Carta da sociedade brasileira ao Parlamento Alemão
Os movimentos sociais, organizações da sociedade civil brasileira e pesquisadores, abaixo relacionados, estamos profundamente preocupados com a decisão que o Parlamento da Alemanha tomará, proximamente, confirmando ou não a concessão da Garantia Hermes ao financiamento da construção da Usina Atômica de Angra 3, em nosso país.
Em todo o mundo repercutiu positivamente a decisão do governo alemão de encerrar seu programa nuclear, devido aos enormes riscos desta tecnologia, como ficou evidente, para todos, com a catástrofe recente de Fukushima. Admiramos também as decisões tomadas na Alemanha para incentivar a pesquisa e a experimentação de energias renováveis.
Mas nos causa indignação que, ao mesmo tempo, o governo alemão apóie a construção de usinas nucleares em outros países, como se fosse possível aplicar, na política internacional, um duplo critério, em que os riscos da energia nuclear são considerados inaceitáveis para os cidadãos alemães, mas não o são para cidadãos de outras nações.
Nossos movimentos têm denunciado incansavelmente o fato de que, no Brasil, o órgão de fiscalização e controle da segurança nuclear (Comissão Nacional de Energia Nuclear) seja o mesmo que fomenta e explora as atividades atômicas. A conseqüência desta situação, semelhante apenas à estrutura adotada no Irã e no Paquistão, é que as denúncias sobre acidentes freqüentes ocorridos nas instalações nucleares nunca são apuradas, nem se adotam as medidas necessárias para evitá-los. Tais fatos podem ser comprovados no Relatório sobre Fiscalização e Segurança Nuclear elaborado por um Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados, bem como no relatório da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais. Revolta-nos ainda que as vítimas do maior acidente radiológico de nossa história, ocorrido em Goiânia, em 1987, sigam desassistidas pelo Estado Brasileiro, apesar de sua luta de quase 25 anos.
A falta de transparência do programa nuclear brasileiro reflete o contexto que o originou, qual seja, o período da ditadura militar brasileira, em que nosso país alimentou um programa nuclear paralelo com fins militares que, embora suspenso oficialmente no início dos anos 90, certamente influenciou a retomada do programa nuclear energético pelo governo do presidente Lula da Silva. Esta retomada, que inclui a construção de submarinos nucleares, foi feita, ademais, sem nenhuma discussão pública ou parlamentar.
Registramos o crescente número de iniciativas da sociedade civil para assegurar justiça e igualdade no Brasil. Após o acidente de Fukushima, estamos trabalhando conjuntamente para evitar que tragédias semelhantes ocorram em nosso país, com a construção de usinas nucleares. Ainda mais sabendo que, para além desses riscos inerentes, tal forma de prover energia elétrica para nossa população e nossa economia não atenderá as necessidades mais urgentes de nossa população e desviará recursos que poderiam ser dirigidos à pesquisa e ao uso de fontes de energia renováveis. Não queremos que se criem as condições tecnológicas para que o Brasil possa vir a se tornar uma potência dotada de armas atômicas, o que seria a negação de um dos nossos valores históricos mais preciosos: a paz.
Por essas razões, é essencial que levemos nosso governo a imitar a Alemanha em sua decisão de interromper seu programa nuclear. E uma atitude do Parlamento Alemão suspendendo a Garantia Hermes para a construção de Angra 3 significa, para nós, um apoio decisivo.
Contamos, portanto, com a responsabilidade e a coerência política dos membros do Parlamento Alemão.
Assinam a presente carta:
Articulação Antinuclear Brasileira
Coalizão Brasileira contra Usinas Nucleares
Associação de Vítimas do Césio – Goiânia (AVCésio)
Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (SAPÊ)
Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania
Instituto Gambá
Cáritas – CE
Comissão Pastoral da Terra (CPT/PE e CPT/CE)
FASE – PE e RJ
Fórum dos Atingidos pela Petroquímica
Festival de Filmes Urânio em Movimento
Movimento Ecossocialista de Pernambuco
Associação Ambientalista da Cidade de Camaragibe/AACC-PE
Movimento Ecovida do Cabo de Santo Agostinho/PE
Fórum de Entidades Populares do Cabo de santo Agostinho-PE
Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde (Núcleo Tramas) – Universidade Federal do Ceará
Grupo de Estudo em Temáticas Ambientais (GESTA) – Universidade Federal de Minas Gerais
Renan Finamore, doutorando em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ
Marijane Lisboa, PUC
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