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Um brilho no escuro

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Vinte anos depois do acidente radiológico com o césio-137, em Goiânia, vítimas ainda procuram ter seus direitos reconhecidos e vivem de luto, sem saber ‘quem será o próximo’

Por: Ruben Roschel

Publicado em 25/08/2007

Um brilho no escuro

Roberto Alves lembra da luz azulada do césio em sua mão.

O episódio custou-lhe o braço direito (Foto

Num momento em que o Brasil rediscute programa nuclear, o país ainda se ressente de uma perturbadora ferida aberta há 20 anos, quando a cidade de Goiânia viveu um pesadelo sem precedentes após o rompimento de uma cápsula de césio-137. A vida de milhares de pessoas foi afetada pelo vazamento de 19,6 gramas do pó radioativo. O atendimento às vítimas desse acidente não serviu de referência para casos futuros. Erros, desinformação e inabilidade no trato com a substância puseram em risco a vida de milhares de pessoas. O tratamento e o acompanhamento dos acidentados e a forma de armazenamento das 13,5 toneladas de lixo radioativo recolhidas após o acidente ainda são questionados.

Não há precedentes na história nem parâmetro que permitam avaliar a atuação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) e das autoridades da área de saúde. Diferentemente de casos como o das usinas de Three Miles Island (EUA) e de Chernobyl (Ucrânia), de características nucleares e que atraíram a atenção de pesquisadores do mundo todo, o caso de Goiânia – o maior acidente radiológico do mundo – é pouco lembrado no Brasil. “É como se quisessem varrer o lixo para debaixo do tapete”, compara Odesson Alves Ferreira, presidente da Associação das Vítimas do Césio-137 e do Conselho Estadual de Saúde de Goiás. Para ele as autoridades têm interesse nesse silêncio para que o assunto perca força e não haja reparação. “Fiquei impedido de trabalhar e ainda sofro todo tipo de discriminação. Não pude mais pensar em futuro.”

A história do acidente começa em 1985, quando foi demolido o prédio do Instituto Goiano de Radiologia, que passara ao Instituto de Previdência e Assistência Social de Goiás. Nenhum dos institutos e tampouco a Cnen se lembraram de retirar dali um aparelho de radiografia carregado com uma bomba de césio-137. Em setembro de 1987, Roberto Alves e Wagner Mota entraram nas ruínas e retiraram de lá a peça cilíndrica de chumbo para vender como sucata. “O local estava abandonado. Retiramos a peça e a levamos em um carrinho de mão”, conta Roberto. Do local, onde hoje funciona o Centro de Convenções de Goiânia, eles caminharam cerca de 500 metros até sua casa e iniciaram a desmontagem.

Meirieli com foto
Meirieli segura o retrato de sua amiga de infância Leide, de 6 anos, primeira a morrer contaminada pelo césio (Foto: Augusto Coelho)

‘Olha lá os irradiados’

Passaram mal, com dor de cabeça, febre, diarréia e vômitos. Decidiram vender a peça ao ferro-velho de Devair Alves Ferreira para comprar remédios. Lá a cápsula de chumbo seria aberta. Ao seu núcleo se prendia um recipiente semelhante a uma marmita metálica. Dentro, uma pequena quantidade de pó branco, parecido com sal de cozinha empedrado, chamava a atenção por emitir um brilho azulado, sobretudo no escuro. “Era o brilho da morte”, disse na ocasião Devair, que morreu anos depois com câncer no fígado.



Ivo, irmão de Devair, levou uma “pedrinha” para casa. Sua filha Leide das Neves, de 6 anos, passou um bom tempo brincando encantada com o brilho. “Ela comeu um ovo cozido enquanto brincava. As mãozinhas estavam sujas e ela acabou ingerindo aquele pó”, conta Lurdes das Neves Ferreira, mãe de Leide. “Em pouco tempo a boquinha dela ficou roxa”, lembra. O mal-estar que acometeu várias pessoas foi creditado a intoxicação alimentar e, posteriormente, a doença contagiosa. Hospitais e farmácias da região próxima ao centro de Goiânia passaram a ter grande procura. No dia 28 de setembro, Maria Gabriela, mulher de Devair, levou parte do cilindro ao Serviço de Vigilância Sanitária de Alimentos. No dia seguinte, 16 dias depois do vazamento, chegou-se à conclusão: todos foram expostos à radiação.

A Comissão Nacional de Energia Nuclear montou uma operação de guerra. Milhares de pessoas foram levadas para o Estádio Olímpico. As com índices mais elevados de irradiação foram colocadas em quarentena no prédio onde funcionava a Febem. A Cnen examinou 112 mil pessoas. Das 129 que apresentaram contaminação interna e externa e desenvolveram sintomas, 49 foram internadas e 21 submetidas a tratamento intensivo. Quatro morreram. Leide foi a primeira, pouco mais de um mês depois.
Alguns se escondiam da truculência e do preconceito. O filho de Joanita Santana Silva, Divino Nunes, morreu nessa situação. “Meu menino trabalhava ao lado do ferro-velho, era pintor de carro e não quis contar pra ninguém que tinha sido contaminado. Ficou com medo que faltasse serviço pra ele. Todo mundo passava criticando, dizendo: ‘Olha lá, os irradiados’”, conta.

Oficialmente, até hoje foram reconhecidas 14 mortes em decorrência da exposição ao césio-137. Esses números são contestados pela Associação das Vítimas do acidente e pelo Ministério Público de Goiás, que contabilizam 66 mortes.

Os organismos entendem também que o número de pessoas contaminadas e irradiadas é muito maior do que os estabelecidos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear . Uma pesquisa realizada pela associação, em 2004, localizou mais 23 diagnósticos de câncer em pessoas que viviam em um raio de 200 metros do ferro-velho de Devair.

O que é
O césio-137 é um elemento resultante da fissão nuclear do urânio. O núcleo é constituído por 55 prótons e 82 nêutrons. A soma desses números é a massa atômica, 137, composição que dá instabilidade ao césio, isto é, exige que libere excesso de energia. O césio-137 só começa a perder sua radioatividade em aproximadamente 30 anos. Essa radioatividade pode ter efeito devastador no organismo humano. Começa a destruí-lo de dentro para fora, primeiro a camada muscular e os vasos sangüíneos, depois atinge a camada de gordura, até chegar à pele.

Busca de reconhecimento

“Comecei a fazer essa pesquisa porque via vizinhos morrendo de câncer, mesmo não fazendo parte dos grupos de controle”, conta Sueli Lina de Moraes Silva, da associação. “Mais recentemente fizeram outro trabalho, mas utilizaram o material que conseguimos coletar para servir de base sem aprofundar a pesquisa”, critica. Sueli refere-se ao trabalho feito em 2006 pela Secretaria da Saúde de Goiás (Sesgo), por intermédio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e conduzido pelo epidemiologista Sérgio Koifman.
O monitoramento aponta que “não existem características que diferenciem os grupos expostos ao césio”. Anteriormente o Ministério da Saúde havia reconhecido que a incidência de câncer entre os habitantes da área próxima ao acidente era até 5,4 vezes maior se comparada à média da população de Goiás.

D. Joanita e família
Dona Joanita e a família: vítimas do césio e também da falta de solidariedade (Foto: Augusto Coelho)

O médico José Ferreira Silva, da Superintendência Leide das Neves (Suleide), criada para atender as vítimas, não acredita na potencialização de doenças decorrentes do acidente. “Não temos observado nesse grupo nada de diferente do que ocorre na população normal. Muita gente busca a Suleide com doenças que dizem ser decorrência do césio. Mas é preciso que haja nexo causal, que essas pessoas tenham sido expostas à radiação”, explica.

“Pesquisadores de renome internacional vieram, fizeram exames, mas na hora de voltar não dizem o que acontece com a gente. De que adianta?”, questiona Meiriele Fabiano, que tinha 6 anos à época do acidente. “Não há seqüência de tratamento. Cada dia é um médico diferente. Não desmereço o trabalho da Suleide, mas é laboratório de pesquisa para o acidente, não para as vítimas”, desabafa.

Discriminação, a pior doença

O psicólogo Júlio Nascimento, do Fórum Permanente de Prevenção e Controle de Acidentes Radiológicos e Nucleares, avalia que o acidente levou aquelas pessoas a assumir, de uma hora para outra, uma nova identidade. “Elas não têm informações, foram expostas à curiosidade pública e tratadas como cobaias. Tornaram-se uma espécie de sub-raça, religião maldita, sofrem discriminações desumanas”, dispara.
De acordo com o psicólogo, as vítimas têm um sofrimento atípico, uma vez que efeitos mais evidentes do césio só poderão ser relatados daqui a dez anos. “Elas estão de luto permanente. ‘Quem será o próximo?’, interrogam-se quando morre um conhecido. A situação é difícil de se levantar até economicamente. Perderam casa, emprego e seus sonhos. A ciência não reconhece a relação quando uma vítima adoece nem dá uma resposta sobre o que pode acontecer amanhã”, relata.

O promotor Marcus Antônio Ferreira Alves, do Ministério Público de Goiás, recolhe denúncias dos que trabalharam na área atingida pela radioatividade. “O governo de Goiás colocou servidores para fazer a descontaminação. Foram utilizados 400 homens do Consórcio Rodoviário Intermunicipal (Crisa), contratados outros 120 da Construtora Andrade Gutierrez e mais trabalhadores braçais avulsos, para demolir, retirar asfalto, movimentar máquinas. Esse pessoal não foi computado como vítima”, sentencia o promotor.

Essa falha ainda pode ser reparada se virar lei um projeto já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado que amplia o número de indenizados como vítimas do césio-137. O Ministério da Saúde atesta que 221 servidores do Crisa desenvolveram algum tipo de agravo e oito morreram. Na Polícia Militar foram 189 atingidos, três mortes. Na Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia dois servidores desenvolveram doenças. Outros 17 casos foram constatados nos Bombeiros, com uma morte.

Odesson Ferreira, da Associação das Vítimas, é categórico: “Só consegui voltar a ter forças fazendo reciclagem política, buscando direitos. Não os meus, mas de todos os radioacidentados. Abracei a causa e queremos resgatar a cidadania dessas pessoas, o direito de viver”. O trabalho é árduo. “Já fomos a todas as instâncias, ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, ao Ministério Público, às ONGs, à imprensa, estou desanimado principalmente com a Justiça. Não sei se é lenta ou tendenciosa. Pela ciência, quando vemos o que é feito com vítimas de Hiroshima e Chernobyl, nos sentimos mais desamparados”, constata. Após 20 anos, as vítimas aguardam que o dia de amanhã traga alguma resposta para tantas perguntas que ainda povoam seu triste cotidiano.


FONTE: http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/15/um-brilho-no-escuro/view

Comments (2)

Eu nem era nascida qndo aconteceu, mas li todas as noticias e relatos das pessoas envolvida, soh de pensar passo mal e ver as fotos das pessoas nos leva a pensar como a falta de informacao acabou com tantas vidas, muitoo triste ao inves de esconder deveriam sim concientizar as pessoas..

Trabalhei no deposito em abadia ao ceu aberto vigiando os contener, so que entrei com acao contra o estado para receber a pessao so que o governado marcone negou. meu man e iran-mem@hotmail.com

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