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Riscos Biológicos da Radiação

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Este capítulo tem o objetivo de situar os leitores não familiarizados, à semelhança do capítulo anterior, apresentando resumidamente os efeitos da radiação sobre o organismo humano.
A elaboração deste capítulo advém da necessidade de apresentar os riscos da radiação ao homem e ao meio ambiente, de forma a sensibilizar, em função das suas graves conseqüências, a necessidade da regulamentação e controle das atividades de fiscalização da radioproteção e segurança das atividades com fontes radioativas. A base vem de uma verdadeira aula dada pela Dra. Maria Vera Cruz de Oliveira, Médica do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Santo Amaro da Prefeitura de São Paulo e Coordenadora do Projeto Nuclemon, durante a Audiência Pública em Brasília, organizada por este Grupo de Trabalho em 20/10/2005, quando foi debatida a contaminação por urânio e tório dos ex-trabalhadores da NUCLEMON.

3.1 Efeitos da Radiação em Seres Vivos
Uma das principais preocupações sobre a exposição da radiação é o potencial risco à vida da célula. Se uma radiação ionizante entrar numa célula viva, ela pode ionizar (formar íons por retirada ou acréscimo de elétrons) os átomos que a compõem, seja interagindo diretamente com o DNA da célula ou com as moléculas vizinhas.
Já que um átomo ionizado é quimicamente diferente de um átomo eletricamente neutro, isto pode causar problemas dentro da célula viva.


O corpo humano é constituído por cerca de 5 trilhões de células, muitas das quais altamente especializadas para o desempenho de determinadas funções. Quanto maior o grau de especialização, isto é, quanto mais diferenciada for a célula, mais lentamente ela se dividirá. Uma exceção significativa a essa lei geral é dada pelos linfócitos (Glóbulos brancos que combatem as infeções produzidas na medula óssea e em outros órgãos do sistema linfático), que, embora só se dividam em condições excepcionais, são extremamente sensíveis à radiação.
Os fenômenos físicos que intervêm da exposição à radiação são a ionização e a excitação dos átomos. Os fenômenos químicos que sucedem aos físicos provocam rupturas de ligações entre os átomos formadores da célula, ocasionando a geração de radicais livres (Molécula muito instável extremamente reativa com outras moléculas orgânicas, que podem produzir reações biológicas lesivas ao organismo) em um intervalo de tempo muito pequeno.

    Os fenômenos biológicos da radiação são uma conseqüência da ação física e química, alterando as funções específicas das células, sendo responsáveis pela diminuição da atividade de órgãos ou sistemas, por exemplo: perda das propriedades características do sistema muscular.
    Além destas alterações funcionais, os efeitos biológicos caracterizam-se também pelas alterações em funções metabólicas essenciais da célula, ou até mesmo pela morte celular imediata, através de um dano na estrutura celular que ocasione a incapacidade da célula efetuar sínteses necessárias à sua sobrevivência.

    3.2 Efeitos Biológicos
    As conseqüências das radiações para os humanos são muitas e variáveis, dependendo dos órgãos do corpo e sistemas atingidos. De um modo geral os efeitos são divididos em efeitos somáticos e efeitos hereditários.

    3.2.1 Efeitos Somáticos
    Os efeitos somáticos surgem de danos nas células do corpo, e apresentam-se apenas em pessoas que sofreram diretamente a irradiação, não interferindo, ou apresentando sintomas, nas gerações posteriores.
    Os efeitos somáticos que ocorrem logo após (poucas horas ou semanas) uma exposição aguda são chamados de imediatos, como por exemplo, a Síndrome Aguda de Radiação (SAR). Os efeitos que aparecem depois de anos ou décadas são chamados tardios, como por exemplo, o câncer, que só aparece vários anos após a irradiação do organismo.
    A gravidade dos efeitos somáticos dependerá basicamente da dose de radiação recebida e da região do corpo atingida. Isso se deve ao fato de que diferentes regiões do corpo reagem de formas diferentes ao estímulo da radiação. Alguns exemplos de efeitos somáticos imediatos produzidos por exposição radioativa aguda (doses elevadas, da ordem de Grays) são: 
    • Sistema hematopoiético: leucopenia, anemia, trombocitopenia etc.
    • Sistema vascular: obstrução dos vasos, fragilidade vascular etc.
    • Sistema gastrointestinal: secreções alteradas, lesões na mucosa etc.
      Doses de radiação muito elevadas, da ordem de centenas de Grays, provocam a morte em poucos minutos, possivelmente em decorrência da destruição de macrocélulas e de estruturas celulares indispensáveis à manutenção de processos orgânicos vitais.
      Doses de radiação da ordem de 100 Grays produzem a falência do sistema nervoso central, de que resulta: desorientação espaço-temporal, perda de coordenação motora, distúrbios respiratórios, convulsões, estado de coma e, finalmente, morte, que ocorre algumas horas após a exposição à radiação ou, no máximo um ou dois dias mais tarde.
      Quando a dose absorvida é da ordem de dezenas de Grays, observa-se a síndrome gastrointestinal, caracterizada por náuseas, vômito, perda de apetite, diarréia intensa e apatia. Em seguida surgem desidratação, perda de peso e infeções graves. A morte ocorre poucos dias mais tarde.
      Doses da ordem de alguns Grays acarretam a síndrome hematopoiética, decorrente da inativação de células sangüíneas (hemácias, leucócitos e plaquetas) e, principalmente, dos tecidos responsáveis pela produção dessas células (medula).
      Os efeitos somáticos tardios são difíceis de distinguir, pois demoram a aparecer e acaba não se sabendo ao certo se a patologia se deve à exposição radioativa ou ao processo de envelhecimento natural do ser humano. Por esta razão a identificação dos efeitos tardios causados pelas radiações só podem ser realizados em situações especiais.
      Como comparação, a fonte radioativa de Césio-137 que originou o acidente de Goiânia em 1987, possuía uma atividade que gerava uma taxa de dose de radiação de 4 Grays/hora, em uma pessoa distante 1 metro da fonte.

      3.2.2 Efeitos Hereditários
      Os efeitos hereditários ou genéticos surgem somente nos descendentes da pessoa irradiada, como resultado de danos por radiação em células dos órgãos reprodutores, as gônadas.
      Estes efeitos são estudados usando camundongos como cobaias e seus resultados podem ser extrapolados para a espécie humana. Os efeitos genéticos nos camundongos dependem, além de outros fatores: 
      • · Da dose de radiação, existindo uma relação linear entre esta e a intensidade do efeito;
      • · Da taxa de fracionamento de dose, dependendo de serem ou não reparáveis as lesões provocadas pelas radiações;
      • · Da qualidade da radiação, sendo os nêutrons os mais eficientes para provocar mutações que os raios-X ou raios gama.
      Na espécie humana ainda não foi possível demonstrar mutações induzidas por radiação, mesmo entre os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki, devido a fatores como a dimensão reduzida da população estudada, o tempo necessário para a obtenção de cada geração, além das dificuldades de dosimetria da radiação absorvida (Alguns cientistas afirmam que os estudos não foram feitos por motivos políticos: para que não se tenha a real dimensão do ataque dos Estados Unidos a uma população civil).
      Inquestionavelmente, a radiação ionizante é um agente que induz mutações. A conclusão é válida para espécies animais e vegetais, com base em resultados obtidos ao longo de seis décadas de experimentação, desde as explosões nucleares nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. A radiação tem também um efeito teratogênico, isto é, provoca alterações significativas no desenvolvimento de mamíferos irradiados quando ainda no útero materno.

      3.3 Efeitos da Exposição a Baixas Doses de Radiação
      A investigação de efeitos somáticos, como por exemplo, o surgimento de alguns tipos de câncer e leucemia, levou ao questionamento da existência de um limiar de dose de radiação - abaixo dele não existiriam efeitos biológicos. Hoje é consenso entre especialistas que os riscos da radiação estão relacionados a um modelo linear proporcional. Isto é: não há dose de radiação tão pequena que não produza um efeito colateral no organismo humano. Quanto maior a exposição, maior é o risco dos efeitos biológicos, existindo, assim uma relação contínua entre exposição e risco.

      Portanto, como apresentado por MARIA VERA DE OLIVEIRA (Declaração em audiência pública organizada pelo Grupo de Trabalho em 20/10/2005 em Brasília):

      (...)
      Não há níveis seguros para exposição à radiação ionizante. A radiação tem outros efeitos além das neoplasias como doenças cardíacas e acidente vascular cerebral.
      (...)
      Tal fato é escamoteado pelo setor econômico, político e bélico, que, regra geral, dominam o programa nuclear em vários países. Estes, contrariando estudos científicos comprovados, insistem no argumento de que há limites para exposição à radiação, minimizando os seus riscos. Vide, por exemplo, os Princípios Fundamentais da Segurança Nuclear, defendidos pela Agência Internacional de Energia Atômica (Agência Internacional de Energia Atômica – Principles of Nuclear, Radiation, Radioactive Waste and Transport Safety – IAEA Safety Standard DS-298, 2005):
      1. Todas as práticas e intervenções envolvendo exposição à radiação ionizante devem ser justificadas;
      2. A dose de radiação ionizante sobre indivíduos deve ser mantida abaixo dos limites de dose; 
      3. Medidas de segurança devem ser otimizadas e acidentes devem ser prevenidos; 
      4. Deverão ser levadas em conta todas as considerações devidas, tanto no presente como no futuro, para todas aquelas práticas e intervenções onde exista qualquer risco potencial de exposição humana;
      5. Deverão ser levadas em conta todas as considerações devidas referentes as possíveis conseqüências para o meio ambiente, oriundas de práticas com radiação ionizante, incluindo os cuidados relativos aos seres vivos de qualquer espécie;
      6. A principal responsabilidade pela Radioproteção e Segurança Nuclear recai sobre o operador;
        7. Os Governos deverão estabelecer, implementar e manter uma infra-estrutura legal e organizacional para a Radioproteção e Segurança Nuclear, incluindo um órgão regulador com efetiva independência;
          8. O órgão regulador deverá estabelecer os requisitos de Radioproteção e Segurança Nuclear de maneira proporcional ao nível do risco daquilo que esteja regulando.
            A existência de concepções como estas tem servido de lastro para manutenção de uma política nuclear que se notabilizou no passado – e perdura no presente – por não dar importância à saúde humana e à qualidade do meio ambiente. Pior, os defensores desta política conseguem até descobrir no setor de saúde quem justifique as atitudes adotadas. Em outubro de 2005, por exemplo, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados promoveu audiência pública sobre contaminação dos trabalhadores expostos à radiações ionizantes. A CNEN foi chamada a se posicionar sobre o tema, e enviou como seu representante o médico NELSON VALVERDE, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Sua exposição, infelizmente, contrariou os mais elementares estudos sobre riscos à saúde para expostos à radiação ionizante. Ele, sintetizando a voz predominante no setor nuclear, primeiro tentou mostrar que os riscos da radioatividade são menores que o de outras atividades humanas. Por exemplo, segundo ele, uma dieta mal conduzida pode levar ao câncer. É o que diz um dos slides apresentados:
            Seguindo esta mesma linha de santificação da radioatividade, VALVERDE apresentou um outro slide onde mostra que o álcool é mais perigoso que a energia nuclear:

            O mesmo profissional a serviço da CNEN ainda levantou a tese estapafúrdia de que existe a possibilidade de “que uma baixa dose de radiação (condicionante) possa “defender” a célula contra uma outra dose maior (desafiadora)”. Isto é, radiação em baixas doses podem servir como antídoto a doses maiores! Do ponto de vista científico, o que NELSON VALVERDE afirmou na Câmara dos Deputados é apenas uma inverdade; mas, do ponto de vista da história, da medicina e da segurança, ele está, no mínimo, agredindo a inteligência e a dignidade humana.
            O GT deixa registrado este depoimento como exemplo do esforço dos responsáveis pelo setor nuclear em justificar a pouca importância dada à segurança da população de um modo geral, e, em especial, do trabalhador exposto à radiação ionizante. A intenção evidente é mostrar que a atividade não traz riscos. Ou, traz poucos riscos. Apela-se, infelizmente, para a cumplicidade da medicina e da ciência para justificar a inação no setor.




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