasil); “Um drama que não acaba” (Jornal do Brasil). Para estes atores sociais, as celebrações dos dez anos indicavam a perspectiva de um aniversário com a atualização no presente das marcas que ficaram nos corpos e do trauma que se insere nos atos do cotidiano. Para os outros, o tempo ritualístico é o do aniversário do evento circunscrito no passado.

No caso de Goiânia, a experiência da catástrofe não se transformou em uma experiência de redenção. A dúvida de que Goiânia esteja mesmo livre da radiação; a falta de confiança nos agentes responsáveis pelo trabalho de descontaminação realizado na fase emergencial, entendida como 1987-1988; o medo de que os radioacidentados possam ainda conter o césio 137 em seus corpos; a falta de assistência à saúde das vítimas; a contínua luta de grupos sociais que se consideram atingidos pelo desastre e não foram reconhecidos pelos órgãos governamentais – como os trabalhadores do Consórcio Rodoviário Intermunicipal S.A. que atuaram no transporte dos rejeitos radioativos de Goiânia até o depósito provisório de Abadia – permeiam as narrativas construídas em 2007 e atualizam o desastre. Estas múltiplas vozes apontam para a existência de uma memória traumática que tece as comemorações e caracteriza parte dos rituais de Goiânia como “aniversário com o desastre”. Neste caso, as vítimas e a população afetada pela catástrofe não engendraram uma comunidade de superação e o rito de passagem não se efetivou. O renascimento do contexto de morte trazido pelo desastre não aconteceu. Isto diferencia fundamentalmente as comemorações de aniversário no caso do desastre radioativo das celebrações de outros desastres.

Como os familiares da festa de aniversário de Anita, a avó do conto de Clarice Lispector, os participantes do “aniversário do desastre” retornam simbolicamente para suas moradas. Contudo, aqueles cujos rituais apontam para o aniversário com desastre, ficam como a avó ouvindo a frase “Até o ano que vem!”, quando as condições de sua existência seriam mais uma vez lembradas e comemoradas mas não modificadas. Um trecho da carta-manifesto, intitulada Três anos de agonia e dor, e divulgada pela Associação das Vítimas do Césio 137, em 1990, no terceiro “aniversário com desastre” ilustra minha analogia:

Cansados e desanimados de contar a mesma história todos os dias para pessoas que curiosamente escutam nossos apelos e depois desaparecem deixando as promessas que jamais foram cumpridas, e o tormento continua. (...) 
Como estarão estas vítimas hoje?
Estamos vivos!... ainda.

Talvez para que o ritual de passagem se efetive e se constitua uma comunidade de redenção no caso do desastre de Goiânia, os sobreviventes precisem, assim como Anita em sua festa de 89 anos, cuspir metaforicamente as suas angústias, cacarejar um riso frouxo e despertar de sua mudez. Talvez, assim, quem sabe, a festa de aniversário dos vinte anos do desastre provoque uma escuta das narrativas que há vinte anos os aniversariantes insistem em contar e tornar audíveis.


Referências
FORREST, Thomas R. “Disaster Anniversary: A social reconstruction of time”. Sociological inquiry, Vol. 63, no 4, Nov. 1993, p. 444-456. FRIEDLANDER, Saul; SELIGMAN, Adam B. “The Isralei memory of the Shoah: on symbols, rituals, and ideological polarization”. In: FRIEDLANDER, Roger; BODEN, Deirdre (org.). Space, time and modernity. University of California Press: Los Angeles, 1994, p. 356 – 371.
LISPECTOR, Clarice. “Feliz aniversário”. In: Laços de família. Editora Rocco: Rio de Janeiro. 1998, p. 54. SILVA, Telma Camargo da. “As fronteiras das lembranças: memória corporificada, construção de identidades e purificação simbólica no caso de desastre radioativo”. Vivência, no 28, 2005, p. 57-73. _____. “Soldado é superior ao tempo: Da ordem militar à experiência do corpo como locus de resistência”. Revista Horizontes antropológicos. Número especial: Antropologia do Corpo e da Saúde. Organizado por Ondina Fachel Leal. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Ano 4; no 9, Págs. 119-143. Julho de 1998.
TURNER, Victor. Celebration: studies in festival and rituals. Washington, D.C. Smithsonian. 1982.
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4 de setembro de 1987 - Anunciada uma Bomba Relógio Nuclear

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Na história do Brasil está escrito que em 4 de Setembro de 1987, o então presidente da República, José Sarney, anunciou com pompa que o Brasil dominava a tecnologia nuclear e passava a fazer parte do restrito grupo dos países atômicos. 


(Anos depois o ex-presidente José Sarney e alguns antigos colaboradores do governo confirmaram que nas décadas de 70 e 80 militares e funcionários públicos federais das áreas energéticas e de Informação trabalharam sigilosamente para produzir uma bomba atômica brasileira. Essas confissões deram um selo oficial a informações já conhecidas sobre o famigerado PROGRAMA NUCLEAR PARALELO, sustentado por recursos depositados em contas secretas e responsável por pesquisas e testes para fins bélicos.)


Entretanto foi em Setembro de 1982 que o PROGRAMA NUCLEAR PARALELO logrou sua primeira experiência de enriquecimento de urânio com sucesso. A declaração anterior é do Almirante Othon, antigo coordenador do PROGRAMA NUCLEAR PARALELO, hoje atual presidente da Eletronuclear (A declaração acontece no 05:19 do vídeo a baixo)





Mas infelizmente não foi apenas por esta notícia que nuclear brasileiro foi parar nos jornais do mundo em Setembro de 1987.


Outras mentiras nucleares:



CONTROVÉRSIAS ENVOLVEM ARAMAR 



Quando o projeto de construção do Centro Experimental Aramar foi revelado ao País, na imprensa sorocabana, a Marinha reagiu com um desmentido sobre a finalidade nuclear do empreendimento. 

A Marinha enviou ao Cruzeiro do Sul a seguinte informação, publicada em 1.º de maio de 1985: Não há qualquer intenção em se fabricar artefatos atômicos ou realizar experiências de motores ligados à energia nuclear. Na mesma mensagem, a Marinha atribuiu os comentários a boatos que surgem e adquirem proporções de verdade sem qualquer fundamento real. 

Há 10 anos, em 6 de fevereiro de 1996, o então ministro da Marinha, Mauro Pereira, disse em entrevista coletiva, em Aramar, que a construção do submarino deixara de ser prioridade. A partir de então, segundo Pereira, a Força iria concentrar esforços na construção de submarinos convencionais. Um mês depois, a notícia foi desmentida pelo próprio ministro, que justificou a informação como mal interpretada. 

Além das controvérsias, o programa da Marinha também começou, em 1979, cercado de sigilo. Era a época da ditadura militar, período de autoritarismo e censura. 

Urânio enriquecido 

Entre funcionários civis e militares, Aramar tem hoje 1.243 pessoas, ante cerca de 1.500 em 1988, ano em que a unidade foi inaugurada. A Marinha informa que Aramar continua a enriquecer urânio em seus laboratórios de teste, em equipamentos com capacidade para enriquecer o produto a até 20%. Os equipamentos são máquinas chamadas ultracentrífugas, que geram o nome de ultracentrifugação ao processo de produção.

Por esse processo, o urânio passa de uma máquina para outra, em forma de cascata.
O enriquecimento a 90% seria suficiente para produzir uma bomba atômica. No começo da década de 1990, a Marinha admitiu ter a capacidade de produzir o urânio a esse nível, mas negou qualquer finalidade bélica no seu programa, insistindo no objetivo pacífico - o que respeita dispositivo da Constituição Federal.

A produção de urânio é feita em escala limitada, denominada de demonstração.
Não é divulgada a quantidade produzida por questões de sigilo, segundo o texto enviado pela Marinha.


Fonte: http://www.ipen.br/sitio/?idz=1&idc=1235


O Perigo Concreto adverte: A leitura deste post causa perda imediata de confiança em relação ao Programa Nuclear Brasileiro e esclarecimento das diversas mentiras (antigas e atuais) em relação ao tema.

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Entrevista - Vítimas do Césio 137:A luta dos radioacidentados

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No dia 13 de setembro de 1987, 23 anos atrás, aconteceu um dos maiores acidentes radioativos do mundo, no centro do Brasil, em Goiania. Um velho aparelho de radioterapia com 19 gramas de um elemento altamente radioativo dentro, o Césio 137, virou uma “bomba” atômica – por causa da ignorância dos responsáveis e da falta de educação sobre os riscos da radioatividade em geral.
Até hoje, a maioria das vítimas deste “Chernobyl do Brasil” ainda não foi indenizada nem reconhecida pelas autoridades. Este acidente é uma demonstração clara da importância de informação e educação do povo e de todos os funcionários de hospitais, militares e trabalhadores da construção civil sobre energia nuclear e sobre os grandes riscos da radioatividade. Veja a entrevista de Odesson Alves Ferreira, presidente da Associação das Vítimas do Césio 137 (AVCésio), realizada por Márcia Gomes de Oliveira e Norbert Suchanek, para o Portal EcoDebate.:
O Tribunal de Justiça de Goiás reuniu, em 17 de agosto de 2010, as vítimas do acidente radioativo com o césio-137 para agilizar o andamento dos processos de indenização. Quantas vitimas participaram deste evento?
Odesson Alves Ferreira: Mais ou menos 400 pessoas estiveram presente ao evento. O que as pessoas buscam é o reconhecimento enquanto envolvidas no acidente para que possam receber pensões e assistência médica integral.
Qual resultado criou este evento? O Senhor e a sua Associação estão satisfeitos com o resultado?
Odesson: A grande maioria das solicitações estão nas vias administrativas dos governos estadual e federal. O Tribunal não podia fazer nada. O resultado de ganho com a Audiência é que os cidadãos poderão, a partir de agora, retirar seu processo da esfera administrativa e passar para a judicial e, ai sim, o Tribunal de Justiça na pessoa do seu Presidente, Dr. Paulo Teles, recomendará agilidade nas análises e encaminhamentos dos juízes. Consideramos satisfatório, se levarmos em conta que nos 23 anos pós acidente foi a primeira vez que o Judiciário manifestou preocupação com os radioacidentados.
Concretamente, em 1987, quantas pessoas foram contaminadas em Goiânia?
Odesson: É muito difícil dizer com exatidão o número de contaminados. A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) diz que monitorou 12.800 pessoas. E que destas, apenas 6.500 apresentaram algum grau de irradiação e somente 249 eram merecedoras de atenção, não relatando que tipo de cuidados elas deveriam receber. No decorrer do tempo, os governos estadual e federal concederam benefícios por vontade política ou administrativa para 468 pessoas.
Nós, da AVCésio e o próprio Ministério Público de Goiás, acreditamos em um número não mais de que 1.600 pessoas tiveram algum contato com objetos ou pessoas altamente contaminadas. E, assim sendo, essas pessoas precisam ser amparadas. Portanto: considerando 1.600 pessoas menos 468, restam 1.132 para serem contempladas. Mas existem cerca de 860 processos em andamentos nas vias judiciais e administrativas.
Quais são os efeitos para a saúde desta contaminação radioativa? Quais são as dores das vítimas? Quais doenças?
Odesson: Não existem doenças específicas da radiação, ocorre sim uma precocidade nos problemas relacionados à saúde, por exemplo: osteoporose, hipertensão, deficiência visual, esquecimento e sérios distúrbios psicológicos e até mentais.
Dentre as muitas doenças que manifestaram estão úlceras digestivas, gastrite, depressão e até alguns tipos de câncer, apesar de que as autoridades não admitem a casualidade entre estas doenças e o acidente. Uma questão muito importante em relação a pergunta sobre as dores das vítimas: As dores são a incerteza, a falta de credibilidade na ciência, pois essa não nos dá resposta quanto aos vários sintomas e nenhum diagnóstico. A falta de confiança no futuro das crianças, algumas nasceram com sequelas e ninguém nos esclarece com clareza, apenas dizem não ter relação com o material radioativo.
Quantas pessoas até agora já morreram por causa deste acidente radioativo?
Odesson: Não podemos precisar quantas mortes por causa do acidente. Posso dizer que 84 pessoas envolvidas faleceram. Destas 20 foram vítimas diretas, mas as autoridades não admitem a causa como sendo o acidente.
Quantas vítimas do Césio 137 o Governo Brasileiro reconhece até hoje? E quantas vitimas já ganharam uma indenização? Qual é o valor desta indenização?
Odesson: Indenização por perdas apenas duas vítimas ganharam. Agora pensões vitalícias são 468 ao valor de R$ 510,00, assim distribuídas: 233 recebem R$ 510,00 do Governo de Goiás e a mesma quantia da União, totalizando R$ 1.020,00. Outras 16 pessoas recebem R$ 822,00 de Goiás e 510.00 da União, num total de R$ 1.332,00. Aqueles que recebem mais foram considerados incapazes para o trabalho.
Contaminados também foram militares por causa do seus trabalhos no acidente do Césio 137. Quantos militares foram contaminados por isso e quantos já ganharam uma indenização?
Odesson: PMs contaminados é impossível dizer, uma vez que eles não foram monitorados pela CNEN na época. 182 militares recebem pensão vitalícia de R$ 510,00 – mais por força política do que por reconhecimento.
Muitos trabalhadores da construção civil também foram envolvidos na limpeza das ruas e casas contaminadas . Eles também são vítimas do Césio 137 por causa da falta de informação e equipamento adequado?
Odesson: As demolições foram realizadas de maneira comum, o transporte dos rejeitos idem, as ruas varridas normalmente e os vizinhos continuaram nas residências, salvo algumas exceções, por isso é que mais de 800 pessoas estão buscando ainda seus direitos. Algumas estão filiadas à AVCésio, apesar de que para nós independe da filiação, desde que nos convença com documentos ou testemunhos válidos seu envolvimento no desastre, brigamos por todos na mesma igualdade.
Existe também a Associação dos Militares Vitimas do Césio 137. A sua Associação está lutando junta com eles?
Odesson: Quanto aos militares temos muito bom relacionamento, alguns deles preferem a AVCésio devido sua credibilidade perante à opinião pública e mídia.
O Senhor soube que na Suíça aconteceu em agosto um evento mundial sobre os riscos da indústria nuclear, com a participação de vítimas desta indústria de vários países do mundo (www.nuclear-risks.org)?
Odesson: Na quarta-feira passada (25 de agosto de 2010) tive um encontro com a Deputada Ute Koczi, do Partido Verde Alemão, e ela disse-me dessa reunião na Suíça, esperamos que tenha bons resultados.
A sua Associação foi convidada para este evento, para falar sobre o acidente de Goiânia, um dos maiores acidentes nucleares na história da humanidade?
Odesson: Não fomos convidados, entendo como muito difícil para nós estarmos participando desses eventos internacionais, não temos verba para despesas. Realmente o desastre daqui foi o maior acidente radioativo em área urbana do mundo, acho que deveriam dar mais visibilidade a ele.
Obrigado pela entrevista!

Márcia Gomes de Oliveira é Socióloga e Professora da FAETEC (Fundação de Apoio à Escola Técnica) no Rio de Janeiro. Durante a UNCED (Rio 92) organizou o Seminário “Amazônia 500 anos de Resistência Indígena e Popular”. Participou do Workshop “Uranium – A Blessing or a Curse?”, em outubro de 2008, na Namíbia.
Norbert Suchanek é Correspondente e Jornalista de Ciência e Ecologia, colaborador e articulista do EcoDebate. Participou do Workshop “Uranium – A Blessing or a Curse?”, em outubro de 2008, na Namíbia.. Participou do Workshop “Uranium – A Blessing or a Curse?”, em outubro de 2008, na Namíbia.
Ambos produziram e realizaram o documentário “Uranium Thirst

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