Na
manhã de domingo, 13 de setembro de 1987, Wagner Motta Pereira, de 19 anos, motorista profissional,
desempregado, estava em sua residência quando um antigo amigo do bairro,
Roberto Santos Alves, de 21 anos, trabalhador autônomo, chegou informando-lhe
sobre a existência de uma peça de chumbo, abandonada em um prédio localizado no
cruzamento das avenidas Paranaíba e Tocantins, na região central de Goiânia.
Como
o chumbo é um metal muito valioso no comércio de sucatas, os dois viram ali uma
excelente oportunidade de “ganhar dinheiro”. Dirigiram-se, então, até o local, adentraram
ao antigo prédio sem nenhuma dificuldade e, de pronto, localizaram o aparelho.
(ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137, 1993; MIRANDA, 1993)
Segundo
Wagner, em depoimento à Wojtowicz (1990), ele e Roberto não imaginavam o que
era e qual era a finalidade daquele equipamento, eles só estavam interessados no chumbo, pois: [...].
Chumbo é pesado, dá grana, né? Eu pensei foi nisso, não na pedra. Eu nem vi pedra.
[...] eu não sabia o que era, né? No início, quando eu vi a peça, dava a impressão
de que ela era toda um motor, porque na frente dele tinha uma engrenagem e uma
mola. E ele mexia. (WOJTOWICZ, 1990, p. 116)
Ao
tentar remover o aparelho, os dois enfrentaram alguns problemas, pois a peça
era muito pesada e perceberam que o carrinho de mão que haviam levado para transportar o objeto, não
iria suportar o peso. Assim, com o auxílio de ferramentas simples e após muitas
tentativas, lograram êxito em desmontar a peça em duas partes: uma pequena, onde
justamente estava embutida a fonte radioativa, que é composta por chumbo, aço
inox e o material radioativo, e, a outra, maior, que era precisamente a carcaça
do aparelho, como mostra a Figura 16. (ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137,
1993; MIRANDA, 1993; WOJTOWICZ, 1990)
Havia
uma espécie de graxa amarela entre as duas partes, o que facilitou o desmonte
do aparelho. A parte menor, que pesava aproximadamente
200kg, foi posta no carrinho de mão e transportada até a casa de Roberto, que
residia no nº 68 da Rua 57, próximo ao IGR. Tão logo chegaram à residência, os
dois, imediatamente, utilizando ferramentas simples como martelo e chave de
fenda, começaram a tentar desmontar a peça para separar o chumbo. Entretanto,
devido à resistência do material, não obtiveram êxito na tentativa. Wagner
seguiu então para a sua residência
deixando o artefato na casa do amigo (ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137,
1993; WOJTOWICZ, 1990)
Naquele
mesmo dia, Wagner e Roberto começaram a sentir náuseas,
vômitos e
tonteiras, sintomas imediatamente atribuídos a uma intoxicação alimentar, que
teria sido provocada pela ingestão de coco e manga verde. Eles não tinham idéia
de que, naquele momento, já seriam as primeiras vítimas por contaminação
radioativa, tragédia que se espalharia para uma boa parte de Goiânia. No dia
seguinte, Wagner teve seu quadro clinico agravado por diarréia e pelo
surgimento de queimaduras nas mãos e braços, sintomas que persistiriam durante
os dias subseqüentes. (ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137,1993; MIRANDA, 1993)
Mesmo
assim, durante os três dias seguintes, os amigos continuaram
trabalhando na
separação do chumbo, ignorando a piora do estado de saúde de ambos. Finalmente,
em 16 de setembro, usando uma chave de fenda, os dois acabaram violando uma espécie
de tampa da peça, na tentativa de verificar se o interior da peça era feito de
chumbo. Essa espécie de tampa era fabricada com irídio, que é um metal de
transição mais frágil que o chumbo, sendo, portanto mais fácil de quebrar. Esta
janela possuía a função de permitir a passagem do feixe radioativo. No interior
da peça, ambos notaram a presença de um pó branco, semelhante ao sal de
cozinha. Como o pó não lhes interessava, tiveram a idéia de se livrar daquela
peça, fato que só não aconteceu por acreditarem na possibilidade de o objeto interessar
ao dono do ferro velho, o que geraria uma lucratividade maior para ambos. (ASSOCIAÇÃO
DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137, 1993; MIRANDA, 1993; WOJTOWICZ, 1990)
Em
18 de setembro, cinco dias após a chegada da fonte radioativa, e já com a saúde
debilitada, Wagner e Roberto decidiram vender a peça para o sucateiro Devair
Alves Ferreira. O dono do ferro velho conhecia Roberto, mas não confiava nele,
tanto que questionou Wagner sobre a propriedade da peça. Ao obter a afirmação
de Wagner de que ele era o verdadeiro dono do artefato, Devair aceitou
comprá-la. Ela foi transportada até o ferro velho por Ernesto dos Santos Alves,
de 23 anos, funcionário do comércio, em um carrinho de mão, juntamente com
Wagner e Roberto. Submetida a pesagem,
totalizando 128kg, a peça rendeu aos amigos a quantia de Cz$ 1.600,00 (mil e
seiscentos cruzados).(O POPULAR, 14 out. 1987, p. 7; WOJTOWICZ, 1990).
No
mesmo dia da venda, preocupado com sua saúde, Wagner dirigiu-se ao Hospital São
Lucas, na capital goiana. Lá, o médico diagnosticou uma simples reação alérgica,
que, de acordo com o facultativo, seria motivada pela ingestão de alimentos estragados.
O conselho médico foi que o rapaz voltasse para casa e permanecesse em repouso.
(ASSOCIAÇÃO DAS VÍTIMAS DO CÉSIO-137, 1993; WOJTOWICZ, 1990)
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